Tempo de leitura: 5 minutosRodrigo Takeshi Omoto – Departamento de glaucoma do Médicos de Olhos S.A.
O Glaucoma é uma neuropatia óptica progressiva caracterizada pela degeneração das células ganglionares da retina. Por ser uma doença crônica e irreversível, o seu diagnóstico e tratamento precoce é essencial para a preservação da visão.
Glaucoma afeta mais de 70 milhões de pessoas em todo mundo e aproximadamente 10% estão cegos bilateralmente devido à doença, sendo, portanto, a principal causa de cegueira irreversível no mundo. 1
A fisiopatologia e os fatores que geram a sua progressão ainda não estão totalmente esclarecidos. No entanto, sabemos que o principal fator de risco é a pressão intraocular (PIO) elevada e também, o único fator susceptível à modificação com o tratamento disponível atualmente, seja ela medicamentosa, laser ou cirúrgica.
A melhor maneira de se prevenir a cegueira causada pelo glaucoma é o diagnóstico e tratamento precoce. Os exames complementares são ferramentas importantes na identificação da doença.
A tomografia de coerência óptica (OCT) já se mostrou em diversos estudos que é uma ferramenta importante não somente para o diagnóstico mais precoce, mas também para um melhor monitoramento da progressão da doença e tem sido utilizado na rotina da avaliação do Glaucoma.
Já a eletrorretinografia, ainda não é utilizada rotineiramente, mas despertou o interesse dos pesquisadores há anos como uma alternativa na avaliação da função das células da retina e do sistema visual.
Eletrorretinografia
A eletrorretinografia é um exame que avalia de forma direta e objetiva a função retiniana e o sistema visual. Através de eletrodos situados na superfície ocular, na pele da região periorbital ou do couro cabeludo é realizado um registro do potencial elétrico gerado ao estímulo luminoso2. Existem diversas modalidades de exame e cada uma avalia de maneira diferente a resposta elétrica ocular de diferentes locais e tipos celulares (tabela 1).
Full-field ERG (ffERG)
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PatternERG (pERG)
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multifocalERG (mfERG)
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VEP
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Avalia a resposta global da retina
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Avalia células ganglionares da retina na área macular
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Avalia a função do sistema de cones em diversas áreas hexagonais na região central macular
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Avalia a resposta elétrica de todo o trajeto da retina até o córtex visual
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pERG e glaucoma
A modalidade “eletrorretinografia padrão (pERG)”, que é mais sensível para as células ganglionares da retina na área macular, parece fornecer informações importantes para os suspeitos de glaucoma e tem sido objeto de estudo há décadas.
Desde a primeira descrição das anormalidades do pERG no glaucoma em 1982, diversos estudos demonstraram alterações na amplitude e latência e sua correlação com a disfunção das células ganglionares da retina, informação que pode auxiliar no diagnóstico mais precoce do glaucoma.
A evolução do glaucoma descrito por Weinreb et al (figura 1)3 se inicia com um quadro de: sofrimento celular com apoptose inicial, seguida de morte das células ganglionares, perda de axônios, dano no nervo óptico e posteriormente, a perda de campo visual. O pERG parece ter a capacidade de identificar o início desse processo de sofrimento celular, antes da apoptose irreversível4.
Em um estudo realizado em Bascom Palmer Eye Institute, Bannit et al5 acompanharam 107 pacientes com suspeita de glaucoma por 4 anos e realizaram OCT, pERG e campo visual (CV) a cada 6 meses. As estimativas sugeriram que há o intervalo de 1.9 a 2.5 anos para a perda de 10% da amplitude inicial do pERG, enquanto que para a perda de 10% da espessura da RNFL inicial há um prazo estimado de 9.9 a 10.4 anos e portanto, o pERG teria a capacidade de identificar alterações em sua amplitude até 8 anos antes das alterações identificadas no OCT.
Bode et al6 realizaram um estudo longitudinal acompanhando 64 pacientes (120 olhos) hipertensos oculares por um período médio de 10,3 anos. Realizaram o pERG e CV a cada 6 meses. No seguimento, 13 olhos se converteram para diagnóstico de glaucoma nos critérios de campo visual e nesses olhos, notaram que havia alterações significativas no pERG 4 anos antes das alterações do CV consideradas glaucomatosas.
