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Foi ao ar no dia 4 de abril de 2022 a entrevista do Podcast RX – Por dentro da sua próxima receita médica! com a pró-reitora de extensão da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), Taiza Stumpp Teixeira, que estudou ciências biológicas em Juiz de Fora (MG), depois fez mestrado, doutorado na Escola Paulista de Medicina (EPM) e, posteriormente, pós-doutorado em Edimburgo (Escócia).  

Abaixo, publicamos o episódio completo da entrevista com a especialista. 

 

Paulo Schor: Hoje eu vou conversar com a professora Taiza Stumpp Teixeira, que é uma amiga já de longa data da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), e ela vem de um lugar que ajudou a formar a Unifesp, que é a Escola Paulista de Medicina, de onde eu também venho. E ela estuda um tema que eu fiz questão de trazer aqui, não só pela importância, mas pela explicação de uma profissional que fez ciências biológicas e que entrega soluções em saúde para a população. Acho que é muito importante essa abertura de que não é só médico que faz receita; o médico pode ser alguém que carimba a receita, mas fazê-la, não faz.  

E eu queria muito essa conversa com a Taiza, porque ela trabalha com epigenética e vamos tentar entender um pouco disso. Ela é hoje a pró-reitora de extensão da Unifesp, que também é um cargo importante na entrega de soluções da universidade para a sociedade e que a gente conhece pouco e falamos pouco. Temos muito a pesquisa e mais ainda a educação, temos a formação dos estudantes como algo que é fundamental na universidade, o ensino; entretanto, a universidade repousa sobre um tripé, que é de ensino, pesquisa e extensão e de vez em quando a gente fala de ensino, pesquisa e assistência, quando é a área mais médica. Mas extensão é muito mais adequado, porque outras áreas também estendem serviços para a sociedade. E aí eu gostaria, Taiza, que você complementasse a sua apresentação. E para a gente começar a conversar, muito obrigado por aceitar o convite.  

 

Taiza Stumpp Teixeira: O, Paulo. Agradeço por essa oportunidade de falar um pouco sobre o que a gente faz na universidade e parabéns pela iniciativa. A complementação que eu faria na apresentação que você colocou foi um momento muito importante que eu tive na coordenação do Curso de Biomedicina da Unifesp, dentro da Escola Paulista de Medicina. E por que eu digo isso? Porque isso me trouxe também para toda essa questão que você juntou aí na hora de me apresentar, que é a questão do ensino, da pesquisa e da extensão. A partir do momento que eu assumi a coordenação do curso biomédico, e até antes, porque eu fui vice-coordenadora, eu fiquei na coordenação do curso por 11 anos, que tinha e ainda tem como principal função, apesar de ter mudado um pouquinho, formar pesquisadores.  

Então, olhando para isso, nesse meio tempo que eu estive na coordenação, surgiu a questão da curricularização da extensão, que é, como disse um professor muito querido nosso, esse transbordamento da extensão para dentro da graduação, e isso tudo, juntando a pesquisa, extensão e graduação no curso, me abriu caminhos e também me trouxe muitas ideias para dentro da pesquisa. Me fez mudar um pouco de área de pesquisa, para dentro da epigenética, portanto, acho que esse momento ali de convivência foi muito importante, me abriu realmente muitas portas e me abriu muito a cabeça para continuar na vida acadêmica, que é algo que nos atrai tanto e nos exige muito, mas que é realmente um prazer muito grande estar vivenciando em uma universidade federal, principalmente como a Unifesp, que é tão grande e tão diversa. 

  

Schor: Começando com a história em ciências biológicas, que eu queria muito saber, minha filha fez a formação em biologia e agora está fazendo formação em saúde pública e eu insisto nisso de que não é só médico que entrega saúde. Num dos últimos podcasts que a gente fez, chamamos uma discussão de que saúde não é só remédio, saúde não é só ausência de doenças, saúde é violência, polícia, moradia, enfim, o que a gente já sabe, mas eu acho que nunca é demais falarmos que saúde também é pesquisa, também é equidade. Temos vários outros fatores que corroboram para isso. Você pensou em entregar soluções quando começou a fazer o seu curso de graduação? 

