Renato Leça – Oftalmologista, nutrólogo, professor da disciplina de Oftalmologia da Faculdade de Medicina do ABC (FMABC) coordenador das disciplinas eletivas de Medicina Integrativa e Nutrologia com Prática Ortomolecular, mestre e doutorando na UNIFESP
A oftalmologia é uma das áreas médicas que mais evoluíram tecnologicamente nos últimos tempos, das abordagens terapêuticas clínicas às modernas intervenções cirúrgicas, passando por métodos propedêuticos e diagnósticos que nos propiciaram melhor tratar nosso paciente.
Todo esse grande avanço tecnológico levou a uma formação cada vez maior de especialistas em áreas cada vez menores do globo ocular, superespecialistas com uma visão cada vez de áreas mais específicas de nossos olhos, e com isso levando a uma compreensão cada vez maior de uma área cada vez menor.
Tal especialização poderia nos levar a esquecer de algo aparentemente óbvio: os olhos fazem parte do corpo humano, relacionando-se com ele das mais variadas formas, como qualquer órgão de nosso corpo. Essa seria a base da oftalmologia integrativa.
A ideia, ou o conceito da Oftalmologia Integrativa, foi originado a partir da própria Medicina Integrativa, área que cada vez ganha mais espaço e mais adeptos, entre pacientes e médicos, no mundo todo.
A Medicina Integrativa é definida pelo National Center for Complementary and Alternative Medicine, do National Institute of Health, dos Estados Unidos, como “a combinação de terapias médicas convencionais e terapias complementares, para as quais há alguma evidência científica de alta qualidade de segurança e eficácia”. Pode ser entendida também como uma medicina que leva em consideração a pessoa como um todo, incluindo todos os aspectos de seu estilo de vida e enfatiza a relação terapêutica entre o médico e o paciente.
É uma área que está presente nas principais Universidades norte-americanas, como John Hopkins, Duke, UCLA, Arizona, Yale e Harvard; também na Europa e na Ásia têm significativa relevância. Ela está presente em várias especialidades (pediatria integrativa, gastroenterologia integrativa, psiquiatria integrativa, etc) sendo a oncologia integrativa a especialidade de maior aplicação.
É uma área que vem despertando muito interesse científico, havendo mais de 42 mil trabalhos científicos publicados no PubMed, da National Library of Medicine.
Os próprios pacientes procuram cada vez mais esse tipo de medicina; segundo dados recentes do Center for Disease Control and Prevention (CDC), cerca de 36% dos adultos nos EUA utilizam áreas integrativas, que gastam mais de U$ 30 bilhões por ano ; na Europa estima-se que cerca de 100 milhões de utilizem as práticas da medicina integrativa.
Mas quais são essas práticas integrativas que compõem a Medicina Integrativa? Bem, as mais conhecidas são: Medicina Tradicional Chinesa, representada especialmente pela Acupuntura, Medicina Ayurvédica, Homeopatia, Antroposofia, Fitoterapia, Meditação, Yoga, entre outras.
No Brasil, em 2006 foi criada a Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares (NPIC), com o intuito de implementar essas práticas na rede de saúde pública, através do Sistema Único de Saúde ( SUS). Vinte e nove práticas foram incluídas, e em 2017 foram registrados cinco milhões de atendimentos.
O mundo moderno, ocidental particularmente, apresenta altos e crescentes níveis de doenças como o Diabetes Mellitus, hipertensão artéria sistêmica e obesidade, além de alta prevalência de casos ligados à ansiedade e ao estresse, e são condições que merecem uma abordagem terapêutica mais ampla. Lidamos ainda com a presença cada vez maior de agrotóxicos na nossa comida, alimentação não adequada (fast food, junky food, açúcar, frituras, etc), toxinas ambientais (poluição atmosférica, radiação ultravioleta, fumo), além de hábitos não saudáveis (sedentarismo, pouca qualidade de sono, pequena exposição solar), de forma que uma abordagem mais global do estilo de vida do nosso paciente traria muitos benefícios para o planejamento de seu tratamento.
Oftalmologia Integrativa
Meu interesse pela Medicina Integrativa surgiu há cerca de 13 anos, quando meu pai faleceu devido a uma neoplasia hepática, e cujo tratamento me deixou um pouco desapontado, apesar de eu concordar que fora feito o tratamento adequado, de acordo era o que a medicina “convencional”; não que eu ache que seu quadro teria outro desfecho se tivessem sido utilizadas outras abordagens, mas possivelmente seus últimos dias teriam sido melhores.
A partir desse fato comecei a estudar Prática Ortomolecular, que nada mais é do que a aplicação clínica de conceitos bioquímicos, depois estudei Nutrologia, onde obtive o título de especialista, logo após estudei Medicina Tradicional Chinesa, Medicina Ayurvédica, entre outros vários cursos, e após toda essa eclética formação acabei por assumir a coordenação das disciplinas de Medicina Integrativa e também a de Nutrologia com Prática Ortomolecular na Faculdade de Medicina do ABC, instituição onde eu já era professor na Oftalmologia.
Fui obtendo conhecimentos que julguei muito interessantes, e que poderiam (por que não?) serem aplicados naOftalmologia. Conceitos gerais, estilo de vida, alimentação, exames propedêuticos e laboratoriais, enfim, uma gama de conhecimentos comuns e naturais para suas especialidades de origem, porém ainda não aplicados, ao menos de forma mais consistente, na Oftalmologia.
