Na entrevista com a médica veterinária Christina Joselevitch, atual gerente médica de cuidados com os olhos da Allergan, realizada no episódio 04 do Podcast Rx – Por dentro da sua próxima receita médica!, ampliou-se a visão do processo de pesquisa e o que está por trás das próximas receitas médicas. Ainda se discutiu como viabilizar projetos e quais são os times que precisam estar conectados para que os estudos sejam concretizados.
Schor destacou a excelente conversa que teve com a convidada, que iniciou a entrevista falando sobre ciência. “A Christina é uma pesquisadora básica de há muito tempo em oftalmologia e um fato que me chamou bastante a atenção foi a ligação que ela fez sobre ciência e curiosidade, muito importante, porque hoje em dia temos muitos estudantes se perguntando em qual perfil eles se encaixam, qual é a natureza deles, para onde deveriam migrar, se fazer ciência é natural após a faculdade de medicina”, comenta, esclarecendo que se eles são curiosos, e se isso é uma parte vital deles, devem fazer pesquisa sim. “A curiosidade em saber como as coisas funcionam é o que move os cientistas”, enfatiza.
O médico menciona a história pessoal de Christina, que nasceu sem enxergar de um dos olhos, o que a motivou também a entrar na área de pesquisa oftalmológica. “A Christina falou, ainda, sobre o chip de retina, e tem uma história curiosa sobre isso. Por volta do ano 2000, propusemos à Votorantim Ventures, que era um fundo de investimento da empresa Votorantim, o desenvolvimento de um chip de retina baseado em mecânica quântica”, conta, dizendo que ele e mais dois colegas, que hoje possuem cargos importantes tanto na oftalmologia como na indústria, decidiram que eram capazes de fazer um chip brasileiro, que iria ter um custo muito elevado.
“E nós fizemos um Business Plan, porque éramos todos cientistas e médicos e tivemos que entender de outros assuntos e fazer várias entrevistas, porque era muito dinheiro que eles iriam colocar”, relembra o especialista, salientando que depois da sétima entrevista, o presidente do fundo, que era o filho do José Ermírio de Moraes, perguntou: “Paulo, você vai fechar o consultório para tocar esse projeto?” “E eu, inocentemente, disse que não, que seria um projeto paralelo. E aí, ele falou: Então acabou a nossa entrevista. Eu falei como assim? Já passamos por tantas etapas, perdemos tanto tempo, fizemos vários Business Plans para chegar nesta fase. E ele disse: É, precisa de investimento e foco intensivo e eu entendo que o grupo de vocês não está maduro para tanto.“
Schor revela que teria sido uma outra história hoje se tivesse realmente largado o consultório. “Não sei se teria sido melhor ou pior, mas com certeza teria sido muito diferente”, observa, lembrando que em ciências básicas, a maioria das pessoas que trabalham com visão não é médico oftalmologista, mas sim, e principalmente, pesquisador e desenvolvedor. “Os oftalmologistas são importantes no desenvolvimento e na identificação do problema, mas não são os únicos”, avalia. Ele menciona a frase de Louis Pasteur destacada por Christina, e que vale ouro, que é o acaso favorece a mente preparada. “E a gente observa na história da Christina todo um preparo realizando pesquisa em centros muito importantes e que a partir dessa competência adquirida, através de inúmeros anos, ela pode fazer uma escolha.”
“Então vamos escolher a partir das potencialidades que já desenvolvemos e aí as portas ficarão realmente abertas. Todo o investimento, toda a preparação, todo o conhecimento vai para que depois possamos escolher”, continua o oftalmologista, salientando que é um luxo muito grande a pessoa conseguir escolher aonde irá investir o seu conhecimento. “E a Christina coloca a primeira metade da sua vida na pesquisa e, depois, na segunda metade, ela fala da solução, mas sabemos que o pesquisador básico é parte também da solução. E não somente o pesquisador, mas toda a equipe ao seu redor, incluindo o próprio paciente”, aponta.
