Depois de algum tempo atuando em consultórios, em 2015 a oftalmologista Erika Okuda abriu sua própria clínica em um empreendimento imobiliário, na época, recém-lançado em São Paulo. Com o consultório bem decorado e montado com equipamentos novos, as dificuldades começaram a surgir. A principal delas era conseguir se credenciar nos convênios médicos. A solução encontrada para aquele momento foi atender consultas particulares e continuar trabalhando em outros locais.
“Comecei a ter a ideia de montar o consultório alguns anos antes. Juntei a experiência que tive ao trabalhar em hospital público, convênios, equipes grandes, li um material do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) para me informar sobre empreendedorismo e me dediquei a montar o meu negócio. Foi então que dei entrada no empreendimento imobiliário. A sala comercial ficou pronta em 2015. Depois disso, casei, tive bebê e durante a licença maternidade apareceu a oportunidade de comprar um consultório onde tinha trabalhado anteriormente, e que já tinha alguns convênios cadastrados”, conta Erika.
Diante da oportunidade, em 2019 a oftalmologista saiu da bonita sala que havia montado, levou os equipamentos que já tinha, comprou outros e foi para o novo espaço. Depois de seis meses veio a pandemia, o que a obrigou a parar por um tempo. Mesmo com todos os percalços, Erika diz que valeu a pena. “São Paulo é uma cidade muito saturada. Por isso é preciso ser persistente. Atendo todos os dias, faço cirurgias e o faturamento melhorou. Quanto ao outro espaço, aluguei, e talvez mais pra frente volte a utilizá-lo para fazer algum procedimento”, diz ela. “Mesmo com a pandemia, tudo valeu a pena”, avalia.
Como toda crise traz também uma oportunidade, o médico Felipe Erthal Tardin aproveitou o período da pandemia para ajustar o contrato de aluguel e estabelecer seu consultório. Atento às notícias de que a economia deve retomar o crescimento em 2022 e levando em conta que se demora cerca de cinco meses para levantar uma clínica e angariar clientes, ele e o sócio queriam deixar tudo organizado para a retomada. “Aproveitamos para negociar o contrato de aluguel porque muitas pessoas estavam deixando as salas alugadas. Era o timing para usar a pandemia a nosso favor. E também tenho a vantagem de ter o background corporativo da Médicos de Olhos”, explica.
A Médicos de Olhos é uma rede de clínicas que começou em Curitiba, no Paraná, focada em ter uma gestão moderna e capaz de enfrentar as diversas tendências do mercado. A empresa é capitaneada pelo oftalmologista Hamilton Moreira, que passou a se dedicar ao empreendedorismo ao se separar do Hospital de Olhos do Paraná. Para tal, em 2018 Moreira obteve o General Management Program (GMP) pela Wharton School of Business. Hoje, divide seu tempo entre atendimentos, cirurgias oftalmológicas e a gestão da rede.
Carioca, Tardin fez fellow em cirurgia de catarata avançada com Moreira, no Paraná. Segundo Tardin, o fato de estar associado a uma empresa grande facilita em vários aspectos como, por exemplo, os processos para a abertura de um consultório, alvará, o conhecimento sobre o cálculo de quanto serviço é necessário para pagar a estrutura, a cartela de clientes, além de conseguir preços melhores do que se fosse independente e operasse na clínica de outra pessoa.
Em um mês de atendimento já foram feitas mais de 150 consultas. A expectativa é chegar a 500 por mês. “Acredito que a tendência é a clínica se pagar em um ano e a experiência tem disso maravilhosa”, diz Tardin. “Tenho toda a gestão da minha clínica, cobro quanto quero, mas faço parte de um grupo que me oferece estrutura de call center e marketing. E há um conselho das clínicas credenciadas que se reúne para negociar alguns convênios. Além disso, há uma unidade, que é a matriz, onde estão concentrados os exames de alta complexidade. Dessa forma, não preciso investir nesses equipamentos e também ganho quando meu paciente vai lá fazer exame”, enumera o oftalmologista. “E a base de tudo que é a confiança. A filosofia da empresa é ter um corpo clínico satisfeito. Quando os médicos são remunerados de forma correta, se estabelece uma confiança e todos têm sucesso. É um círculo virtuoso”, relata.
Aqueles que tiveram a coragem de abrir sua própria clínica ou consultório recentemente seguem, felizmente, um fluxo diferente do que apontam dados recentes. De acordo com notícias da Agência Sebrae, no ano passado a taxa de empreendedorismo total no Brasil atingiu o menor patamar dos últimos oito anos e caiu para 31,6%, queda de 18,33% se comparada a 2019. As informações são do relatório da Global Entrepreneurship Monitor (GEM) 2020, realizado no Brasil pelo Sebrae em parceria com o Instituto Brasileiro de Qualidade e Produtividade (IBPQ). Com esse resultado, o Brasil caiu do 4º lugar em taxa total de empreendedorismo no mundo para o 7º lugar.
