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Autores: Rodrigo Brazuna1, Dillan Cunha Amaral2, Bruno Fernandes3, Marcella Q. Salomão4, Jaime Guedes5, Giovanni Nicolla Umberto Italiano1, Alexandre Costa Neto1, Renato Ambrósio Jr1,4

Afiliações:

  1. Ophthalmology, Federal University of the State of Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, RJ, Brazil
  2. Faculty of Medicine, Federal University of Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, RJ, Brazil
  3. Argumento Institute, Boucherville, QC, J4B-2G6, Canada
  4. Department of Ophthalmology, Federal University of São Paulo, São Paulo, 04023-062, SP, Brazil
  5. Glaucoma Research Center, Wills Eye Hospital, Philadelphia, PA, USA

 

O glaucoma é uma neuropatia óptica e a causa principal de cegueira irreversível no mundo. O aumento da pressão intraocular (PIO) (>21 mmHg) é seu principal fator de risco.1 Para avaliação precisa da PIO, o tonômetro de aplanação de Goldmann2 é considerado o método padrão ouro.3 No entanto, desde os anos 1970, a espessura central da córnea (ECC) tornou-se crucial na medição da PIO. ECCs abaixo de 525 micrômetros subestimam a PIO, enquanto acima de 555 micrômetros a superestimam. Essa relação foi inicialmente destacada pelo oftalmologista suiço Goldmann, sendo posteriormente confirmada pelos estudos Ocular Hypertension Treatment Study (OHTS) e European Glaucoma Prevention Study (EGPS).4,5 Outros parâmetros, como a curvatura corneana, também influenciam a medição da PIO, o que dificulta a avaliação clínica.6

Desde 2005, a biomecânica da córnea emerge como um fator essencial na avaliação do glaucoma.7 A biomecânica da córnea refere-se ao estudo das propriedades mecânicas deste tecido ocular. Enquanto tradicionalmente o glaucoma foi amplamente associado à elevação da PIO, estudos recentes têm destacado a importância das propriedades biomecânicas da córnea no diagnóstico precoce e manejo individualizado dessa doença.6,8,9 A biomecânica da córnea é influenciada pela estrutura complexa e heterogênea do tecido corneano, suas propriedades mecânicas variáveis e a composição de suas fibras de colágeno. Este material é anisotrópico e não linear, o que significa que sua resposta à pressão e deformação varia em diferentes direções. Modelos matemáticos e estudos laboratoriais têm sido fundamentais para simular esses comportamentos, permitindo uma melhor compreensão de como as características biomecânicas impactam as medições da PIO. As propriedades biomecânicas corneanas variam significativamente entre indivíduos e podem estar alteradas em pacientes com glaucoma.8

Avaliação do conhecimento da biomecânica da córnea no Glaucoma entre médicos, médicos oftalmologistas e médicos oftalmologistas especialistas em glaucoma

Córneas rígidas e finas estão associadas a um maior risco de desenvolvimento e progressão do glaucoma. A córnea, a esclera e as estruturas de proteção e sustentação do nervo óptico compartilham o mesmo tipo de colágeno e têm uma origem embrionária comum. Por serem estruturas contíguas, suas semelhanças biomecânicas desempenham um papel crucial nessa associação. Portanto, o estudo das propriedades biomecânicas da córnea e sua relação direta com o Nervo Óptico podem esclarecer porque determinados pacientes evoluem para o Glaucoma e outros não. Além disso, as propriedades biomecânicas afetam diretamente as medições da PIO, que, por sua vez, influenciam o comportamento biomecânico da córnea, tornando um desafio aferir uma PIO mais fidedigna, livre do impacto da influência corneana.6,10 Avanços tecnológicos, como dispositivos que integram as medições da estrutura, geometria e biomecânica da córnea, prometem aumentar a precisão na avaliação da PIO, contribuindo para um tratamento mais eficaz para o glaucoma.

