O conhecimento tem se difundido através dos séculos, inicialmente pela forma verbal e posteriormente através da escrita. MacCall , 2006, (1) discorreu sobre o tema dos livros médicos on line ou e-books com o objetivo de providenciar o acesso nas livrarias de ciências médicas como fato de difusão do conhecimento nos Websites públicos e livres.
Hill e Stickel, 2001, após 36 anos de atualizações bienais na lista Brandon/Hill dos livros médicos, 630 livros médicos foram catalogados no ano de 2001 e que os custos dos livros físicos têm subido enormemente, 32%, o que inviabilizaria aquisição do livro físico além da dificuldade de armazenar os mesmos (3). Surge então o mercado do e-book, sendo este bem mais barato e virtualmente podendo ser armazenado mesmo na nuvem.
Czechowski, 2011 (4), publicou um trabalho sobre os e-books, onde apresentou algumas sugestões para a publicação dos e-books, onde as grandes bibliotecas teriam acesso ao pacote dos editores para muitos leitores e as pequenas não teriam condições de arcar com tamanho custo de aquisição. Alguns editores mantem as suas obras restritas a plataformas bem especificas com o objetivo de adquirir assinaturas e fidelizar os clientes, o que num contexto geral de grandes volumes iriam onerar e muito os custos de aquisição.
Além do mais, muitas editoras protelam a publicação dos e-books a fim de venderem os livros físicos inicialmente e lucrar mais com isso. Obviamente o problema da pirataria eletrônica é bem reconhecido ao redor do mundo em todas as áreas.
Watson, 2021 (5), ao contrário do que possa parecer comparou os preços dos livros físicos e e -books e concluiu que os livros digitais custam cerca de 2,2 vezes mais em média que seus pares impressos.
O grande receio que temos nos dias de hoje é que talvez os livros que apresentem o maior apelo comercial sejam os manuais de conhecimento superficial, os livros de dicas rápidas e principalmente os livros voltados para as provas e concursos em detrimento das obras que realmente apresentem um rigor científico e profundo com forma permanente de aprendizado. Teremos que rescrever ou aprender as escrever nossos livros? (6).
Durante o processo de organização de um livro, a carência de literatura nacional atualizada e a necessidade de uma discussão dentro da realidade local se faz necessária. Procurar conciliar a disponibilidade dos colaboradores, assim como dividir os temas dos capítulos conforme a experiencia e familiaridade de cada um também é bastante complexo. A cobrança pelos prazos de publicação, também constituem um grande fardo a fim de cumprir com o tempo sempre exíguo para complementar a obra. Como deixar de fora vários colegas de grande conhecimento em detrimento de outros para participar de uma obra abrangente sobre um tema específico. O livro deve ser ao mesmo tempo, abrangente, atual, didático, fácil leitura e que instigue a vontade do leitor como por exemplo temas polêmicos e fotografias e ilustrações atraentes.
As grandes coleções de oftalmologia geral como da Academia Americana de Oftalmologia e do Conselho Brasileiro de Oftalmologia (CBO), sempre terão espaço na grade literária técnica da oftalmologia por servir de baseamento das atualizações recentes da especialidade assim como bibliografia recomendada de concursos e provas de título. Os outros livros a serem lançados devem ser mais específicos ou se no mesmo porte, apresentar um atrativo a mais para conquistar novos leitores. Que os novos livros sirvam de estímulo para os novos colegas que estão chegando na especialidade e de atualização para os oftalmologistas que estão exercendo a especialidade por mais tempo, servindo assim como organizador mental dos tópicos mais importantes dentro da área.
