Por Marina Almeida
Atualmente, estima-se que a cegueira afete 39 milhões de pessoas em todo o mundo e que 246 milhões sofram de perda moderada ou severa da visão. Os dados são da Organização Mundial da Saúde (OMS) e constam no recente documento “As Condições da Saúde Ocular no Brasil 2019”, elaborado pelo Conselho Brasileiro de Oftalmologia (CBO).
A primeira estimativa global sobre as perdas de visão foi realizada pela OMS em 1972, indicando, naquela época, a existência de 10 a 15 milhões de cegos no planeta e 159,9 milhões com deficiência visual moderada ou severa. Em 1990, esses números já eram de 38 milhões e 216,6 milhões, respectivamente, aumento que, de acordo com o CBO, é atribuído a três fatores principais: crescimento populacional, envelhecimento e redução da prevalência específica da idade.
A revista Universo Visual conversou com o editor clínico desta revista e um dos organizadores da publicação, Marcos Ávila, sobre a situação da saúde ocular da população brasileira e sobre o que vem sendo feito para reduzir os casos de cegueira no país.
Revista Universo Visual: Como é realizado o levantamento dos dados que compõem o documento “As Condições da Saúde Ocular no Brasil?”, realizado pelo CBO?
Marcos Ávila: Buscamos as informações disponíveis mais atualizadas sobre as condições da saúde ocular no Brasil através dos bancos de dados oficiais como o DataSUS, IBGE, SNT e ANS, além das publicações nacionais e internacionais, incluindo relatórios da OMS, IAPB e ICO. O Censo Oftalmológico 2019 produzido pelo CBO, completa o quadro geral das condições da saúde ocular brasileira.
UV: É possível associar a prevalência da cegueira a condições econômicas e de desenvolvimento humano? Ou seja, há causas comuns entre populações de diferentes localidades? Já que em se tratando de Brasil, há um amplo espaço territorial e social, com características completamente diferentes.
Ávila: Não só na cegueira, mas em todos os agravos a saúde, o acesso assistencial define criticamente a prevalência de todas as doenças que acometem a população. A compilação dos dados e evidências mais recentes produzida pela Agência Internacional para a Prevenção da Cegueira (IAPB Vision Atlas) aponta que mais de 90% das pessoas com deficiência visual no mundo vivem em países pobres ou em desenvolvimento. A publicação CBO confirma que a prevalência da cegueira está diretamente relacionada com a condição sócio-econômica da população. Regiões com boa economia e serviços de saúde tem 0,3% de sua população com cegueira, mas esta taxa quadruplica nas regiões que a economia e os serviços de saúde são precários. Estima-se que dos mais de 1 milhão e meio de cegos no Brasil, 89% destas pessoas pertencem a população pobre ou remediada.
Como as principais causas de cegueira estão relacionadas com patologias oculares relacionadas a idade, devemos estar atentos à transição demográfica que passa o Brasil com o envelhecimento de sua população. Em 1950, o Brasil tinha 2 milhões de pessoas com mais de 60 anos. Em 1965 esse número saltou para 6,2 milhões e despontávamos como o 16º país com mais idosos no mundo. Na virada do século chegou a 13,9 milhões e, atualmente somos quase 30 milhões de idosos brasileiros, sendo o 6º. maior contingente de idosos no mundo. Doenças como Catarata, Glaucoma, Retinopatia Diabética e Degeneração Macular poderão causar mais cegueira se o acesso a saúde ocular para a população brasileira não for ampliado.
UV: Quais são as principais causas de cegueira evitáveis no país? E das não evitáveis, onde é possível interferir para que melhore as condições visuais desses pacientes?
Ávila: Cegueiras evitáveis são aquelas que podem ser tratadas ou prevenidas por meios conhecidos e custo-efetivos. Assim, as principais causas de deficiências visuais evitáveis no país são: catarata, erro refrativo não corrigido, glaucoma, retinopatia diabética, degeneração macular relacionada à idade, alterações da córnea entre outras. O tratamento das duas principais causas de doenças evitáveis com cirurgia de catarata e correção de erros refrativos são altamente custo-efetivas. Doenças que requerem prevenção como o Glaucoma e a Retinopatia Diabética merecem investimento massivo pela sociedade devido ao enorme impacto negativo irreversível que pode trazer para a vida dos doentes e ônus para a sociedade, além do que muitos se encontram em idade produtiva quando acometidos por estas doenças. Para aqueles que já atingiram grande deficiência visual como também para as cegueiras inevitáveis, a reabilitação e o atendimento educacional adequado em programas e serviços especializados podem levar a uma vida independente e produtiva.
