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Março de 2020. Chegava até nós um cenário que até então parecia tão distante do Brasil. De um dia para o outro, a rotina de quase todas as pessoas mudou. Não importava gênero, classe social ou idade, estavam todos isolados para evitar serem contaminados pelo novo coronavírus. Foi o momento também em que a tecnologia se tornou a grande aliada para lidar com toda a situação. Se ela já era presente, se intensificou. Se ainda não, teve de ser incorporada no dia a dia a toque de caixa. E isso inclui a classe médica.
Se em 2019 foi revogada a resolução do CFM nº 2.227/2018 sobre telemedicina, um ano depois, às pressas, o Ministério da Saúde teve de publicar a portaria nº 467 permitindo, em caráter excepcional, a realização da telemedicina no país. Antônio Carlos Endrigo, diretor de tecnologia da informação da Associação Paulista de Medicina (APM), explica que para a teleconsulta é necessário ter um prontuário eletrônico para que o médico registre as informações e é preciso que aconteça por meio de áudio e vídeo. Vale ressaltar que não é gravação. “Gravar o atendimento é um assunto polêmico e não recomendo devido à segurança da informação”, aconselha. Também eletronicamente o paciente recebe o atestado, pedido de exames e receita. Mas para emitir esses documentos, o médico precisa ter um certificado digital que identifique tanto o CPF quanto o CRM do profissional. 
“Dessa forma, quando o paciente chega à farmácia com a prescrição, ela coloca o certificado digital e verifica sua validade. Para disponibilizar essa base foi necessário dar um passo tecnológico enorme e as farmácias tiveram de se adaptar para ver as receitas digitais. Todo esse ambiente tecnológico teve de correr muito. Já no consultório foi preciso implantar o prontuário e adquirir o certificado digital”, diz o diretor. 
Mesmo com a correria para se adaptar, os médicos aprovaram essa nova fase digital. A oftalmologista Liane Iglesias, da Visclin, comenta que sua experiência com o teleatendimento tem sido excelente e tem resolvido uma série de questões com os pacientes à distância, como orientações de pré-operatório para catarata e cirurgia refrativa. “Na maioria das vezes, depois de realizado todo o protocolo presencial, eles tinham de voltar ao consultório para ter a orientação cirúrgica. Hoje isso é feito virtualmente em uma consulta que dura cerca de meia hora”, exemplifica. Ela ressalta que diagnósticos de patologias externas do olho, como terçol, irritações e conjuntivites, também podem ser resolvidos à distância graças à qualidade das câmeras dos smartphones. “Com o celular próximo ao olho conseguimos ter uma boa imagem dessas patologias externas e resolver tudo com agilidade, digitalmente , observa Liane. 
Muitas das tecnologias já eram usadas antes da pandemia e se intensificaram por força da circunstância. Mauro Campos, diretor médico do H.Olhos e chefe do Departamento de Oftalmologia e professor orientador do curso de pós-graduação em Oftalmologia e Ciências Visuais do Departamento de Oftalmologia da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), diz que mesmo antes da pandemia, o WhatsApp já era um canal útil e muito comum no contato com o paciente, com nível de segurança garantido pela empresa e pela legislação. O Zoom é outra ferramenta que virou celebridade. “Elas desmistificaram a teleconsulta e se tornaram parte da rotina. Com o tempo, as pessoas foram relaxando em relação ao uso dessas tecnologias”. 
Além das consultas, os meios digitais têm sido parceiros de Campos na Escola Paulista de Medicina. Quando o Departamento de Oftalmologia foi fechado por causa da pandemia, em uma semana o setor já tinha a programação teórica gravada em estúdio e transmitida aos alunos à distância. “A adaptação foi imediata porque já tínhamos iniciativas de reuniões on-line há cerca de 20 anos com universidades estrangeiras, mas era exceção. O departamento não demorou nada para se adequar a essa situação e vem aprimorando as ferramentas porque tem o benefício de ter muitas cabeças inovadoras e atualizadas, e teoricamente preparadas, para trabalhar dentro de uma adversidade. Alguns são mais analógicos, outros mais digitais e nessas fases temos com quem contar , comenta. Também na universidade, o médico comenta que já havia tele diagnóstico ou telessuporte, com a central de exames em que a pessoa dá o laudo para quem está à distância. 