Sobre a questão dos pacientes envolvidos em pesquisas clínicas, o médico revela que está transitando nas casas legislativas do Brasil um projeto de lei que aproxima um pouco o país da legislação da pesquisa clínica americana. “Lá fora, as pesquisas clínicas envolvem muito mais os pacientes, é quase um dever cívico, e também há uma remuneração para os participantes de pesquisas, enquanto no Brasil isso é vedado”, lamenta Schor, explicando que a remuneração de pacientes para fazerem parte de pesquisas evoca uma discussão moral, ética e cultural. Segundo o oftalmologista, há no Brasil uma certa dificuldade de recrutar pacientes até por uma cultura menos ativa nesse sentido, enquanto fora do país há um recrutamento muito maior.
“Quando a gente fica em algumas dessas universidades de fora, vemos postes com vários cartazes escrito Pegue aqui o seu papel se você tem a doença x, ou se não tem doença nenhuma, participe da pesquisa clínica. Você irá ajudar outras pessoas. Isso funciona muito”, comenta o médico, explicando que, talvez, no Brasil, com uma certa mudança ou pelo menos um certo direcionamento cultural, seja possível que mais pacientes participem do desenvolvimento e que as drogas sejam efetivamente testadas na população brasileira, que é muito diferente da população de outros países e de outras realidades.
Schor cita também na entrevista com Christina a discussão sobre a importância do pesquisador dentro da tomada de decisão de negociadores e pessoas de marketing da empresa, colocando a multiprofissionalidade de um jeito central nas entregas do que irão acontecer para a sociedade. “Não existe só um tomador de decisão, existem vários e o desenho disso tudo é fundamental para que tenhamos uma droga mais relevante, uma experiência mais adequada para o paciente e para a sociedade como um todo”, avalia.
Ele cita, ainda, um termo bastante conhecido fora do Brasil, que é o liaison, isto é, quem liga. “Existem Medical Liaisons, que são os ligadores médicos, e ainda Research Liaison e Industry Liaison, que são as pessoas que, olhando para dentro e para fora de espaços acadêmicos, conseguem identificar ligações possíveis do que se oferece e do que se busca”, explica. Na opinião do especialista, essa parece ser exatamente a função de Christina. “Nós andamos em busca da próxima receita médica, por enquanto, entendendo como ela está sendo construída, entendendo o cuidado e as várias mãos que isso demanda e, principalmente, entendendo que a ciência continua sendo a base de tudo”, afirma.
O médico enfatiza que o cientista procura derrubar as próprias teorias ou as teorias dos outros. “É isso o que fazemos o tempo todo. Dessa maneira, quem acha que a ciência tem a palavra final ou busca a palavra final está muito enganado. A ciência está sempre em evolução”, analisa, ressaltando que cada resultado novo busca corroborar e diz “olha, foi isso mesmo que o estudo anterior mostrou” ou “foi isso mesmo o que eu demonstrei no estudo anterior”. “Mas isso não tem muita graça. Tem mais graça falar, olha, achava-se antes que o que acontecia com essa droga era isso, mas hoje se vê que o que acontece é aquilo. Dessa forma, descobre-se uma outra coisa e se entrega essa nova descoberta”, complementa.
Para ele, essa é a beleza da ciência e é por isso que cientistas e pesquisadores acreditam em métodos científicos como uma verdade. “Entretanto, é uma verdade transitória, somente enquanto não existe uma nova verdade, que deve ser comprovada a partir de estatísticas e de probabilidades, e para isso existem os testes que são muito importantes para que consigamos desenhar a próxima receita”, esclarece. Ele ressalta, ainda, que é fundamental entender quais são os métodos que fazem com que determinada droga seja efetivamente incorporada ou não. “E tudo bem se ela não for incorporada dessa vez, continua-se tentando”, aponta.
Para o médico, há sempre um grupo que continua procurando ações para drogas órfãs e outras ações que não foram listadas em bula, off label, usos que não são clássicos etc. “Nós só precisamos ter pesquisas muito densas, com muita gente envolvida, com pacientes, com pesquisadores clínicos, com pesquisadores básicos, como é o caso da Christina, fazendo com que a comunidade toda se beneficie desse ensinamento, dessa mente preparada que irá fazer com que o acaso a favoreça. Não existe sorte, existe preparo”, conclui Schor.
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