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O ano de 2015 foi marcado pela presença no Brasil de um visitante que não muito bem-vindo, o vírus Zika. Descoberto em Uganda, na África, em 1947, seu potencial de ameaça à saúde pública mundial só foi reconhecido até os primeiros surtos descritos no Oceano Pacífico entre 2007 a 2015, chegando posteriormente às Américas.
Passados alguns anos, em 2019 Musso, Ko & Baud reuniram algumas descobertas relacionadas ao período que abrange os anos de 2015 a 2018. Entre elas, a de que a introdução do vírus Zika nas Américas ocorreu entre 2013 e 2014, atingindo a grande população uniformemente susceptível. Outra descoberta apontada pelos autores é que o pontapé inicial da pandemia aconteceu com um surto de exantema agudo observado no Nordeste brasileiro em 2015 por um novo subclado (subgrupo de um haplogrupo) americano derivado da linhagem asiática, tendo como consequências cronológicas o surto de microcefalias, a declaração de emergência à saúde pública no Brasil e o reconhecimento do vírus como uma emergência internacional pela Organização Mundial de Saúde (OMS).
Os primeiros relatos de aumento de casos de microcefalia no país ocorreram no estado de Pernambuco, em outubro de 2015. Em maio de 2017, o Ministério da Saúde declarou o fim da Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional (ESPIN), após avaliação de risco concluir que o Brasil não preenchia mais os critérios para definição de emergência, de acordo com os parâmetros da OMS.
Em dezembro do ano passado, o Ministério da Saúde lançou o Boletim Epidemiológico da Síndrome Congênita associada à infecção pelo vírus Zika. De acordo com o documento, ainda estão sendo registrados novos casos da Síndrome Congênita (SCZ). Até outubro de 2019, foram confirmados 55 casos, dos quais 29 foram de recém-nascidos ou crianças nascidas naquele ano; três evoluíram para óbito. Nos últimos quatro anos, no total foram confirmados 3.474 casos no país. Destes, 954 foram confirmados em 2015; 1.927 em 2016; 360 em 2017; 178 em 2018.
Protagonismo
Quando Pernambuco tornou-se o estado brasileiro com o maior registro de ocorrências de microcefalia em função do vírus Zika, com 16,9% dos casos, algumas instituições passaram a investir em pesquisa para entender a doença. Uma delas foi a Fundação Altino Ventura. “Era uma doença nova, não se conhecia o quadro clínico completo, nem quais as melhores condutas, como não se sabia se as crianças apresentariam alguma resposta favorável ao tratamento , comenta Liana Ventura, vice-presidente da Fundação Altino Ventura (FAV), diretora  do Centro de Reabilitação “Menina dos Olhos”, da Fundação Altino Ventura, e oftalmologista pediátrica do Hospital de Olhos de Pernambuco.
Outros dados desconhecidos eram sobre as intercorrências e complicações advindas com a evolução do quadro. “Os primeiros casos examinados pela nossa equipe foram em setembro de 2015. Na época, a infecção congênita do vírus Zika era apenas uma suspeita pela falta de métodos diagnósticos no país. Foi quando, em dezembro daquele ano, fizemos vários mutirões com exames multidisciplinares das crianças e os achados neurológicos e oculares encontrados revelaram que não havia dúvidas, estávamos diante de uma nova entidade com quadro clínico bem caracterizado e a maioria das crianças afetadas tinha deficiência visual profunda”, revela Liana. 
A oftalmologista comenta que foi Camila Ventura e colaboradores que descobriram em dezembro de 2015, pela primeira vez no mundo, as lesões de retina, nervo óptico e vasculares em crianças com infecção congênita pelo vírus Zika. “Ela publicou o artigo pioneiro na Revista Lancet com três casos de crianças com microcefalia e as anormalidades oculares alertando o mundo sobre esta nova entidade”.
Segundo Liana, as crianças com microcefalia apresentavam em cerca de 40-50% dos casos lesões de retina, nervo óptico e vasculares sendo estes achados associados à deficiência visual periférica. “Em investigações científicas, detectamos que a maioria dos casos apresentava erros de refração (principalmente miopia e astigmatismo), e também defeito na acomodação visual. Por isso não conseguiam enxergar com nitidez nem a uma distância de 30 centímetros, nem mesmo o rosto da mãe”. Outro achado inédito na literatura mundial por Ventura e colaboradores foi que nas crianças com a síndrome congênita do vírus da Zika, com microcefalia, mesmo os casos sem lesões oculares (retina, nervo óptico e vasculares), apresentavam deficiência visual central – cerebral (cortical), provocada pelas lesões no sistema visual cortical pelo Zika, levando à deficiência visual funcional. 
Além disso, a maioria das crianças (mais de 80%) apresentavam estrabismo. “Era preciso mudar o curso dessa história. Foi então que a FAV desenvolveu uma pesquisa em um grupo piloto de crianças que foram operadas de estrabismo em novembro de 2018 sob um protocolo padronizado. Elas são acompanhadas há mais de um ano pela equipe da fundação”. Até agora, foram realizadas cinco cirurgias no país para a correção de estrabismo em pacientes portadores da SCZ. A especialista comenta que mais de 80% dos pacientes tiveram melhora, corrigindo a mobilidade dos olhos, ampliando o campo visual e melhorando a função visual, mas atividades de vida diária. “Após a cirurgia a criança se torna mais participativa nas terapias de reabilitação e, por isso, atinge melhor desenvolvimento global”, diz Liana.
De acordo com Liana, o principal aprendizado que a área de oftalmologia teve com o advento do vírus Zika é que fundamental utilizar uma equipe multidisciplinar com médicos (neurologistas, oftalmologistas, ortopedistas, otorrinolaringologistas), e terapeutas especializados em múltiplas deficiências para uma abordagem holística dos casos. “As complicações e comorbidades frequentes exigem acompanhamento e monitoramento seguido e rotineiro”, finaliza.
Em 2019, Liana apresentou os resultados inéditos das cirurgias de estrabismo realizadas em crianças que tiveram Zika durante o congresso da Associação Pan-Americana de Oftalmologia, realizado no México. No evento, a oftalmologista também recebeu a medalha humanitária Benjamin F.Boyd, concedida desde 1987 pela associação àqueles que se destacam em serviços públicos voltados à saúde ocular.
 