Mas esse quadro não é o que se tem na maior parte do país. “Falta infraestrutura para que a tecnologia funcione em plenitude. Uma porcentagem significante de alunos da Escola Paulista e de outros cursos não tinha acesso para manter as aulas on-line. A universidade tem cotas e esse é um programa que exige sensibilidade para as consequências. Uma delas é lidar com estudantes que não têm acesso à tecnologia. Precisamos atrasar muito os cursos de medicina e outros até que a universidade, por ser pública, pudesse prover infraestrutura de internet para alguns alunos”, conta o professor. 
O oftalmologista destaca que entre os outros problemas trazidos pela pandemia está o abandono de projetos que estavam em andamento. “Há perda na produção de conhecimento, como o lançamento de novos equipamentos e tecnologias. Nos laboratórios da universidade estamos há um ano sem poder, por exemplo, processar um tecido para coloração. Se por um lado há um grande avanço da tecnologia, por outro há um profundo atraso daqueles que precisam da minha presença física no laboratório para processar um exame ou fazer uma atividade médica presencial”, constata Campos.
O novo tempo e o que está por vir
Como toda mudança, incorporar novos hábitos e maneiras de trabalhar de um dia para o outro não é tarefa fácil. No caso de muitos médicos, por exemplo, foi difícil passar do prontuário que fica no computador local para os eletrônicos, que estão em uma URL. “Os prontuários eletrônicos podem ser abertos em qualquer tela e de qualquer lugar, basta colocar login e senha. E muitos profissionais da saúde se sentem inseguros com isso. Essa ruptura, a mudança da cultura, foi difícil incorporar da noite para o dia , comenta Endrigo.
“Batemos na tecla de que o armazenamento em nuvem é muito mais seguro porque ali se tem a mesma segurança das grandes corporações e a todo o momento se tem atualizados os possíveis riscos . Segundo ele, com o passar do tempo isso está mudando e o ganho de escala irá baratear preços e facilitar o acesso aos prontuários em nuvem. 
O diretor da APM ressalta que outra tecnologia que está a caminho é a interoperabilidade, ou seja, todos os sistemas, prontuários eletrônicos, plataformas de telemedicina, pedidos de exames precisam estar integrados. “Os dados de saúde ficam fragmentados em diversos sistemas. Tem parte do histórico com um médico, outra parte em determinado laboratório, dados de internação em outro lugar. É preciso juntar isso tudo em um lugar só para ter a visão geral do paciente de maneira organizada, com todas as terapias, exames, diagnósticos, multidisciplinaridade etc”.
O uso da nuvem para armazenamento de dados dos pacientes é uma das tendências em telemedicina em 2021 e é um grande aliado para essa integração. Países como Inglaterra e Eslovênia são muito avançados nessa questão. Aqui, o Sistema Único de Saúde está evoluindo nesse sentido. “O aplicativo Conecte SUS já apresenta informações de pacientes. Se hoje 25% dos brasileiros têm plano de saúde e boa parte está no SUS, isso é uma evolução da interoperabilidade. Essa ferramenta será muito importante para a população, para o Ministério da Saúde e para os planos de saúde até para mapearem e ajudar a tratar doenças , diz o executivo da APM.
Quando se fala em interoperabilidade, algumas ações são percebidas além do SUS. A APM, por exemplo, em parceria com a startup DTO, implantou na Central Nacional Unimed – CNU o projeto Repositório de Dados Clínicos que tem como objetivo agregar as informações clínicas do beneficiário em um único repositório de informações de hospitais, clínicas e laboratórios permitindo ao médico ter acesso ao histórico clínico completo do paciente concentrado em um mesmo lugar. Isso de acordo com a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD) e se o beneficiário autorizar o compartilhamento. “Quando o projeto do SUS estiver evoluído esses dados poderão fazer parte do sistema. Esse já é um embrião e há outros projetos em andamento. O que precisa ter é massificação desse modelo”, finaliza Endrigo.