UV: O próximo ano 2020, será bastante emblemático em relação ao combate a cegueira. Há diversas entidades trabalhando para diminuir a cegueira no mundo. E o Brasil, onde atua nesse sentido?
Ávila: O VI Fórum Nacional de Saúde Ocular realizado no Congresso Nacional no último dia 12 de junho foi um grande marco político e social visando a construção de uma nova política de assistência oftalmológica para 2020. O Conselho Brasileiro de Oftalmologia, em conjunto com o Ministério da Saúde, estão construindo um grande projeto que visa expandir a atenção primária em oftalmologia e a manutenção da excelência no atendimento especializado da área. As discussões se completarão no Congresso CBO 2019 e se aguarda que grandes ações de aprimoramento da atenção a saúde ocular logo se iniciarão nos primeiros meses do próximo ano. Esperamos que 2020 seja o ano da Visão e da Saúde Ocular no Brasil.
UV: Há um processo de tramitação para que a oftalmologia esteja na atenção básica de saúde. De que maneira isso poderia mudar a saúde ocular da população brasileira?
Ávila: O Projeto de Lei do Senado 258/15 que neste momento está na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado (aguardando redistribuição da relatoria após devolução do Senador Kajuru) institui a obrigatoriedade de desenvolvimento de ações de fortalecimento da atenção primária oftalmológica no âmbito do SUS. Trata se de um projeto crítico para uma real ampliação do acesso a saúde ocular de nossa população. Mesmo em grandes centros e capitais que apresentam um grande contingente de oftalmologistas, a população não tem acesso à atenção primária oftalmológica. Existe um grande vácuo na execução da Política Nacional de Atenção Oftalmológica que foca nos atendimentos de maior complexidade. Com a obrigatoriedade em lei do fortalecimento da atenção primária no SUS, ofertaríamos a população consultas oftalmológicas básicas, que inclui refração, e que traria efetividade na resolução das principais patologias oculares (80% de resolutividade), além de proporcionar prevenção às principais causas de cegueira evitável. Esta é a peça do quebra-cabeça que faltava para criar uma efetiva rede de atenção oftalmológica, ligando a Atenção Básica que é a porta de entrada do sistema, com a Atenção Oftalmológica de maior complexidade.
UV: Em sua opinião, qual é hoje o grande desafio da oftalmologia no Brasil? E como a distribuição geográfica dos especialistas influenciam ou não esse cenário?
Ávila: O Censo Oftalmológico 2019 produzido pelo CBO, mostra que somos 20.455 oftalmologistas, o segundo contingente de oftalmologistas no mundo atrás apenas da China. Assim, certamente temos médicos suficientes para suprir as demandas oftalmológicas do país. Como para qualquer outra carreira profissional que necessita melhor formação e capacitação, não mencionando apenas áreas da medicina, há uma falta de distribuição mais equilibrada de profissionais qualificados pelo território nacional. O Conselho Brasileiro de Oftalmologia, pela sua política de indução de serviços de especialização para áreas da região norte, nordeste e centro-oeste, vem há décadas contribuindo para que mesmos áreas longínquas dos grandes centros possam ter assistência oftalmológica. No Brasil temos 439 Regiões de Atenção à Saúde, dos quais, 362 contam com pelo menos um oftalmologista servindo esta área. Temos pelo menos um oftalmologista atendendo 79% da população do país. Com o alto nível de formação de novos oftalmologistas, o CBO estará contribuindo mais e mais para que estas diferenças regionais diminuam. Falta implementar políticas governamentais regulatórias e econômicas que fixem os profissionais médicos nos rincões longínquos do Brasil. Bem recentemente, o Ministério da Saúde acaba de lançar o programa “Médicos pelo Brasil” com incentivos salariais para atuarem em localidades mais distantes em vazios assistenciais. Neste momento, este programa beneficia médicos da Atenção Básica. No futuro, a atenção oftalmológica primária, pelo menos, deveria ser incluída nesta carreira médica federal. Assim, o Conselho Brasileiro de Oftalmologia deve continuar com sua política positiva de formar oftalmologistas mais próximas às áreas do Brasil Profundo, mas também buscar a participação do oftalmologista em programas “Médicos Oftalmologistas pelo Brasil”.
Fonte: Universo Visual