 Taiza: Não. A princípio creio que não, o que me atraiu para entrar nas ciências biológicas foi a genética lá atrás, a genética, a biologia celular, e para entender um pouco mais do que acontece com a gente mesmo. Mas lá atrás não, não tinha essa questão. Eu me lembro de uma coisa, de uma professora que eu gosto muito até hoje, uma das minhas mentoras, que foi algo que ela falou e que eu achei muito ruim, ela falou para mim e para outros colegas do curso, que foi: Olha, vocês têm que entender que vocês estão fazendo biologia e têm que se preparar, porque a única coisa que vocês vão conseguir é dar aula em escolas até o ensino médio.” Não que isso não seja ótimo, porque desde criança quis ser professora, minha brincadeira predileta era dar aula para as minhas bonecas. Mas não se limita a isso você fazer um curso tão amplo como as ciências biológicas, que te abre inúmeras possibilidades.  

E hoje, essa quase confusão que a gente tem de sobreposição, no bom sentido, dos conhecimentos e das profissões, eu diria que as ciências biológicas te permitem fazer inúmeras coisas, com inúmeros profissionais, porque a gente consegue interagir, sim, com os enfermeiros, médicos, biomédicos, dentistas, isso porque a biologia está em tudo. Depois que eu comecei a conhecer um pouco mais na pós-graduação, e claro que o fato de estar na Escola Paulista de Medicina me ajudou muito nisso, porque entramos em um outro nicho, que está inicialmente voltado para a medicina, eu comecei a enxergar outras possibilidades que foram crescendo conforme fui aprendendo. Dessa maneira, os biólogos podem fazer de tudo dentro da área de saúde e, inclusive, entregar saúde.  

E a nossa linha de pesquisa permite muito isso, fundamentalmente também, e mais do que nunca, a gente hoje não consegue mais trabalhar uniprofissionalmente, pois o conhecimento se amplia, mesmo dentro da nossa própria profissão, da nossa própria área, amplia-se muito. Assim, a gente precisa fazer cada vez mais conexões e ter cada vez mais parcerias para fazer isso que você comentou, gerar saúde. Só para te dar um exemplo, em nosso grupo de pesquisa temos biólogos, biomédicos, enfermeiros, fisioterapeutas, fonoaudiólogos, psicólogos, médicos, filósofos. Então, dentro da nossa pesquisa, e é isso que você trouxe bem, falando que a saúde é educação, é violência, é inclusão, saúde é tudo, e a gente tem que considerar isso, pensando nisso e percebendo essa necessidade, nosso grupo de pesquisa tem essa amplitude, nós juntamos profissionais de todas as áreas, que entendemos serem importantes para essa questão. 

  

Schor: E isso que você colocou de um grupo grande, ontem a gente estava vendo uma apresentação do Pedro Wongtschowski, que é um dos membros do Conselho Superior da FAPESP, um intelectual bastante ligado à ciência, tecnologia, e ele estava chamando a atenção de que projetos grandes, em geral, vão mais longe do que quando a coisa é muito acanhada. Eu vejo muito isso na junção de pessoas também, Taiza, na hora que a gente tem duas pessoas da mesma área fazendo algo, a chance de sair uma coisa grande é muito pequena, mas quando você tem gente de áreas complementares, de preferência com um grande financiamento de longo prazo, a chance de sair coisa boa é enorme e, talvez, essa seja uma das grandes diferenças que temos no Brasil em relação à política de ciência.  

Temos poucos desses grandes grupos fortemente financiados a longo prazo; temos, mas são honrosas exceções, enquanto em outros locais isso e não são honrosas exceções, são a regra, e financiamse projetos com muita gente, embora as agências insistam para que tenhamos colaborações internacionais para que isso, eventualmente, vire um projeto de maior impacto. Mas eu queria falar sobre epigenética, você pode falar um pouco do que é a epigenética em termos leigos? 

 Taiza: É, definir epigenética sempre foi um desafio, acho que hoje em dia a gente consegue, com tantos estudos, entender um pouquinho mais, mas mesmo assim a definição varia um pouco. Eu não vou entrar na definição original da biologia e do desenvolvimento sobre epigênico, porque não é o que que existe hoje sobre o termo epigenética. Hoje, o termo epigenética é usado para definir as influências externas ao nosso corpo ou mesmo a célula que estamos observando. Assim, quando a gente fala em influência ambiental, não é só a poluição e a comida, porque existe uma tendência de achar que o que influencia na epigenética é comida e poluição. Arecentemente, tivemos até um episódio bastante crítico sobre essa questão, foi divulgada algumas coisas aí de zerar as doenças com nutrição na gravidez. Enfim, espero que isso já seja um assunto passado.  