Além de projetos e novas formas de trabalhar, este novo cenário por qual passa todo o planeta também traz aprendizados. Um dos grandes legados da pandemia é que também devemos melhorar como sociedade e como seres humanos. Haverá uma evolução da humanidade , finaliza o professor e oftalmologista Campos. É o que todos esperamos! 
 
O boom das healthtechs
 As healthtechs, como são chamadas as startups voltadas para a solução de problemas no setor da saúde, crescem em todo o planeta. No mundo, já existem 41 healthtechs unicórnios (avaliadas em mais de US$ 1 bilhão), a maior parte delas nos Estados Unidos e na China. E por aqui, como estamos? A terceira edição do Distrito Healthtech Report, levantamento realizado pela empresa de inovação aberta Distrito com o apoio da consultoria KPMG, aponta que o Brasil conta com 542 healthtechs.
Leonardo Giusti, sócio-líder na área de saúde da KPMG, comenta que as healthtechs estarão cada vez mais presentes no universo da saúde. “As startups veem para complementar o serviço prestado pelas empresas do setor. As tecnologias que eles apresentam são importantes para agregar informações e deixar todo o processo mais conciso”, afirma.
Encarado como um dos principais gargalos de setor da saúde no País, a área de Gestão é a que apresenta maior concentração de startups dentre as mapeadas: são 136 (25,1%). Em seguida, estão as que fornecem soluções de Acesso à Informação (17,3%), de Marketplace (13,7%) e, ainda, as de Farmacêutica e Diagnóstico (10,5%). O estado de São concentra a maioria delas, 43,1% seguido por Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro e Santa Catarina com 10%, 9,8%, 8,5% e 7,4%, respectivamente. As healthtechs têm preferência em modelos de negócios que atendem outras empresas. 
Essas empresas têm tido um papel relevante também no combate ao Covid-19. O levantamento listou 53 startups que apresentaram aplicações diretas e indiretas de combate ao vírus. “Elas ofertaram ferramentas e soluções para dores que afligem hospitais, médicos, população e governo, ajudando a solucionar problemas que vão desde a identificação de pacientes de maior risco, gerenciamento de leitos e estoque de medicamentos, até a maior visibilidade de dados sobre a disseminação do vírus”, afirma Gustavo Araújo, cofundador do Distrito. Entre as iniciativas mediadas pelo Distrito está o programa Cuidando de Quem Cuida de Nós, liderado pela Johnson & Johnson Medical Devices. Junto com as startups Moodar e TNH, o programa tem oferecido apoio psicossocial gratuito a profissionais que estão na linha de frente.
Bem estar dos funcionários 
Desde o ano passado, com boa parte das pessoas trabalhando em esquema home office e com os olhos fixos em telas por mais tempo, a preocupação com a saúde ocular aumentou. E não é para menos. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), o uso constante de tecnologia pode provocar ou agravar distúrbios oculares, como a miopia e olho seco, e ainda aumentar a sensação de vista cansada. Além disso, problemas de visão influenciam na perda de produtividade. Ao observar esse cenário, a Visclin Oftalmologia, empresa do Grupo Opty, criou o programa Boa Visão, que acontece em São Paulo, dedicado a empresas, com o objetivo de promover a prevenção e conscientização de doenças oculares. 
Segundo a oftalmologista Liane Iglesias, da Visclin, o programa foi muito bem recebido pelas companhias e seus funcionários. “Não damos palestras, não é teoria. Vamos à empresa, montamos um consultório e fazemos uma triagem, na qual há uma avaliação geral e é aferida a acuidade visual. Além da prevenção, os colaboradores avaliam como positivo o fato de serem atendidos no trabalho porque ali mesmo já é possível resolver pequenas questões, como atualização dos óculos ou diagnósticos mais simples, porém de sintomas que podem incomodar o paciente”, explica.

Fonte: Revista Universo Visual

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