“A taxa total de empreendedorismo no Brasil sofreu uma redução nunca vista antes. A pandemia do coronavírus veio e derrubou o mercado todo, em especial os mais antigos. Por outro lado, por causa do desemprego, entrou muita gente nova e inexperiente que tenta sobreviver, por meio de um pequeno negócio. O mundo inteiro sentiu esse impacto, mas, no Brasil, os efeitos sobre o empreendedorismo foram mais fortes ainda”, afirma o presidente do Sebrae, Carlos Melles.
A importância das alianças
A ideia de montar a Médicos de Olhos surgiu da experiência de Moreira em lidar com residentes e fellows e perceber que a maioria tem o sonho de ter a própria clínica. Muitos vão para rincões distantes, onde a concorrência é bem menor, e lá montam um consultório. Outros preferem ficar junto de suas famílias. Independente da situação, a questão financeira pode ser um desafio.
“Uma das dificuldades que observamos é a falta de capital. Já que temos o controle em relação à formação de nosso fellow, nos organizamos do ponto de vista jurídico para ajudá-los a montar seu próprio negócio, inclusive dando a opção de financiamento”, explica Moreira. “Trabalhamos em um negócio muito bom e apesar de todas as dificuldades atuais, o maior patrimônio do médico é ele mesmo. A rede dá segurança corporativa e agilidade ao médico, e ele entra com o próprio talento e aptidão, que é o seu patrimônio”, completa.
A rede de clínicas associadas começou em Curitiba e já chegou à Guarapuava, também no Paraná. Atualmente, somam 14. “É muito parecido com uma franquia, mas não sem as amarras desse modelo. Se tudo correr bem, em 2023 iremos para outros estados”, informa. A gestão e a integração de todas as clínicas acontecem por meio do Tasy, um sistema robusto da Philips voltado à gestão na área de saúde.
Segundo Moreira, a base teórica do negócio são as fusões e alianças. “O importante para nós é aceitar a necessidade imperativa de nos associarmos para podermos crescer. Nos últimos anos, com a internet das coisas, as alianças empresariais passaram a ser vistas como uma obrigação pelos seus acionistas e stakeholders. O controle e a transparência trazidos pelos sistemas operacionais computadorizados modernos transformaram parcerias superficiais em alianças sólidas. Não se consegue atingir níveis de crescimento condizentes com o potencial de uma empresa sem caminhar da autossuficiência para a interdependência”, aponta.
Para ele, a antiga ideia de abrir uma pequena clínica, e aos poucos prosperar, ainda pode ter lugar em cidades abaixo de 50 mil habitantes, porém, com o avanço dos planos de saúde de baixo custo, a empresa que ficar isolada dificilmente alcançará o sucesso.
E que conselhos Moreira daria para quem quer empreender? “O mais importante, no início, é ser um bom médico se não, não funciona. Tem de fazer uma residência boa, um bom fellow e o primeiro passo é embasar a parte teórica, ter o motor funcionando bem, azeitado e colocar o máximo de cavalos para potencializar o motor . Depois de se sentir preparado, e não importa quantos anos isso demore, quando achar que já domina as tecnologias, a especialidade, o próximo momento é saber se tem ou não capital, o que é um grande fator limitador para quem quer empreender. Vale ressaltar que o Brasil é um país muito ruim para se levantar o capital no banco. E a terceira pergunta é se quer associados ou não. Os associados são bem vindos nessa hora, um médico de retina, um de glaucoma, essa associação começa por aí”, aconselha.
Fora da zona de conforto
A oftalmologista Michele Rupollo está no processo de abertura da sua clínica. Para ela, a grande dificuldade para montar um consultório é dar o primeiro passo. “A faculdade de medicina não tem o foco em gestão. É preciso estudar tantos assuntos, há tantas atualizações, tem a residência, e a questão de pensar em ser empreendedor acaba ficando de lado”, comenta.
Segundo ela, sair da zona de conforto é o caminho para aquele que quer ser o administrador da própria clínica. “No começo, as questões burocráticas são muito desafiadoras. É difícil organizar, planejar. É preciso sentar, analisar, ver se quer mesmo abrir uma clínica. Porque não basta ser só excelente profissional médico, tem de saber questões administrativas, burocráticas, de regulamentações”, conta.
Michele optou por se associar à Médico de Olhos para ter mais segurança ao empreender em sua clínica. “Não é fácil montar um negócio, não está no nosso DNA. É preciso ir com coragem para o mercado e tentar de alguma forma se vincular a um serviço que te dê todo o suporte, que é o que estou fazendo”, aconselha.
Fonte: Revista Universo Visual