Mas o que a gente traz como epigenética são essas influências ambientais na forma como os nossos genes se expressam, como eles aparecem no nosso organismo, e a gente está falando agora de humano, mas a epigenética está em todos os organismos que tenham DNA, ou que têm o RNA, no caso dos vírus, onde também existe epigenética. Portanto, sofremos determinadas influências que podem ser, como eu disse, de dentro do nosso organismo ou de fora, que fazem com que um determinado gene (ou uma determinada célula) seja ativo ou inativo, e isso pode variar. Em alguns casos isso é determinado lá no início do desenvolvimento embrionário e dificilmente isso é alterado. Por mais que existam influências ambientais, algumas informações epigenéticas que são adicionadas lá nos primeiros dias de vida mesmo, com o embrião com apenas cinco dias, ainda em préimplantação que a gente chama, na qual não se detecta nenhuma gravidez nesse momento.  

E tem também outras que vão sendo adicionadas ao longo de toda a nossa vida prénatal e pós-natal, que possui essa influência sobre como os nossos genes vão se expressar, se eles estão ativos, o quanto eles estão ativos ou se eles estão inativos. Dessa maneira, a gente define a epigenética dessa forma; claro que molecularmente, mais especificamente tem as definições mais técnicas, as quais, se for também o caso, podemos mencionar, mas se não, a gente deixa isso para um outro momento ou para quem se interessar em buscar um pouco mais. 

  

Schor: E você trabalhou com autismo, espectro autista, e eu entendo que você ainda tem interesse em relação a isso, e claro que existe uma curiosidade enorme que é a história da influência do meio em relação a mudanças genéticas mais profundas. Você pode comentar um pouquinho disso também? Porque acredito que isso tangencia bastante alguma coisa que está aí, que a gente consegue apalpar, enxergar mesmo, fora do laboratório. 

Taiza: Sim, é isso mesmo e por isso que eu falei que o curso de biomedicina foi fundamental, porque isso surgiu lá atrás quando estávamos mesmo vivenciando esse contato direto com os estudantes, e me vieram várias questões sobre saúde mental no geral, e a gente teve um momento em que isso foi muito falado. Nós tivemos vários episódios de suicídio de estudantes de pós-graduação, por exemplo, na USP, e em outras faculdades. Então, essa questão da saúde mental surgiu bastante forte lá e, em paralelo a isso, conversando, começamos a ver esse aumento do diagnóstico de autismo, e chegamos a ter estudantes que vieram conversar conosco e falaram olha, eu era assim, eu acabei sendo diagnosticado/a com autismo, autismo leve, que é o grau de suporte 1.” 

E aí, diante dessa questão do aumento de casos, eu fui pesquisar qual era a causa desse aumento. Será que está aumentando mesmo ou houve uma melhoria do diagnóstico? E então, claro, fomos conversar com os colegas médicos que estão ali na frente, diagnosticando, e eu conversei com pessoas muito importantes, como o professor Rubens Wajnsztejn, que é um super colaborador nosso, um cara maravilhoso, foi presidente da Sociedade Brasileira de Neuropediatria, e ele, entre outras pessoas, disse que está aumentando mesmo, não é só uma questão de melhoria de diagnóstico, de acesso ao diagnóstico. E fomos tentar buscar qual tipo de autismo que estava aumentando. E por que eu te digo isso? Porque a gente tem os graus 1, 2 e 3, que a gente fala para as pessoas entenderem mais facilmente que é o grau de severidade dos sintomas, e vimos que aumenta muito o grau 1 e grau 2, ou seja, os níveis de suporte 1 e 2, de leve a médio.  

Daí eu pensei, bom, aí tem uma questão da epigenética importante, porque são aspectos que a gente conhece, como as influências ambientais importantes, traumas ou algum evento muito relevante na vida de uma pessoa, e que podem desencadear alguns problemas na saúde mental, como depressão, estresse pós-traumático e várias outras coisas. Mas a gente também começou a voltar nosso olhar para o autismo e conversando com as pessoas que são voluntárias(os) nossos, da nossa pesquisa, invariavelmente percebemos aspectos importantes nas suas vidas, que a gente chama de questões biopsicossociais, então é algo muito nesse âmbito do social e do psíquico e que trouxe uma questão biológica. Resolvemos, então, focar nas questões da epigenética para tentar entender isso, é muito incipiente ainda, mas tentar entender se existem marcas biológicas, marcas epigenéticas que possam ser medidas, detectadas nessas pessoas,  

