Como é que a gente íntegra e não desintegra? Foi com esse questionamento que Paulo Schor encerrou essa entrevista. Porque é assim que ele é, provocativo. E ser oftalmologista lhe tornou um ser humano movido ainda mais por desafios. Porque como veremos ao longo dessa entrevista, essa inquietude vem em parte do seu DNA familiar e em parte das suas experiências vividas até aqui.
Recentemente, para nossa sorte (minha como editora desta revista e de vocês como leitores), ele encarou mais um desafio e aceitou ocupar o cargo de editor clínico da Universo Visual, que até então era agraciado pelo excelente Marcos Ávila, que por anos, instruiu e guiou esta publicação.
Paulo Schor, ao assumir esta posição, faz com que a gente ganhe ainda mais. Mais qualidade naquilo que de melhor fazemos, que é levar o conhecimento da oftalmologia até vocês. O desafio será ainda maior com um parceiro que não para que se mexe e faz todos a sua volta se mexerem também.
Aproveitem a leitura!
Revista Universo Visual – Para começar, gostaria que você nos contasse sobre essa sua personalidade marcante, mente inquieta, conectada e com inovação nas veias. De onde isso vem? É genético?
Paulo Schor – Se inovação for sinônimo de inquietude, eu acho que vem do DNA, 80% e 20% do ambiente. Se inovação for empreendedorismo e execução, aí tem 80% do ambiente e 20% do DNA. Mas no final, eu acabo gostando mais de ter essa mutação permanente. E não me importa muitas vezes se isso acaba sendo efetivamente escalável ou não, mas sim, que algumas pessoas façam bom uso disso e mudem individualmente, assim como eu mundo também o tempo todo.
UV – E essas suas características foram determinantes para você ter optado por seguir a carreira de oftalmologista? Já que, dentro da medicina, a oftalmologia é uma especialidade que está muito atrelada a questão da inovação, ou lá atrás, não era esse seu pensamento?
Schor – Eu acho que nunca foi consciente. Eu acho que talvez tenha tido uma coincidência. E uma rapidez maior na revelação disso porque sim, como você falou o uso intensivo da tecnologia na oftalmologia é óbvio. Mas se eu tivesse feito, sei lá, psicologia ou psiquiatria, provavelmente estaria fazendo alguma coisa diferente dentro da especialidade escolhida. Eu não vou nunca fazer a repetição de alguma coisa que as outras pessoas já fazem. Isso não seria eu. Por isso acredito que inovação está no meu DNA, sempre vou querer ver quais outras opções e ângulos de visão eu teria sobre aquele mesmo fato.
UV – Como você bem sabe, a Universo Visual está comemorando 20 anos de vida. Baseado nisso, eu pergunto, quem era o Paulo Schor há 20 anos, e quem será o Paulo Schor daqui 20 anos?
Schor – Há 20 anos existia uma procura muito maior e uma dúvida interna muito maior de onde estou, de quem eu sou. Existe ainda essa dúvida hoje, obviamente, mas ela é quase que um ruído de fundo, não é a música predominante na história. Hoje eu entendo bastante bem onde eu estou, o que eu faço, porque eu faço, aonde eu quero ir e o que eu quero deixar. E lá atrás, isso não era uma coisa que era óbvia.
Daqui a 20, se eu tiver vivo, e eu espero estar, eu quero ter ainda menos certezas. Talvez disso, de quem eu sou, de onde estou, e do que eu quero deixar. Então eu acho que é um movimento meio pendular. Não quero deixar de mudar. Quero conseguir navegar com uma certa tranquilidade pelos espaços e fatos sem ter muito solavanco, mas não me importando muito com a estabilidade completa. Eu acho que isso é imobilização. Então essa coisa de aposentadoria, tranquilidade e morar com vista para montanhas, por enquanto, não me interessa.
UV – Para mim fica claro que você não é de ficar parado, não é adepto ao lugar comum, e está sempre se mexendo para encontrar novos movimentos. E o fato de você ter aceito o convite para ser o editor clínico da Universo Visual, e eu agradeço imensamente, é um pouco isso, encarar algo que ainda não tenha feito (ou não tenha feito com a Universo Visual). É sair desse lugar comum e ir buscar sempre coisas novas.
Schor – Eu aceitei a continuar e aprofundar a colaboração com a Universo Visual porque acredito que temos um ponto em comum. Não estamos finalizados. Nem eu e nem vocês. E essa é a beleza da história.
Vocês sempre foram muito produtivas e atraíram a atenção com diversas ferramentas, desde imagens e até trazer a indústria óptica para dentro do universo oftalmológico de um jeito científico e adequado. Algo que não existia ainda. Havia um afastamento da indústria óptica na academia, oq eu era um absurdo. Mas essa mudança foi conseguido pela Universo Visual. Vocês mudaram e colocaram outras emoções. Então acho que essa mutação aproxima a gente. E é isso que eu quero trazer para a editoria científica. Não me interessa ser mais uma revista brigando e competindo com outra. E isso eu falo muito para quem faz inovação, esqueça a palavra competição, ela é inexistente nesse universo, a chance de ter alguém fazendo exatamente o que você está fazendo e você ter que ganhar na competição dela é irrisória. Você precisa ser persistente e ser capaz de pivotar, de mudar.
UV – Pelo que você se apaixona ou se apaixonou, ou ainda vai se apaixonar na oftalmologia? Isso é, qual o grande motivo de você ser oftalmologista?
Schor – Eu acho que eu me apaixono pela emoção, que não só a visão, mas a que todos os sentidos trazem. Como estamos falando de oftalmologia, a visão é mais fácil, mas eu acho que isso é um pedaço da história. E talvez me apaixone, aquela paixão cardíaca e não racional, mais pela parte de depois do nervo óptico. Mas eu vibro, e talvez não seja paixão, seja vibrar. Eu fico muito contente com o entendimento e o domínio da parte antes do nervo óptico, então eu adoro ver lentes, novas tecnologias que funcionam, que restauram. Eu acho fantástico. Gosto muito de operar, de mudar a coisa, de melhorar o que não está tão bom. A gente tem várias teses nesse sentido, como resultará coisas que não estão tão boas. Mas isso não é algo que me chama atenção no sentido de paixão. Porque paixão é o que é uma coisa inexplicável e que te faz chorar, sabe? Isso vai mais para o lado de algo que me toca o sentimento e, em geral, quando toca o sentimento alheio, toca o meu também.
UV – Isso tem a ver com você dar mais qualidade de vida para uma pessoa que de repente não tinha. É nesse sentido que você diz?
Schor – Sim, mas mais amplo. Não na qualidade de vida no sentido de você fazer o paciente enxergar com uma lente intraocular multifocal. Isso, eu vibro claro. Mas se eu vejo, uma obra que eu nunca tenha visto, uma manifestação artística fantástica, uma dança linda, maravilhosa, isso me toca.
Eu penso mais no sentido de ciências visuais do que a oftalmologia propriamente dita. Isso de emoção, eu acho que as pessoas podem esperar, ver, trazendo isso para a vida delas? Acho que um pouco dessas duas coisas, eu acho que a gente tem que combinar a parte técnica com a parte emocional e humana.
Fonte:
Revista Universo Visual
Autor:
Marina Almeida