Por José Vital Monteiro
Epidemia de miopia? Sim, a situação é preocupante, principalmente em certos países do Oriente e, além disso, o aumento do número de casos vem crescendo exponencialmente em todo o mundo! Retinopatia diabética? Sem dúvida que merece a maior atenção, já que o diabetes vem sendo classificado como a peste do século XXI! Porém, um exame mais minucioso da epidemiologia das doenças e problemas oculares revela que a presbiopia tem um papel relevante.
A dificuldade para enxergar de perto provocada pela perda de flexibilidade do cristalino e pelo progressivo relaxamento do músculo ciliar é um dos primeiros e mais visíveis sintomas do processo de envelhecimento humano e, por esta razão, além do desconforto físico causa também certo desalento psicológico em grande número de pessoas.
Citando dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), o professor associado do Departamento de Oftalmologia da Faculdade de Medicina da USP, Milton Ruiz Alves, afirma que atualmente existem cerca de 1,1 bilhão de pessoas com deficiência de visão para perto, número mais de quatro vezes maior às aproximadamente 237 milhões que apresentam deficiência de visão para médias e longas distâncias. Os mesmos dados indicam que entre cinco e dez anos esta cifra vai chegar a dois bilhões de pessoas que sentirão dificuldade ou impossibilidade de olhar os aplicativos de seus celulares, ler jornais e revistas e realizar um sem-número de ações cotidianas sem algum tipo de correção óptica.
Ruiz Alves também ressalta que estudos realizados em 2008 mostraram que o Brasil perde algo equivalente a US$ 9 bilhões por ano por deixar parte de sua população sem correção óptica adequada (englobando todas as ametropias).
E são quatro as vertentes utilizadas pelos especialistas para a correção óptica da presbiopia: os óculos, lentes de contato, cirurgia refrativa e implante de lente intraocular, cada uma das quais com vantagens e desvantagens peculiares e a adoção de cada uma delas depende das condições do paciente, de seus interesses e exigências, do raciocínio médico e da relação do profissional com quem procura seus serviços.
Mais simples e difundido
“A solução mais convencional, mais popular, mais difundida é a correção da presbiopia com óculos. Para as pessoas que já usam óculos, será uma adição de grau para que o foco para visão de perto seja ajustado. A maioria das pessoas se adapta perfeitamente bem a esta situação, mesmo aquelas que nunca usaram óculos”.
Esta é a avaliação do professor emérito da Faculdade de Medicina da USP de Ribeirão Preto, Harley Edison Amaral Bicas, que esclarece que os óculos podem ser simples, para os pacientes que não têm outros problemas oculares, ou bifocais, ou ainda multifocais para os portadores de outras ametropias. às quais se soma a presbiopia com a idade. A escolha sempre deve ser feita levando em conta a profissão do paciente, necessidades, idade, eventual evolução dos problemas visuais e sua situação social.
Adianta que a adaptação aos óculos multifocais é, por vezes, complicada e, em alguns pacientes, um pouco demorada. E ainda existem os casos de pessoas que não conseguem se adaptar aos óculos multifocais, casos que exigem diplomacia e esforços adicionais por parte do médico.
“Uso como exemplo meu caso, que tinha um astigmatismo muito alto, mas quando veio a presbiopia, adaptei-me muito bem aos óculos multifocais. Se o paciente enxerga razoavelmente bem de longe, com os multifocais vai enxergar razoavelmente bem de perto. Se enxergar bem de longe, vai enxergar bem de perto e se o astigmatismo for muito irregular, geralmente a opção pelas lentes de contato se impõe”, declarou.
A mesma opinião é compartilhada por Milton Ruiz Alves que, priorizando a saúde pública ocular, acrescenta que no Brasil de 2018 a solução para a correção óptica da presbiopia é basicamente trazida pela prescrição de óculos. É algo que os médicos oftalmologistas já dominam com maestria e o verdadeiro problema consiste em criar e incentivar políticas que garantam assistência oftalmológica de qualidade a toda população e estabeleçam mecanismos para distribuição de óculos subsidiados ou gratuitos para os pacientes em situação econômica vulnerável.
“Para um número pequeno de pessoas, as lentes de contato representam uma solução adequada e, para um número mais restrito ainda, temos as cirurgias; mas, se estamos falando de saúde pública, a resposta é uma só: óculos, simples, na maioria dos casos; bifocais em quase todos os outros e multifocais para quem puder arcar”, concluiu Ruiz Alves.