O ideal seria fazermos um antes e um depois, mas não temos como voltar no início antes da pessoa apresentar o sintoma real do autismo, daí estamos fazendo um trabalho que é com essas pessoas diagnosticadas às vezes já na fase adulta ou na adolescência. E também tem um estudo prospectivo que estamos começando com bebês, desde a idade de um ano e meio, que é a parte bem mais difícil, principalmente em termos de coleta de material, mas estamos fazendo esse estudo, por isso que precisamos de médicos, de psicólogos etc. E também a nossa ideia agora é olhar para as escolas, e a gente começa até juntar um pouquinho com a questão da extensão depois, mas olhar para as escolas é importante, porque aí vem aquela pergunta que você me fez antes, se eu pensei em trazer isso para alguma coisa mais aplicada, alguma coisa direta para a saúde lá atrás.  

Não pensei, mas agora claramente a gente vê que uma formação como a da biologia é tão ampla e o contexto que eu consegui entrar na EPM me fez também abrir essa frente, e faz com que a gente consiga ter uma visão um pouco mais globalizada. Por isso estamos conseguindo esses colegas que a gente está chamando para a nossa pesquisa, que são os voluntários(as), para olharmos para essa questão epigenética. A gente tem um colaborador no Canadá, que está também olhando junto conosco para essas questões das influências ambientais e também das questões de vulnerabilidade, isto é, vulnerabilidade social como um todo. Dessa maneira, olhamos para o autismo de uma forma bem geral, dentro de uma questão de vulnerabilidade social, mas também sob um ponto de vista que a gente tem chamado de negligência ampla. 

E a gente pode explicar o que significa essa negligência, que é uma coisa bem moderna, do tipo que estamos chamando de negligência ampliada, muito moderno mesmo, pois antes era só uma negligência vinculada às questões de vulnerabilidade social e existia um preconceito. Existia uma coisa taxativa sobre a questão das pessoas menos favorecidas financeiramente, socialmente, e hoje a gente observa que não. Eu até brinco que o que acontece nas populações muito vulneráveis socialmente, acontece também nas mais abastadas, uma vez que existem aspectos muito semelhantes por razões diferentes nessas duas populações extremas, e aí é pura epigenética, porque essa questão do cuidado, das influências do ambiente familiar e escolar, é epigenética e neurodesenvolvimento. 

  

Schor: Imagino o crescimento que por si só já é um campo extremamente amplo e ultradiverso pósCovid, que colocou todas as influências possíveis, emocional, viral, de maior vulnerabilidade ainda, estresse no trabalho, mudanças para as quais as pessoas não estavam preparadas para o cenário, e agora ainda tem a guerra para piorar um pouco a história, então imagino que seja mesmo um campo infinito de pesquisa, a aplicação na minha cabeça é quase que imediata. Na hora que você tem esses marcadores e consegue identificar que as pessoas submetidas a tais influências mudaram o seu genoma desse modo, você consegue, identificando, biomarcando, retornar e falar bom, então vamos mexer nisso e nisso.” Claro que esse discurso é simplório, mas acredito que isso é um pouco do que a gente imagina que deve ser feito. Vamos para a extensão? Você falou uma coisa muito legal, que no curso de biomedicina a gente ensina as pessoas a fazerem pesquisa, quer dizer, tem um ensino voltado para a pesquisa que já é muito diferente do ensino que as pessoas estão acostumadas. A gente ensina a fazer extensão também? O que você acha Taiza? 

Taiza: No momento não. Estamos engatinhando e começando. E a gente não ensina mais isso por uma questão histórica da formação da universidade no Brasil bastante ampla, que não cabe aqui. Precisaríamos de três podcasts, talvez, para falar sobre isso, mas que vem colocando nas nossas costas, dos brasileiros e brasileiras, desde a colonização, esse modelo europeu, que foi depois transitando para o modelo americano e não pegamos as coisas boas. Eles nos mantiveram, inicialmente, no modelo de colônia e, então, a gente entendeu que a universidade era para poucos e que tínhamos que servir, como universidade, a alta classe, para que eles conseguissem continuar se aproveitando, aqui falando muito simploriamente. E aí a gente teve claramente essa separação entre o que as pessoas, o que a sociedade precisa, e o que a universidade pode fazer por elas e para o seu crescimento.  

