Foi publicado no JAMA Internal Medicine interessantíssimo artigo intitulado “Association of the Work Schedules of Hospitalists With Patient Outcomes of Hospitalization”.
Trata-se de um estudo retrospectivo que avaliou continuidade do hospitalista e desfechos dos pacientes – mortalidade em 30 dias após a alta foi o principal. Olharam também para onde os pacientes foram após a alta hospitalar (se para casa ou acabaram institucionalizados), readmissões e custos.
Utilizando-se de informações sobre 114.777 hospitalizações de 229 hospitais texanos entre 2014 e 2016, encontraram associação entre continuidade e melhores desfechos / menores custos.
Já há muitos dados previamente publicados apontando para a importância da continuidade do médico generalista na coordenação da atenção ambulatorial. Já há o mesmo apontando para uma assistência hospitalar mais eficiente também. O recente estudo olha para questões hospitalares ainda mais importantes.
Quem atua em hospitais e com olhos mais direcionados para qualidade da assistência, e não apenas para escalas que simplesmente tornam a vida dos profissionais envolvidos mais flexível, já conseguia perceber o fenômeno, embora somente avaliações com independência e método sejam capazes de distinguir melhor o que é nossa ilusão do que não é. Eu já enxergava, por exemplo, a mais comum repetição desnecessária de exames quando mudava o médico. Por melhor que seja a passagem de caso (verbal ou em um documento na nuvem), nunca cobre todas as informações. E como, para resgatar um exame e seu resultado, o profissional precisa buscar no sistema, e nossos dias normalmente são bastante corridos, o mais comum é simplesmente solicitar – ainda mais tratando-se de exames unitariamente baratos, até comuns de serem repetidos com frequência nos hospitais e/ou cujas consequências negativas não intencionais acontecem não automaticamente, mas em decorrências do que chamamos de “efeito cascata . O problema ganha magnitude a partir de vários profissionais fazendo o mesmo em vários pacientes: são punções e retiradas de sangue desnecessárias, aumento de infecções, falsos positivos, sobrediagnósticos, sobretratamentos, desperdício de recursos, e por aí vai&
Tal como todos nós aprendemos quando crianças na brincadeira do “telefone sem fio”, toda passagem de informação vem com o potencial de “quebra” (isso na assistência hospitalar também traz a possibilidade de que novos olhares e circunstâncias tragam um benefício clínico, mas a nossa proposta aqui não é explorar esse cenário otimista). De fato, erros de transferência e troca de informações estão entre os mais comuns e com maiores consequências na assistência à saúde. Em um estudo clássico, pesquisadores descobriram que ser atendido por um médico diferente foi um maior preditor de erros e complicações hospitalares do que a gravidade da doença de base do paciente.
Neste contexto, há pressões para fazermos melhor, como quando, ainda na década passada, emitiram as famosas Metas Internacionais de Segurança do Paciente, clamando para que todas as organizações de saúde “implementem uma abordagem padronizada na comunicação durante a troca de informações, incluindo oportunidades para fazer e responder perguntas”. O grande problema é que muitas ferramentas consideradas para resolver um problema real e relevante, não são, elas próprias, soluções com magnitude de efeito muito consistente. Então, mesmo se admitirmos que algumas transições são necessárias e que soluções em resposta à Meta 2 devem ser tentadas, uma pergunta bastante razoável é sobre a necessidade de termos tantas quebras na assistência hospitalar, como quando equipes, com ou sem hospitalistas de verdade, colocam um médico diferente a cada dia. O estudo – e vários dados indiretos – sugerem que não!
A questão está longe de ser simples. Pesquisas têm demonstrado também que os riscos para os pacientes aumentam quando os profissionais fazem turnos muito longos nos hospitais. Há o fato ainda de que algumas quebras representam justamente situações nas quais pacientes passam a receber um cuidado especializado mais apropriado, quando como vão para UTI s com protagonismo de intensivistas. Além de que médicos e enfermeiros, em algum momento, precisam ir para casa. Os residentes, ao final do mês, mudam de setor/equipe, e isto é importante para que desenvolvam todas as competências e habilidades necessárias. Então, as trocas de informações e as transições de cuidado são inerentes aos hospitais modernos. O que estou aqui querendo destacar é a ocorrência desnecessária disto, muitas vezes por conveniência isolada de profissionais envolvidos no cuidado e na organização de escalas, com anuência de gestores hospitalares que não diferenciam bem se o cliente principal é o médico ou o paciente.
Devemos aceitar um “hospitalista” diferente cada dia, em escalas fragmentadas? Eu, há muito tempo digo e escrevo: fosse para cuidar de mim ou de familiares queridos, preferiria o tradicional modelo do médico visitador, com algum recurso de retaguarda, como Time de Resposta Rápida, a arremedos de Medicina Hospitalista, que sabemos existem em todos os lugares. Uma boa ideia não vale mais do que sua boa execução: representam binômio indissociável.
Fonte: Saúde Business