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Por José Vital Monteiro
O diagnóstico correto e precoce do glaucoma continua sendo um dos maiores desafios da Medicina. A anamnese, que detecta e qualifica os fatores de risco da doença, precisa ser submetida à prova e o diagnóstico confirmado (ou não) por exames clínicos e complementares que requerem precauções e raciocínio médico acurados, já que raramente um deles, isoladamente, é conclusivo.
Nessa corrida contra o tempo, na qual o prêmio é o diagnóstico precoce, que possibilitará melhor controle da doença, com menos riscos de iatrogenia e a preservação da maior escala possível da visão do paciente, a tecnologia tem valor inestimável, mas não absoluto, pois é mediatizada pelo conhecimento do médico e pelas condições do paciente.
Em definição sintética, nem por isso livre de polêmicas, o glaucoma é um conjunto de neuropatias ópticas, multifatoriais, progressivas, que se caracterizam por alterações estruturais no nervo óptico e na camada de fibras nervosas da retina (CFNR), alterações funcionais no campo visual e cujo principal fator de risco é o aumento da pressão intraocular. É irreversível, incurável, com grande impacto na qualidade de vida dos portadores. Na maioria das vezes é assintomático, o que torna a adesão do paciente ao tratamento (por vezes caro e quase sempre aborrecido) problemática.
Para o Doutor em Oftalmologia pela Universidade Federal de Minas Gerais e integrante do Centro de Oftalmologia Avançada de Belo Horizonte (MG), Nikias Alves da Silva, depois da anamnese criteriosa o exame clínico cuidadoso deve fazer uso da tecnologia disponível em termos de exames complementares.
“Dentre os fatores de risco relacionados ao surgimento e à progressão do glaucoma, o único manipulável é a pressão intraocular (PIO), cujo método padrão ouro de aferição ainda é o tonômetro de aplanação de Goldmann. Entretanto, o médico precisa relacionar a medida da PIO com a espessura corneana, lembrando que diante de córneas mais finas, a PIO é subestimada e em córneas mais espessas ela é superestimada , declarou.
O mesmo é preconizado pelo vice-chefe do Serviço de Glaucoma do Hospital São Geraldo, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Alberto Diniz Filho, que acrescenta que a espessura da córnea deve ser obtida pela paquimetria ultrassônica. Também preconiza a avaliação da acuidade visual e a biomicroscopia do segmento anterior.
“Além disso, olhos submetidos anteriormente a cirurgia refrativa podem ter a PIO subestimada pela tonometria de aplanação de Goldmann, tornando aconselhável a utilização de métodos menos influenciados pelas propriedades biomecânicas da córnea, tais como a tonometria de contorno dinâmico (tonômetro de Pascal) e tonometria de não contato diferencial, levando sempre em consideração que as medidas obtidas não apresentam correlação perfeita e que o oftalmologista precisa estudar as características de cada método para melhor aplicá-los , afirmou.
O arsenal de exames complementares para glaucoma é bastante vasto: curva tensional diária, campimetria computadorizada, paquimetria ultrassônica, gonioscopia, retinografia simples colorida e tomografia de coerência óptica (OCT).
Nikias Alves da Silva considera fundamental a gonioscopia, que na sua opinião é subvalorizada por alguns colegas e muitas vezes realizada de maneira inadequada, o que pode falsear seus resultados. “Ela nos permite avaliar as características do seio camerular, como a amplitude de abertura, posição da inserção da raiz da íris, convexidade da superfície iriana e o grau de pigmentação das estruturas, informações importantes no reconhecimento de algumas situações específicas que envolvem o glaucoma, como ângulos oclusíveis, glaucoma crônico de ângulo fechado, pigmentar, pseudoesfoliativo ou racomórfico , explicou.
Alves da Silva também considera que a melhor opção para avaliação das alterações funcionais secundárias ao glaucoma é o exame de campo visual, embora ressalte que as alterações campimétricas já sejam consideradas sinais tardios da doença, que nem sempre se coadunam com o objetivo de obter o diagnóstico mais precoce possível. Salienta também que a execução do exame requer cuidados especiais, inclusive na preparação do paciente e que na maioria das vezes precisa ser repetido duas a três vezes para obter resultados mais confiáveis e avaliar a reprodutibilidade do resultado encontrado no primeiro exame.
“Mas, nos casos de acompanhamento de glaucomas diagnosticados, o campo visual branco-branco ainda é o método padrão ouro para avaliação da progressão , disse.
Para ele, a etapa mais importante do exame clínico é a biomicroscopia de fundo, que permite a avaliação detalhada e criteriosa do disco óptico e da CFNR peripapilar, buscando sinais sugestivos ou típicos de glaucoma, como defeitos focais ou difusos, hemorragias, aumento da relação escavação/disco, atrofia peripapilar e outras alterações vasculares.
“A documentação fotográfica do disco óptico e do seu entorno através da retinografia de boa qualidade é fundamental para o acompanhamento adequado dos pacientes , esclarece Alves da Silva. 
O que valorizar no exame do disco óptico
Para Alberto Diniz Filho, o exame do disco óptico requer do médico cuidado especial e hierarquização das atenções. Considera que, primeiramente, deve-se avaliar a coloração e a configuração (tamanho e forma) do disco óptico, principalmente para diferenciar neuropatia óptica glaucomatosa das neuropatias ópticas não glaucomatosas. Depois disso deve-se ter estimativa do tamanho do disco óptico, já que o tamanho da escavação varia com o tamanho do disco óptico, sendo que discos ópticos grandes têm escavações proporcionalmente grandes, mesmo em olhos saudáveis. Afirma que a estimativa do tamanho do disco óptico é feita através da biomicroscopia de fundo com o uso de lentes diagnósticas. Deve-se utilizar os seguintes fatores de correção: x 1,0 (lente 60 D), x 1,1 (lente 78 D) e x 1,3 (lente 90 D). “A medida dos discos ópticos através do exame biomicroscópico tem como objetivo a identificação de discos ópticos pequenos e discos ópticos grandes ou megalopapilas, além da obtenção de uma estimativa mais precisa da escavação (relação E/D). De maneira geral, uma regra simples seria considerar discos ópticos pequenos aqueles com diâmetro vertical menor que 1,5 mm e discos ópticos grandes aqueles com diâmetro vertical maior que 2,2 mm. A presença de assimetria dos discos ópticos e/ou das escavações também deve ser identificada , explicou.