E essa coisa, que é absolutamente indissociável por natureza, a gente separou e vive desse jeito com tudo muito separado. E a nossa cultura universitária, até de contratação de docentes, porque a gente é pesquisador, mas a gente é contratado como docente, reforçou muito isso por muitos anos. A gente ouvia, acho que talvez ainda ouve, frases até bastante preconceituosas, dizendo que quem é bom faz pesquisa, quem não é vai dar aula e, no máximo, talvez vai fazer uma extensãozinha. Porque tivemos essa formação mesmo, de achar que a pesquisa é separada de tudo, e o que a gente ouve muito as pessoas falarem é ah, agora eu faço extensão, nós vamos levar para a sociedade o conhecimento.” Não, nós não vamos levar o conhecimento, nós vamos conversar e vamos trazer conhecimento e devolver conhecimento.  

Existe um ciclo, o nosso projeto de extensão no curso de biomedicina se chama ciranda, porque isso é uma ciranda, a gente vai e vem o tempo inteiro em uma total conexão e sintonia com a sociedade a qual estamos inseridos também. Portanto, a gente tende a querer os muros cada vez mais altos, não só das nossas casas, mas também da universidade, para dizer olha, a gente aqui é a nata da sociedade”, e acabamos ensinando os nossos estudantes a agirem assim. Mas o mais importante é como a gente começa a agir daqui para frente, o que já deveríamos ter começado, e alguns já começaram, é a gente se perguntar por que e para que. Não se pergunta para que, por que eu ensino. Eu perguntei isso para os docentes e para as docentes quando estava lá no curso, por que você ensina esse conteúdo? Aí ele(a) pensou e falou “ah, porque tá lá no plano de ensino, porque está no projeto pedagógico do curso.”  

Mas por quê? Por que esse assunto está lá? E aí as pessoas não conseguem responder isso, se está lá é porque existe uma demanda por aquele conhecimento e que a gente precisa devolver, e a Covid veio para mostrar muito isso; hoje em dia, todo mundo, se não sabe o que é, pelo menos já ouviu falar em PCR, então todo mundo mais ou menos sabe que existe PCR. E curiosamente, no nosso projeto de extensão, a gente levava, quando começou a aumentar muito o diagnóstico molecular, justamente esse conceito, para discutir com as pessoas, falar por que você faz esse exame?” E isso ainda é mais fácil de entender ah, eu tenho esse conhecimento porque ensino na graduação e a gente discute com a comunidade.” 

E onde está a pesquisa nisso? A pesquisa precisa ser no geral, claro que existe a pesquisa básica, não é isso. Mas assim, a ideia de pesquisa, mesmo da pesquisa básica, precisa partir da pesquisa participativa e nesse nosso projeto do autismo é bastante claro isso. A gente precisa da comunidade autista para desenvolver a nossa pesquisa; o nosso projeto, que começamos antes da Covid, foi muito prejudicado por ela, porque era difícil conseguir trazer as pessoas. E eu não sei quantas vezes eu já precisei mudar o projeto, porque essas pessoas nos dizem “olha, isso não adianta, não é assim não, isso não acontece, isso já acontecia, mas não é o nosso caso.” Elas nos ajudaram a construir o projeto, então está muito claro que é pesquisa e extensão, e queremos trazer para elas coisas que elas estão trazendo para a gente de início.  

Portanto, quando a gente inclui o pós-graduando, estudante que está na iniciação científica nesse processo de dizer o por que, para que, para quem e com quem, aí começa a ficar um pouco mais claro que essa coisa que a gente fala sobre pesquisa, ensino, extensão, é uma coisa só. E, claro, individualmente as pessoas se dedicam um pouco mais ali, um pouco mais acolá, um ou outro tecnicamente no seu dia a dia, mas que tem que estar contextualizado, e precisamos trazer isso para a nossa comunidade, e dizer também para a comunidade que não está integrada na universidade que precisamos dela para existir, acho que é bem por aí. 

  

Schor: Você traz conceitos que eu acho que são tão fundamentais. Me veio na cabeça a ideia da universidade socialmente referenciada, que a gente repete há muito tempo, e que eu acho fantástico, acho que é fundamental.  Segunda coisa é o conceito desses por quês, que é uma técnica de você chegar a fundo no problema real. Se você não conseguir esses por quês é porque você não chegou no problema mesmo. Então, o que você fez é brilhante e acho que isso também deveria ser alguma coisa ensinada.  