O Analisador de Resposta Ocular (ORA) e o Analisador Dinâmico Scheimpflug (Corvis ST) são tonômetros sem contato que avaliam as propriedades biomecânicas da córnea invivo

O Analisador de Resposta Ocular (ORA) e o Analisador Dinâmico Scheimpflug (Corvis ST) são tonômetros sem contato que avaliam as propriedades biomecânicas da córnea invivo.6 O ORA utiliza um jato de ar variável para induzir uma deformação controlada na córnea, permitindo a medição da histerese corneana (CH), fator de resistência corneana (CRF) e pressão intraocular compensada da córnea (IOPcc). Esses parâmetros não apenas melhoram a compreensão da influência das características biomecânicas na medição da PIO, mas também ajudam na identificação de pacientes com maior risco de desenvolver glaucoma. Por outro lado, o Corvis ST utiliza uma câmera de Scheimpflug de ultra alta velocidade para capturar a dinâmica da deformação corneana durante o pulso de ar fixo, proporcionando métricas como o ponto de máxima concavidade (HC) e parâmetros relacionados à rigidez corneana.6 Essas informações dinâmicas são fundamentais para uma avaliação mais precisa e detalhada das propriedades viscoelásticas da córnea, o que melhora a precisão na medição da PIO.

Recentemente, um estudo conduzido por Brazuna et al., com o título “Avaliação do conhecimento da biomecânica da córnea no Glaucoma entre médicos, médicos oftalmologistas e médicos oftalmologistas especialistas em glaucoma”, sob a orientação do Professor Doutor Renato Ambrósio Jr., foi apresentado como dissertação de mestrado profissionalizante ao programa de pós-graduação em Medicina da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO) para obtenção do título de Mestre na área de técnicas vídeo-assistidas e minimamente invasivas,  sendo publicado na Revista Brasileira de Oftalmologia. Esse projeto teve objetivo de avaliar e identificar possíveis lacunas sobre o conhecimento da biomecânica da córnea no contexto do glaucoma. O estudo foi conduzido como uma pesquisa observacional transversal, utilizando um questionário online respondido por oftalmologistas, oftalmologistas especialistas em glaucoma e médicos de outras especialidades no Brasil. Os resultados revelaram que os especialistas em glaucoma demonstraram um conhecimento superior em biomecânica corneana em comparação com não especialistas e outros profissionais médicos, o que já era esperado. No entanto, os resultados mostraram que há uma lacuna significativa no conhecimento sobre novas tecnologias de tonometria não invasiva, como ORA e Corvis ST, com apenas 66% dos especialistas em glaucoma conscientes da existência do Corvis ST. Essa descoberta destaca a necessidade de educação continuada e atualizações regulares sobre avanços tecnológicos na prática clínica oftalmológica, especialmente para garantir uma compreensão mais abrangente e uso adequado dessas ferramentas inovadoras.

Referências bibliográficas:

  1. Weinreb RN, Aung T, Medeiros FA. The pathophysiology and treatment of glaucoma: a review. JAMA. 2014;311(18):1901-1911.
  2. Parker VA, Herrtage J, Sarkies NJ. Clinical comparison of the Keeler Pulsair 3000 with Goldmann applanation tonometry. Br J Ophthalmol. 2001;85(11):1303-1304.
  3. Cook JA, Botello AP, Elders A, et al. Systematic review of the agreement of tonometers with Goldmann applanation tonometry. Ophthalmology. 2012;119(8):1552-1557.
  4. Kass MA, Heuer DK, Higginbotham EJ, et al. The Ocular Hypertension Treatment Study: a randomized trial determines that topical ocular hypotensive medication delays or prevents the onset of primary open-angle glaucoma. Arch Ophthalmol. 2002;120(6):701-713; discussion 829-730.
  5. Miglior S, Zeyen T, Pfeiffer N, et al. Results of the European Glaucoma Prevention Study. Ophthalmology. 2005;112(3):366-375.
  6. Brazuna R, Salomão M, Esporcatte B, et al. Corneal biomechanics and glaucoma beyond the bidirectional impact of intraocular pressure and corneal deformation response. Revista Brasileira de Oftalmologia. 2022;81.
  7. Luce DA. Determining in vivo biomechanical properties of the cornea with an ocular response analyzer. J Cataract Refract Surg. 2005;31(1):156-162.
  8. Brazuna R, Alonso RS, Salomão MQ, Fernandes BF, Ambrósio R. Ocular Biomechanics and Glaucoma. Vision (Basel). 2023;7(2).
  9. Valbon BdF, Silva RS, Jardim D, Canedo AL, Palis M, Junior RA. Assessment of intraocular pressure through the ocular response analyzer before and after phacoemulsification surgery. 2011;70(1):11-15.
  10. Hocaoğlu M, Kara C, Şen EM, Öztürk F. Relationships between corneal biomechanics and the structural and functional parameters of glaucoma damage. Arquivos Brasileiros de Oftalmologia. 2020;83.
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