Monovisão ou visão balanceada
Mesmo concordando que a solução óptica mais usual para a presbiopia seja a prescrição de óculos, a diretora do Hospital de Olhos Sadalla Amin Ghanem, de Joinville (SC), Cleusa Coral Ghanem considera que as lentes de contato representam alternativa bastante interessante, principalmente para aquelas pessoas que não se adaptaram ou não querem usar óculos por questões de autoestima e segurança psicológica. E a melhor solução para optar pelo uso de lentes de contato para corrigir sua presbiopia é utilizar o que ela chama de visão balanceada, ou monovisão, que consiste em usar uma lente com foco para longe, no olho dominante, e uma lente com foco para perto no olho contralateral.
Afirma que a visão balanceada é a solução mais usual para quem não quer usar óculos e tem capacidade para usar lentes de contato. A maioria dos médicos oftalmologistas domina perfeitamente esta técnica e os cálculos necessários para sua implementação. Em termos ópticos, perde-se um pouco da percepção de profundidade e de contraste, perda essa que é perfeitamente assimilável pela maioria dos usuários, que ficam satisfeitos com a solução encontrada para não usar os óculos.
Outra solução apontada por Cleusa Coral Ghanem para a correção óptica da presbiopia, principalmente quando associada a outras ametropias, é o uso de lentes de contato gelatinosas multifocais, técnica que, segundo ela, exige cuidados especiais e esclarecimento detalhado para o usuário.
“Temos ótimos desenhos de lentes de contato gelatinosas multifocais. Mas quando se compara a qualidade visual de uma lente de contato multifocal ótima e bem adaptada com a qualidade visual dos óculos multifocais, existe diferença. São técnicas completamente distintas. Com os óculos o paciente vê de perto, distância intermediária e de longe, necessitando às vezes de algum tempo para adaptação. Com as lentes de contato multifocais todas as imagens entram no olho ao mesmo tempo e o cérebro precisa aprender a fazer a seleção da imagem principal, num processo de aprendizagem visual que pode levar até dois meses. Assim, por exemplo, na leitura, o usuário no início do processo de adaptação vê imagens fantasmas em torno das letras. O médico precisa explicar o prognóstico esperado ao paciente e ter a certeza de que ele entendeu”, declara.
Cleusa Coral Ghanem ressalta também que as lentes de contato multifocais podem trazer outras vantagens para os présbitas que também são portadores de outros problemas visuais. Afirma que quanto maior o grau do erro refrativo, mais conveniente se torna a opção pelas lentes de contato multifocais.
Explica que óculos com altos graus de correção apresentam ótima visão central, mas quando a pessoa mexe o olho, a visão pode entrar na área de distorção, o que não ocorre com as lentes de contato.
Esclarece também que, no caso dos míopes, as lentes divergentes dos óculos reduzem a imagem percebida pelo cérebro, fenômeno que não ocorre com as lentes de contato, o que dá sensação de melhor visão ao usuário. Já para os portadores de hipermetropia, as lentes dos óculos funcionam como espécie de lupa, com os objetos parecendo maiores do que realmente são. Como as lentes de contato eliminam este fenômeno, o usuário fica com a impressão de que está enxergando menos, o que exige esclarecimentos prévios por parte do médico.
A oftalmologista mostra certo entusiasmo pelas lentes de contato rígidas multifocais que, segundo ela, estão experimentando grande avanço. Afirma que para os portadores de astigmatismo mais acentuado, estes artefatos podem ser os mais indicados.
“Temos no mercado muitas lentes deste tipo que não funcionam, mas temos algumas que, dependendo do paciente, podem representar a melhor solução por conta de sua estabilidade. Temos, inclusive, uma lente de contato anatomicamente construída para ter uma espécie de apoio na pálpebra, que exerce a função de óculos multifocais e que está sempre no mesmo lugar, proporcionando conforto e visão para todas as distâncias ao paciente”, declarou.
Por fim, Cleusa Coral Ghanem alerta para o fato de que com a idade, ao mesmo tempo que as pessoas ficam présbitas, também adquirem a tendência de ficarem com os olhos mais secos, principalmente as mulheres, por conta da menopausa e das mudanças hormonais que provocam atrofia das glândulas lacrimais, o que pode se tornar um fator de desconforto para os usuários de lentes de contato.