Aplicativo
Para acompanhar o desenvolvimento das crianças com Síndrome Congênita do Zika Vírus foi lançado, em março do ano passado, o aplicativo para celular Mobcare, fruto de uma parceria entre a Fundação Altino Ventura (FAV), a Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e o Centro de Tecnologias Estratégicas do Nordeste (Cetene). O principal benefício do app é que permite monitorar e integrar as informações relacionadas às condições clínicas de crianças com a síndrome congênita do Zika vírus. Dessa forma, contribui para a melhoria da qualidade de vida do paciente, aprimorando seu desenvolvimento e funcionalidade em atividades de vida diária. “O aplicativo empodera as famílias e cuidadores das crianças afetadas pelo Zika, e educa e favorece o seu treinamento para que seja dada continuidade aos estímulos das crianças no ambiente familiar, escolar e na comunidade , comenta Liana.
Hoje 38 famílias participam do monitoramento com o Mobcare instalado e há 181 famílias com dados de prontuário, logins e senhas criadas prontas para serem incluídas no monitoramento. O projeto conta com a atuação multidisciplinar de 11 terapeutas do Centro Especializado em Reabilitação- CER IV, da Fundação Altino Ventura, sob a coordenação técnica de Janiely Tinôco.
Pensão vitalícia para crianças atingidas pelo vírus Zika
No início de fevereiro, o Plenário do Senado Federal aprovou em votação simbólica a Medida Provisória (MP) 894/2019, que determina o pagamento de pensão mensal vitalícia, no valor de um salário mínimo, para crianças com microcefalia decorrente do vírus Zika. A matéria segue para sanção na forma do projeto de lei de conversão (PLV 26/2019) apresentado pelo relator, senador Izalci Lucas (PSDB-DF). De acordo com o texto aprovado, será concedida a pensão às crianças afetadas pelo vírus e nascidas entre 1° de janeiro de 2015 e 31 de dezembro de 2019. A MP original limitava o benefício àquelas nascidas até dezembro de 2018.
Um levantamento realizado pelo Ministério da Cidadania indica que 3.112 crianças nasceram com microcefalia de janeiro de 2015 a dezembro de 2018 e são beneficiárias do Benefício de Prestação Continuada (BPC). A microcefalia é um dos efeitos possíveis da síndrome congênita do vírus Zika, que também pode causar outros problemas cerebrais, calcificações intracranianas, problemas auditivos e defeitos oculares.
Fonte: Agência Senado

Fonte: Universo Visual

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