Em outro estudo, Kara[kiewicz et al7 avaliaram 24 pacientes (24 olhos) com diagnóstico de glaucoma préperimétrico ou glaucoma inicial. Foram realizados pERG, PIO, pressão de perfusão ocular antes e após o tratamento com Ganfortâ. Houve uma redução em média de 31% da PIO, a pressão de perfusão aumentou 14% e houve uma melhora da amplitude do pERG em aproximadamente 79% dos olhos. Concluíram que uma redução significativa da PIO pode melhorar a função das células ganglionares da retina avaliada pelo pERG.
Os resultados parecem interessantes, mas é preciso pontuar que a maioria dos estudos realizados foram feitos em laboratórios próprios de eletrofisiologia o que torna o seu uso na prática clínica diária pouco acessível.
Atualmente, tem surgido aparelhos mais compactos em um formato mais amigável como Diopsys Novaâ (comercializado no Brasil) e o EvokeDxâ (não comercializado no Brasil) que permitem o uso em clínicas oftalmológicas. Fornecem relatórios de interpretação mais prático e utilizam sensores descartáveis que não entram em contato com os olhos. Porém, ainda há poucos trabalhos independentes realizados que nos auxiliem na interpretação mais acurada do resultado do exame desses novos aparelhos.
Outro desafio, é entender quais condições podem comprometer ou confundir os resultados encontrados. Por serem exames bem sensíveis, o simples fato de movimentar os olhos ou piscar excessivamente podem gerar artefatos. A presença de catarata, correção refrativa inadequada e opacidades meios afetam o contraste da imagem e consequentemente a resposta do pERG.
Acredito que, como qualquer nova tecnologia, ela será aprimorada com o tempo. O uso mais rotineiro desses novos aparelhos depende de mais evidências científicas. Em casos bem selecionados como hipertensos oculares ou suspeitos de glaucomas com fatores de risco e que apresentam OCT, estereofoto de papila e campimetrias inconclusivas, ele pode fornecer informações adicionais e auxiliar na decisão do tratamento e/ou frequência de acompanhamento. Em uma doença em que o diagnóstico e tratamento precoce são essenciais para a preservação da visão, o surgimento de novas ferramentas diagnósticas pode ser um auxílio no combate à cegueira.
Referências bibliográficas
1. Quigley HA, Broman AT. The number of people with glaucoma worldwide in 2010 and 2020. Br J Ophthalmol. 2006; 90(3):262 267. [PubMed: 16488940]
2. Robson, A. G., Nilsson, J., Li, S., Jalali, S., Fulton, A. B., Patrizia, A., & Brodie, S. E. (2018). ISCEV STANDARDS ISCEV guide to visual electrodiagnostic procedures. Documenta Ophthalmologica, 136(1), 1 26. https://doi.org/10.1007/s10633-017-9621-y
3. Weinreb, R. N., Friedman, D. S., Fechtner, R. D., Cioffi, G. A., Coleman, A. L., Girkin, C. A., & Kannel, W. B. (2004).Risk assessment in the management of patients with ocular hypertension. American Journal of Ophthalmology, 138(3), 458 467.doi:10.1016/j.ajo.2004.04.054
4. Ventura LM, Sorokac N, De Los Santos R, Feuer WJ, Porciatti V. The relationship between retinal ganglion cell function and retinal nerve fiber thickness in early glaucoma. Invest Ophthalmol Vis Sci. 2006;47:3904 3911.
5. Banitt, M. R., Ventura, L. M., Feuer, W. J., Savatovsky, E., Luna, G., Shif, O., & Porciatti, V. (2013). Progressive loss of retinal ganglion cell function precedes structural loss by several years in glaucoma suspects. Investigative Ophthalmology and Visual Science, 54(3), 2346 2352. https://doi.org/10.1167/iovs.12-11026
6. Bode, S. F. N., Jehle, T., & Bach, M. (2011). Pattern Electroretinogram in Glaucoma Suspects/ : New Findings from a Longitudinal Study. 52(7), 4300 4306. https://doi.org/10.1167/iovs.10-6381
7. Maciej, P., Wojciech, M., & Karas, J. (2017). Evaluation of retinal ganglion cell function after intraocular pressure reduction measured by pattern electroretinogram in patients with primary open-angle glaucoma. 89 97. https://doi.org/10.1007/s10633-017-9575-0
Fonte: Universo Visual
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