A trajetória profissional da médica veterinária e pesquisadora Christina Joselevitch parece um verso de uma canção de John Lennon (Beautiful Boy), como ela mesma cita: “A vida é o que acontece enquanto você está ocupado fazendo outros planos”. Graduada em Medicina Veterinária e Zootecnia, com mestrado em Neurociência e Comportamento pela Universidade de São Paulo (USP) e Ph.D. em Medicina pela Universidade de Amsterdã (Holanda), atualmente Christina vive na Alemanha e é gerente médica de oftalmologia da empresa AbbVie (antiga Allergan).
Como especialista em fisiologia da retina, área a qual se dedicou por mais de 20 anos, a médica conta que deu inúmeras aulas sobre anatomia e fisiologia retinianas, inclusive para oftalmologistas, quando era professora na Universidade de São Paulo. “Eu morei dez anos fora do Brasil; fiz o doutorado e dois pós-doutorados no exterior, retornando em 2009. Daí, prestei concurso para docente na USP, consegui um auxílio ‘Jovem Pesquisador’ da Fapesp para montar meu laboratório e lá dei continuidade ao estudo da comunicação celular na retina com técnicas que aprendi no exterior”, conta a cientista, declarando que deu sorte em dar aulas em disciplinas que gosta muito, como psicologia sensorial, percepção e neurociências. “Eu tive colegas interessantes nessa época e fiz parte durante muitos anos da diretoria da BRAVO (Brazilian Association for Research in Vision and Ophthalmology), um capítulo brasileiro da americana ARVO (Association for Research in Vision and Ophthalmology).
A pesquisadora comenta que os primeiros anos foram de puro encantamento. “Estava tudo indo muito bem e eu estava feliz, porém as coisas foram mudando no Brasil, estava cada vez mais complicado conseguir financiamento. Foi muito difícil ver como o país valoriza pouco a ciência e a tecnologia, era aluno tendo bolsa cortada, bolsas atrasando, financiamento atrasando, enfim, foram várias situações que me deixaram bastante desgostosa”, lamenta Christina, salientando que estava vivendo em um momento conflitante, pois estava na hora de pedir o financiamento para os próximos anos. “Foi nesse período que eu recebi um convite para me juntar a um projeto de pesquisa na Universidade Estadual de Nova Iorque (EUA), financiado pelo National Institutes of Health (NIH), no qual colegas estavam colaborando”, diz.
Conforme explica a gerente médica da AbbVie, ela recebeu esse convite porque o pesquisador principal do projeto faleceu e a equipe precisava urgentemente de um pesquisador sênior com experiência na área e técnica específica para tocar o projeto. “E aí o meu ex-orientador de pós-doutorado da Yale University, que era membro da equipe de colaboradores, entrou em contato comigo e me perguntou se eu toparia ir para lá por dois anos para desenvolver a pesquisa. E esse foi o momento certo e a oportunidade certa. Então, em 2019, pedi afastamento na USP e me mudei para os EUA com a intenção de voltar após dois anos”, relembra a especialista.
Enquanto ela estava nos EUA, irrompeu a pandemia de Covid-19. Com isso, a médica se viu retida no país, sem poder retornar ao país. “Por causa da pandemia e pela leviandade com que esse problema seríssimo foi tratado pelo governo brasileiro, atingimos uma situação crítica e o Brasil foi considerado uma área de risco. Tive quatro voos para o país cancelados. Eu não consegui voltar regularmente como planejado para visitar minha família, então resolvi ficar em solo americano até o final do projeto e decidir o que fazer depois disso”, conta a pesquisadora, comentando uma questão pessoal que influenciou na sua decisão de não voltar ao Brasil. “Eu tinha há muitos anos um relacionamento na Alemanha, mas com o fechamento dos aeroportos e demais restrições por causa da pandemia, ficamos um ano e meio sem nos ver. A pandemia atrapalhou todos os meus planos. Depois de conversarmos bastante e pesar todas as opções, decidi me mudar definitivamente para a Alemanha em vez de voltar para o Brasil”, completa.
Mudança de ares e de área
Para Christina, essa foi a grande motivação da sua mudança para a Alemanha, uma decisão pessoal que acabou refletindo em sua trajetória profissional. “Eu comecei minha carreira novamente, em outra área. Saí do ambiente acadêmico e entrei no meio corporativo. Continuo no campo da oftalmologia, só que agora eu lido não apenas com retina, mas também com glaucoma, que é uma área nova para mim, e estou achando essa mudança muito interessante e revigorante. Estou me sentindo mais jovem, porque estou aprendendo e, quando a gente aprende, rejuvenesce”, avalia. Segundo a especialista, a experiência que teve na área acadêmica trouxe consigo para a Alemanha. “Esse mundo da indústria é muito novo para mim, mas estou achando muito interessante”, opina.
A médica veterinária afirma que houve vários fatores envolvidos para que ela realizasse essa nova experiência. “A gente nunca toma uma decisão dessas por um único motivo. A partir do momento que decidi me mudar de vez para a Alemanha, a grande questão era o que eu iria fazer profissionalmente, se eu iria tentar permanecer no meio acadêmico ou se iria tentar desbravar novos horizontes”, relata a cientista. “Eu passei metade da minha vida como acadêmica, fazendo pesquisa básica. Havia chegado a hora de fazer algo diferente. Aí eu fui ver quais eram as empresas que atuavam na minha área de interesse na Alemanha, que é a oftalmologia, e uma delas era a Allergan, atual AbbVie, com quem sempre tive uma boa relação no Brasil”, observa.
Christina conta que entrou em contato via LinkedIn com uma pessoa da área de Eye Care Medical Affairs da Allergan na Alemanha. Por coincidência, eles estavam precisando de um gerente médico e ela tinha o perfil certo para o cargo. “Em 20 dias eu estava com contrato assinado, passagem comprada, visto em ordem”, declara, pontuando que foi uma coisa muito rápida e uma sorte muito grande essa conquista. “Não foi um caminho planejado no sentido de que, quando eu saí do Brasil, foi para ficar temporariamente fora. Hoje, estou há um ano na Alemanha, morando perto de Frankfurt, trabalhando na indústria farmacêutica em Wiesbaden e estou muito feliz”, afirma.
A cientista revela que seu ambiente de trabalho atual é completamente diferente de um laboratório de pesquisa. “O que eu faço hoje é planejar estudos ligados aos produtos do portfólio da AbbVie e fornecer informações médicas relacionadas para diversas partes interessadas. Não estou mais fazendo pesquisa básica, mas estou envolvida na busca de soluções de uma outra maneira”, informa, ressaltando que como gerente médica faz apresentações, treinamentos, organização de eventos médicos e educação continuada para oftalmologistas. “Minha função atual é de representante científica para a comunidade médica dentro de uma indústria farmacêutica, no intuito de fortalecer os laços entre os médicos e a empresa. E surpreendentemente eu estou gostando muito dessa nova jornada profissional”, finaliza Christina.
Fonte:
Revista Universo Visual
Autor:
Flavia Lo Bello