Sono não reparador, sobrepeso – obesidade, saúde intestinal – disbiose-eixo intestino-olho, eixo cérebro-retina, vitamina D, antioxidantes, temas que poderiam ser estudados com intuito de serem encontradas correlações com os olhos.
Achei relevante saber o quanto os olhos necessitam de uma proteção antioxidante , visto que é extremamente submetido a um potencial alto grau de estresse oxidativo , porque recebe diretamente a radiação solar , e necessita da ação protetora de carotenóides xantofílicos , como a luteína e a zeaxantina , além do fato do consumo de oxigênio da retina por milímetro quadrado ser um dos maiores de todo o nosso organismo , e também porque os ácidos graxos das membranas dos fotorreceptores podem sofrer oxidação.
Comecei a me interessar em fazer pesquisas, com a ajuda de vários amigos, abordando temas não muito convencionais para a oftalmologia, como a vitamina D na lágrima e a termografia em cirurgia refrativa, que geraram trabalhos premiados em congressos da ARVO.
A Oftalmologia Integrativa já ia se desenhando, e foi confirmada no SIMASP de 2018, onde apareceu na programação oficial como um curso, o que se repetiu no mesmo Simpósio nos dois anos seguintes. Além de serem organizados dois cursos pelo Centro de Estudos em Oftalmologia da Unifesp, e dois Simpósios nacionais.
Este ano tive o prazer de receber o apoio de Cristina Muccioli, Professora Adjunta Livre Docente da Oftalmologia da Unifesp, que compartilhava de minhas ideias. Ela também entende como conceito enxergar o ser humano como um todo, igualmente com a percepção de que o ser humano não pode ser somente o olho, como os oftalmologistas costumam considerar. Nessa concepção, o paciente deve ser avaliado na sua integralidade e como ser único, ponto que une a Medicina Integrativa à Oftalmologia Integrativa.
A vontade de fazer mais do que simplesmente prescrever medicamentos e tratar doentes, o foco tanto da medicina integrativa quanto da Oftalmologia Integrativa está na saúde e não na doença, tendo o paciente como um aliado, podendo participar de todo o processo de seu tratamento, e também estar mais próximo ao seu médico, esses foram pontos importantes que chamaram a atenção de Cristina para essa área.
Em nossa opinião a Medicina do Futuro é a que se compõe de quatro Ps: é a medicina Preditiva, que foca nos OMICS: (genômica, microbioma, metaboloma, transcriptoma) e serve de base para a medicina Preventiva, que é aquela que está aliada a novas tecnologias e serve de base para a criação de saúde. É a medicina Proativa onde médicos e pacientes estão engajados em prevenir as doenças sendo dessa forma Personalizada oferecendo tratamentos individualizados. E assim sendo, forma-se uma a parceria médico-paciente, onde o médico tem uma maior aproximação ao paciente.
Núcleo de Estudos em Oftalmologia Integrativa
E com o olho no futuro e nessa projeção da nova medicina, e com o empenho de Cristina Muccioli, foi criado, este ano, o Núcleo de Estudos em Oftalmologia Integrativa no Departamento de Oftalmologia da UNIFESP, onde se pretende associar a Oftalmologia Integrativa às praticas medicas previamente estabelecidas e consagradas em outras especialidades médicas.
Como primeiro evento do Núcleo, foi organizado e vem acontecendo, desde abril, o Curso de Oftalmologia Integrativa da Unifesp, nos módulos introdutório, intermediário e avançado, com aulas online todas as quartas-feiras à noite.
Esse curso visa habilitar os colegas a lidar com as novas ferramentas as doenças oculares de sempre. Temas como o sistema antioxidante, matriz extracelular, inflamação crônica silenciosa, nutrição e suplementação nutricional foram revistos com maior profundidade; temas novos para a oftalmologia como microbioma intestinal e disbiose, epigenética, metabolômica, termografia, poluentes ambientais, práticas integrativas e suas relações com doenças oculares foram apresentados; temas clínicos como síndrome metabólica e Diabetes Mellitus, Parkinson também fizeram parte da programação; medicinas tradicionais como a chinesa e a ayurvédica, a prática da meditação, a antroposofia, a homotoxologia, assim como temas mais modernos , como distúrbios do sono e atividade física, também já foram estudados, sempre com vista às suas inter-relações com a oftalmologia, além de outros diversos temas.
Ficou claro para os colegas que seguiram os módulos desse curso o quão importante é ter essa visão ampliada da oftalmologia, e o quanto esses conhecimentos podem agregar qualidade nos atendimentos médicos.
Para quem não assistiu às aulas, elas estão disponibilizadas no canal de Youtube do Centro de Estudos em Oftalmologia da UNIFESP!
Por fim, convidamos os colegas que queiram fazer parte do Núcleo de Estudos em Oftalmologia da Unifesp, tanto para participação no ambulatório, quanto para o desenvolvimento de pesquisas científicas, inclusive com vistas a pesquisas de doutorado, a entrar em contato diretamente conosco, pelos e-mails [email protected] ou [email protected].
Fonte: Revista Universo Visual