Inicialmente quando pensei em organizar o meu segundo livro: Uveítes, o desafio de seu tratamento, depois de 27 anos de experiencia na área, ouvi de um colega renomado que “para que você vai escrever um livro, ninguém mais lê!”. Fiquei intrigado com a afirmativa dele e resolvi, ainda bem creio eu, persistir na minha ideia de organizar a obra. O que me levou a isto? Em primeiro lugar a carência de uma obra deste porte na literatura nacional, o último grande lançamento foi o livro do renomado Professor Fernando Oréfice, aliás excepcional, que foi lançado a mais de 20 anos (tivemos o privilégio do mesmo professor Fernando, juntamente com a sua filha talentosa Juliana de escrever o capítulo e toxoplasmose no livro). Em segundo lugar, com tanta gente brilhante espalhada por todo país na área de uveíte, seria um desperdício não agrupar todo esse conhecimento em um livro. Terceiro lugar dar oportunidade de os novos colegas demonstrarem o seu valor participando do livro também e finalmente e não menos importante, ainda considero fundamental para os iniciantes uma obra extensa e abrangente para o estudo da área (afinal serão 124 capítulos, cerca de 200 colaboradores e 1000 páginas). Ao final do livro, ficou a sensação de missão cumprida e resultado acima da minha expectativa, muito é claro em função dos colegas muito dedicados e fora da curva espalhados não somente no Brasil, mas em vários países. Tive a honra recentemente de ser indicado pelo CBO para escrever juntamente com três colegas o capítulo de oftalmologia do compendio da Associação Médica Brasileira (AMB), mas claro com objetivos totalmente diversos deste livro de Uveite. Concluindo, ainda existe muito espaço para os livros na minha modesta opinião.
A seguir perguntamos a algumas pessoas sobre esse intrigante universo editorial de livros médicos e obtivemos vários depoimentos interessantes que versam sobre o tema.
Depoimentos
O primeiro colega a ser questionado o assunto foi nada mais que o presidente do CBO, Cristiano Caixeta se o Livro médico ainda é um agente provedor de disseminação de conhecimento médico? “Eu acredito que sempre o livro vai ser uma forma de prover conhecimento para qualquer pessoa, o que vai mudar é a forma de interação com o livro. Para mim um livro digital ou on line representa muito do que a gente faz, a construção de artigos constitui toda base de conhecimento que nós temos que se tornou muito mais rápida e dinâmica, hoje temos o mundo inteiro na palma da nossa mão, mas acho que termos o livro didático com o levantamento bibliográfico muito bem feito pelo autor, precisa que cada vez mais, os novos autores tenham a responsabilidade dos antigos autores que não banalizem os seus capítulos e a sua construção como vemos em alguns casos. O importante para mim é que os colegas tenham essa responsabilidade no que há de melhor no conhecimento atualizando e construindo um capítulo como um todo. Portanto para mim um livro sempre terá espaço e aí vamos colocar esse livro de uma forma diferente, igual sempre estudei, grifando, escrevendo e anotando as principais coisas que acredito relevante. Concluindo, buscar construir um livro, uma história baseada em tudo aquilo que se levanta de dados relevantes em artigos e experiencia, isso é muito importante”.
Com muita experiencia e competência na oftalmologia brasileira, o Professor José Beniz Neto, ex-presidente do CBO foi questionado se ainda compra livros médicos e qual seria a importância para ele? “Sim com certeza. Eles são extremamente importantes na formação continuada de um médico que não termina nunca e sempre surgem coisas novas na esfera do conhecimento, resta saber no mundo de hoje, identificar se você prefere o livro físico ou digital. Geralmente os médicos mais maduros de outra geração preferem o livro físico, pois podem fazer anotações, já os jovens com certeza estão indo para o livro digital, tanto que a série brasileira está sendo lançada de forma digital esse ano”.