“Para os que optaram pela visão balanceada, o problema não é tão agudo, mas quando a escolha recai sobre lentes de contato gelatinosas multifocais, o olho seco pode inviabilizar seu uso. Temos informações de que esse problema está sendo objeto de pesquisas por parte das empresas e universidades, mas por enquanto é algo que precisa ser levado em conta pelo médico na hora de prescrever e de orientar seu paciente”, concluiu Cleusa Coral Ghanem.
Cirurgias
Para o professor adjunto Livre-Docente do Departamento de Oftalmologia da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP) e presidente da Associação Brasileira de Catarata e Cirurgia Refrativa (ABCCR), Walton Nosé, a correção cirúrgica da presbiopia pode levar conforto e satisfação aos pacientes e os critérios de indicação dependem das técnicas cirúrgicas, das necessidades individuais e os resultados devem ser estudados e planejados antes da indicação de qualquer procedimento.
“Existem basicamente três modalidades cirúrgicas para esse tipo de correção: modelagem da córnea, colocação de lentes intraoculares e intervenções na esclera. Atualmente as cirurgias mais indicadas são as que modelam a córnea e os implantes intraoculares. As bandas esclerais, que foram muito usadas na década de 90 do século passado, foram praticamente abandonadas, pois seus resultados foram muito insatisfatórios , explicou Nosé.
Também afirmou que as indicações e contraindicações estão diretamente relacionadas ao tipo de cirurgia prescrita e que as intervenções na córnea em pacientes portadores ou que pela idade podem vir a desenvolver catarata devem ser evitadas. Nestes casos, recomenda implantes de lentes intraoculares multifocais, lentes de foco estendido ou utilizar a técnica de monovisão utilizando lentes monofocais.
Para as cirurgias de correção da presbiopia pela moldagem da córnea, Nosé considera melhor a utilização de LASIK (Laser-Assisted in Situ Keratomileusis), que tem a vantagem de ser mais preciso, depender menos da cicatrização do tecido e proporcionar a recuperação da visão com maior rapidez e menos incômodo pós-operatório em relação à técnica PRK (ceratectomia fotorrefrativa).
Quando ao laser de femtossegundos, o presidente da ABCCR recomenda cautela, afirmando que ele pode ser usado nas cirurgias de indução da monovisão ou moldando a asfericidade corneana, mas que ainda faltam estudos de longo prazo sobre o tema, ao passo que a utilização do Excimer Laser já tem precisão e tempo de seguimento, com resultados bem conhecidos e determinados.
Afirma que quando o portador de presbiopia apresenta simultaneamente outras ametropias, é necessário que o médico realize exame de refração cuidadoso e anamnese detalhada.
“Se o paciente for présbita jovem (45 anos), com miopia baixa, fazemos o teste de monovisão com lentes de contato e somente operamos o olho dominante, deixando o míope para a visão de perto. Já para os portadores de maior grau de miopia, é recomendável corrigir os dois olhos, deixando uma miopia de aproximadamente -1,75 dioptrias no olho não dominante. Da mesma forma, nos portadores de hipermetropia, dependendo da idade, recomendamos a operação nos dois olhos, provocando a hipercorreção no olho não dominante para produzir miopia entre -1,- a -1,75 dioptrias. Finalmente, nos emétropes, a correção cirúrgica é feita somente no olho que ficará com a visão para perto, mantendo a boa visão para longe do olho dominante , explicou.
Por fim, Walton Nosé esclarece que os pacientes portadores de catarata, de ametropias e presbiopia, com idade superior a 50 anos, têm a opção de realizar a cirurgia de catarata com utilização de lentes especiais que corrijam seus problemas e também a presbiopia. A cirurgia, nestes casos, pode induzir à monovisão com lentes intraoculares monofocais, ou utilizar lentes multifocais, lentes de foco estendido, trifocais ou ainda associações delas.
“Nesses casos, como a tolerância para variações biométricas é pequena, o cirurgião deve utilizar todos os recursos disponíveis para evitar surpresas refracionais no pós-operatório. Além da biometria por interferometria, o cirurgião deve fazer a análise da refração e das eventuais aberrações, proporcionando mais segurança na análise refracional intracirúrgica e final ao paciente. Por fim, é muito importante saber ouvir o paciente, entender suas necessidades e fornecer todas as informações para que ele possa decidir sobre as melhores opções para a correção da presbiopia , concluiu Walton Nosé.
Fonte: Universo Visual