Mas a comunidade tem que ser ouvida, não tem cocriação sem o outro lado para falar o que as pessoas precisam e isso eu tenho certeza que impacta muitíssimo os jovens e que você, com certeza, teve muitos estudantes que chegam falando “olha, eu quero fazer um mestrado, mas eu quero algum propósito nesse mestrado.” A gente vê isso nos empregos dos jovens, que não querem mais fazer uma universidade ou um curso sem ter um propósito muito claro, e já víamos isso nas graduações, nas teses, nas dissertações, nas iniciações científicas, mas acredito que agora a gente tá prestando mais atenção, está mais claro, e é óbvio o papel da extensão nisso, na entrega, o que nós vamos efetivamente mudar na vida daquela pessoa, que jeito que ela quer que mude.  

Então, o que você falou e eu falo muitas vezes aqui, como eu quero a medicação nova? qual é a medicação nova que eu quero? é medicação? quanto eu quero que custe? onde eu quero que ela esteja? Não adianta desenvolver uma molécula e colocar para vender se custa 5 milhões de dólares. E eu acho que tudo isso cai nesse grande balaio da extensão, que é apaixonante, e não é à toa que você, com uma carreira brilhante de pesquisadora, docente, coordenadora, gestora, está na próreitoria de extensão, que eu acho que é uma das joias da coroa. A gente precisa fazer as pessoas entenderem que passa pela integração da universidade com a sociedade as soluções que a sociedade busca.  

Só universidade pesquisar é muito pouco, só a indústria produzir para um povo consumir, só o governo financiar sem saber o que está financiado, não rola também. Acho que é muito interessante o entendimento desse contexto como um todo para fazer a bola girar. Se não, vamos ficar girando em torno do rabo e reclamando, o que é muito desgastante, para não dizer improdutivo. Queria, claro, te agradecer muito. Foi uma delícia, a gente conversa bastante nos corredores, mas não formaliza uma conversa. É gostoso quando a gente tem uma linha para falar um do outro e ter algo mais pessoal na mesa. 

Taiza: Eu que agradeço pela conversa, Paulo, é realmente muito gostoso poder falar um pouquinho sobre tudo isso aí que você trouxe. Tem muito mais coisa, claro, em cada palavra que a gente coloca, e eu acho que a questão é desafiar mesmo as pessoas a buscarem um pouquinho disso que a gente trouxe aqui hoje, e buscar entender qual é o real papel da universidade, porque as pessoas precisam se sentir parte dela. Muitas vezes a gente escuta as pessoas perguntando, estudante, candidato a uma universidade, a um curso de graduação “mas Unifesp? Quanto que paga para estudar lá?” Não paga nada e a pessoa ainda pode ganhar uma bolsa, não é? Então as pessoas não conhecem, não sabem que somos uma universidade pública, que somos fruto dos impostos pagos. Todas e todos e todes! nós somos todo mundo junto e é isso. É sem muro mesmo!  

As pessoas precisam se sentir parte da universidade, dar valor ao conhecimento, é uma preocupação que a gente acha que não precisa nem falar muito sobre isso, porque é chover no molhado, o conhecimento tem que ser objeto de desejo das pessoas, se é que podemos chamar de objeto, mas mais do que outras coisas, sem conhecimento não existe inclusão. Temos muitos problemas nossos, brasileiros, por falta de conhecimento, falta de cultura, falta de saber de onde a gente veio, quais são os nossos reais direitos e deveres. Não estou falando sobre o direito que eu tenho de escrever o que eu quiser no Facebook, no Instagram, no Twitter, é o direito real, é o dever real que a gente tem do conhecimento, saber para onde vai nosso dinheiro etc. E nisso tudo a universidade é fundamental, a extensão, que eu às vezes não gosto de falar, eu gosto de falar universidade como um todo, pesquisa, ensino, extensão, isso está realmente junto, indissociado.  

Portanto, a universidade é o caminho para a gente difundir, trocar e conhecer a universidade, conhecer o nosso país, conhecer a gente mesmo, e o que a gente precisa para, de fato, ser aquela nação que chamavam de nação do futuro lá na década de 1970/80, e que a gente ainda não conseguiu ser. Mas acho que é isso, é desafiar isso, buscar o conhecimento, buscar conhecer a universidade e conhecer o que  estamos mencionando aqui, como essa questão indissociável de pesquisa, ensino e extensão, e o quanto isso é importante para a nossa vida diária. Vamos ampliar essa ciranda aí que a gente tem tentado construir, quanto maior ela for, certamente mais sucesso vamos ter como nação. 

  

Schor: Muito, muito, muito obrigado, Taiza. 

Taiza: Eu que agradeço! 

  

 

 

 

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