E foi perguntado para Wilma Lelis, membro da diretoria do CBO, livros médicos, ainda teremos muito? A professora, reafirma que “A atualização não é buscada regularmente e ela chega ao acaso por folders de laboratórios, podcasts, etc. Quem busca uma informação científica, tem uma pergunta a ser respondida, quer agilidade na resposta e que essa seja um compilado do que há a respeito do tema. Assim, creio que os artigos científicos continuarão sendo usados por poucos. Os livros, que são compilados desse conhecimento, deverão permanecer pois trazem a resposta. Não em sua forma impressa, mas na mais democrática, ágil e compartilhável – os e-books. O estímulo financeiro dos autores está ameaçado. Conseguiremos reinventar? Provavelmente sim.
Já Paulo Schor, Editor da Universo Visual, foi perguntado, se o livro médico vai desaparecer. “Novos livros físicos são muito bem vindos. Os que organizam “a matéria”, o pensamento, a oferta de informação. Tem indicação antes (esquenta), durante (discussão), e depois (referência) de aulas com metodologias ativas, e vão ser cada vez mais difíceis de serem editados com esses propósitos. Livros enciclopédicos ficarão desatualizados mais rapidamente”.
Já para o residente de oftalmologia, Lucas Brandão foi questionado se ele ainda lê o livro médico, se compra e se prefere físico ou digital. “O livro médico compro e leio, prefiro cópia digital, mas, os livros são de extrema importância para o nosso aprendizado oftalmológico no dia a dia”.
Já a coordenadora da comissão de ensino do CBO, Maria auxiliadora Sibinelli, quando questionada sobre o papel do livro médico na formação do profissional de saúde e se ainda existe espaço para ele afirmou: “Eu acredito que sempre existirá espaço para livros, sejam eles físicos ou virtuais. Bons livros trazem conteúdos que auxiliam nos caminhos para a sequência lógica de aprendizagem de forma consistente, evitando lacunas do conhecimento que informações pontuais possam trazer. Leitura de conteúdos que objetivam o entendimento de determinado assunto de forma consistente estimula raciocínio, desenvolve pensamento crítico e estimula capacidade de concentração, condições importantíssimas para formação de atuação de profissionais de saúde. Gosto do conceito que formação é diferente de informação. Formação implica em dedicação, motivação, investimento e aquisição de conhecimentos profundos”.
Também perguntamos para Marcelo Hatanaka, da comissão CBO, se ele ainda comprava livros médicos e qual a sua importância. “Para minha área específica o glaucoma, eu acabo recorrendo aos artigos científicos, pois são bem específicos e atuais, como a revisão Cochrane por exemplo. Entretanto o livro é fundamental, se agora eu resolver estudar uveíte, que não é da minha área por exemplo, eu teria duas opções: correr atrás de artigos diversos sem ter uma noção do que deveria dar ênfase ou recorrer a um livro, onde os autores fizeram um compilado geral que me darão um direcionamento da matéria. O livro neste contexto é de vital importância, a questão que resta é que talvez cada vez mais as pessoas migrem para o digital. Eu sou das antigas e prefiro o livro de papel”.
Para Kazuiko Toyota, médico oftalmologista em Tóquio, Japão, foi questionado se no Japão ainda se compram muitos livros médicos, e se ele lê livros de medicina e se os jovens japoneses lerão no futuro. “No Japão, os livros de medicina têm um excelente mercado. Tanto é que há muitas livrarias que trabalham somente com livros da área da saúde. Embora os livros de medicina impressos ainda sejam uma regra, cada vez mais a forma digitalizada vem se popularizando, principalmente entre os médicos mais jovens. Segundo ele, lê-se muito, sobre temas diversos de diferentes áreas da medicina. Hoje mais experiente leio com ênfase nas respostas que procuro. Então, as minhas necessidades ditam a seleção de temas. Os japoneses são treinados desde muito cedo à leitura. Os livros infantis são verdadeiras obras de arte. Para todas as idades, encontramos livros com conteúdo semelhante em linguagem adaptada para cada grupo etário. Então, por exemplo, pode-se ler sobre um tema complicado como microbiota intestinal em vários níveis de dificuldade. Esse fator torna a leitura interessante e estimula a busca por mais conhecimentos. Os japoneses são, portanto, ávidos por leitura hoje e sempre”.