O médico oftalmologista do Hospital São Geraldo considera ainda de extrema importância a avaliação da faixa ou rima neural para identificar alterações como chanfraduras, afinamentos ou diminuição difusa e a presença de hemorragias do disco óptico. Outras alterações que devem sempre ser avaliadas são: áreas de atrofia peripapilar, desnudamento do vaso circum-linear, profundidade da escavação, estriações na lâmina crivosa e defeitos em cunha na CFNR peripapilar.
OCT
Os defeitos estruturais são as manifestações clinicamente detectáveis mais precoces de lesão glaucomatosa e geralmente o dano anatômico ocorre antes do dano funcional. Uma quantidade substancial de evidências sobre o papel de medidas estruturais pela Tomografia de Coerência Óptica OCT no diagnóstico do glaucoma tem sido acumulada nos últimos anos e esta tecnologia tornou-se padrão para a avaliação estrutural no glaucoma, eliminando a subjetividade do examinador na avaliação de retinografia simples colorida ou estereofotografia.
De acordo com Diniz Filho, estudo recente provou que o OCT foi capaz de diagnosticar que até 35% dos olhos possuíam alteração da espessura da CFNR até quatro anos antes do desenvolvimento de defeitos no campo visual. “Devemos sempre estar atentos à qualidade das imagens. Erros provocados por movimentos do paciente ou falha nos algoritmos de segmentação também devem ser identificados e corrigidos. Com relação ao perfil de espessura da CFNR peripapilar, podemos evidenciar o parâmetro global ou médio, bem como quadrantes (4), setores de Garway-Heath (6) ou setores da hora do relógio (12), representando a média dos pontos do respectivo setor, o que pode às vezes falhar em reconhecer pequenos defeitos esclareceu.
Avalia que como cerca de 50% das células ganglionares da retina são concentradas dentro de 4,5 mm da fóvea, compreendendo cerca de 30% da espessura da retina nessa área, as mudanças na estrutura macular provavelmente serão um bom indicador de perda neural relacionada ao glaucoma. Avalia também que é importante ter julgamento clínico na interpretação dos dados normativos da tomografia de coerência óptica e que a observação da localização das perdas é de extrema importância, já que o glaucoma caracteristicamente afeta os setores superior e inferior.
A mesma advertência é feita por seu colega Nikias Alves da Silva: “O OCT, embora seja exame importante na investigação do glaucoma, como todo exame complementar deve ser sempre correlacionado com o exame clínico do disco óptico e jamais substituir o mesmo ou ser a única base do diagnóstico , afirmou Alves da Silva.
Já Alberto Diniz Filho levanta o aspecto que a Diretriz de Utilização (DUT) da Resolução Normativa n° 338/2013 da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) não assinala a tomografia de coerência óptica como procedimento de cobertura obrigatória pelas operadoras de saúde para o diagnóstico de glaucoma, o que pode dificultar sua utilização em grande número de casos, apesar de sua grande utilidade.
Orientações finais
“Como ressaltado anteriormente, a minha propedêutica para o indivíduo suspeito de glaucoma compreende a curva tensional diária, a campimetria computadorizada, a paquimetria ultrassônica, a gonioscopia, a retinografia simples colorida e a tomografia de coerência óptica OCT. Em resumo, a curva tensional diária permite, em teoria, melhor avaliar o perfil pressórico dos pacientes com um maior número de medidas declara Diniz Filho.
O vice-chefe do Setor de Glaucoma do Hospital São Geraldo considera também que se deve sempre levar em conta a espessura corneana central obtida pela paquimetria ultrassônica. A retinografia simples colorida é efetiva para documentar a aparência do disco óptico para comparações futuras. Para ele, a campimetria computadorizada é o padrão ouro para a avaliação funcional no glaucoma, enquanto a tomografia de coerência óptica OCT tem se tornado cada vez mais o exame de eleição para a avaliação estrutural no glaucoma, proporcionando o diagnóstico precoce antes da ocorrência de danos no campo visual.
Assinala que geralmente os exames são realizados no mesmo dia. Ele inicia pela primeira medida da curva tensional diária ou pela campimetria computadorizada, seguindo-se os outros exames, concluindo a bateria com a última medida da curva tensional diária e posteriormente com a gonioscopia. Os exames que porventura tenham necessidade de midríase medicamentosa são realizados após o término da curva tensional diária. A frequência de realização dos exames é determinada pela presença dos fatores de risco para desenvolvimento do glaucoma, idade e expectativa de vida. Vale ressaltar que devido à capacidade limitada de qualquer teste para diagnóstico do glaucoma, devemos sempre utilizá-los em conjunto associado ao exame clínico cuidadoso.
“É importante também ressaltar que o diagnóstico precoce do glaucoma é extremamente desafiador. Uma proporção considerável de casos requer a demonstração de dano estrutural ou funcional ao longo do tempo, o que faz com que seja mandatória a realização de um acompanhamento periódico para que seja estabelecido o diagnóstico correto , concluiu Alberto Diniz Filho.

Fonte: Universo Visual

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