Vanda Nogueira, oftalmologista em Lisboa, Portugal, foi perguntada se ainda se compra livros de medicina e se os alunos continuarão a comprar. “Eu já não compro, gosto muito de estudar pelos artigos e ver as opiniões de vários centros mundiais. Só comprei enquanto estava em formação. No entanto para alunos e internos da especialidade os livros ainda têm o seu papel sobretudo na sistematização do pensamento, definição dos capítulos e organização do conhecimento dentro do contexto da especialidade. Para ajudar a ter uma visão global. Depois para aprofundar no assunto devemos recorrer a literatura para uma abordagem mais especifica e atualizada”.
Vários questionamentos foram feitos para a senhora Sandra Feldman, com vasta experiencia na editoração de livros médicos, da editora Cultura Médica do Rio de Janeiro.
Qual o tamanho do mercado editorial de livros médicos no Brasil?
Os livros denominados científicos é o segmento de menor volume de exemplares vendidos, (em torno de 7% do total) embora gere cerca de 15% das receitas do setor editorial brasileiro.
Livro impresso ou digital? Vantagens e desvantagens?
Apesar do sucesso dos livros digitais, os livros impressos têm seu espaço no mercado. Os livros físicos requerem um investimento maior na compra, no entanto, são menos cansativos e possuem maior qualidade das imagens, que é um fator exigido nos livros oftalmologia. Os e-books são frequentemente mais baratos, tem suas vantagens por ter várias opções de leitura ao toque de mão, assim como usa outras ferramentas, para complementar sua leitura.
O livro impresso vai acabar?
Não.
Como combater a pirataria m relação aos livros digitais?
A pirataria deve ser combatida por órgãos oficiais.
Qual a média de tiragem de cada título médico no Brasil?
A Cultura Médica que possui 80% de suas publicações destinadas a oftalmologia, tem o padrão de tiragem de 500 a 1.000 exemplares. Esgotando, imprime nova edição e ou atualização.
Quanto tempo em média o livro permanece a venda? É preciso fazer uma segunda edição quando?
A reimpressão só acontece quando o livro se esgota e os autores autorizam a devida providência. O livro fica disponível para venda durante a vigência do contrato, e na medida que se esgota a edição o autor é convidado a atualizar seu livro. Aceitando faz-se uma nova.
O livro médico é caro? Qual mais caro impresso ou digital?
É justo, tendo em vista a exigência da qualidade das imagens e fotos. O preço para produção tem pouca diferença entre os dois produtos, porque a editoração exige a mesma qualidade só isentando o papel e gráfica.
O público jovem prefere o livro digital?
De imediato o jovem procura o livro digital pela praticidade, e por vezes volta e compra também o impresso.
Quantos títulos a Cultura Médica já publicou?
A Cultura Médica nos seus 57 anos editou por volta de 1650 títulos.
Existe algum programa de doação de livros médicos para as bibliotecas?
Doamos dois exemplares de todos os livros editados pela Cultura Médica para a Biblioteca Nacional e um exemplar de cada livro editado da área de oftalmologia para o CBO.
O brasileiro lê muitos livros em média por ano?
Trata-se de um segmento maduro com pequeno crescimento e sua evolução depende de uma rede de relacionamentos com autores e uma consistente estratégia mercadológica.
A qualidade gráfica do Brasil é boa quando comparada aos melhores centros do mundo?
A boa qualidade está em suas máquinas modernas e temos várias em nosso país.
Qual o futuro das editoras médicas no Brasil?
Tendo em vista a nossa área de atuação ser a médica e a medicina em evolução constante, vemos um futuro promissor.
Mensagem final para os leitores.
Somos uma editora brasileira voltada exclusivamente para autores nacionais, e buscando na ética, seguir o caminho que prioriza a educação como seu maior intento.