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Como a equipe de oftalmologia dos Jogos Olímpicos do Rio 2016 revelou desigualdades globais e preparou o caminho para Paris 2024

 Por  Marina Almeida

Mauro Campos, professor livre docente e vice-chefe do Departamento de Oftalmologia e Ciências Visuais da Universidade Federal de São Paulo

A saúde ocular dos atletas é um aspecto crucial para o desempenho esportivo, muitas vezes negligenciado. Nos Jogos Olímpicos e Paralímpicos de 2016 no Rio de Janeiro, um estudo pioneiro Liderado pelo oftalmologista Mauro Campos, professor livre docente e vice-chefe do Departamento de Oftalmologia e Ciências Visuais da Universidade Federal de São Paulo, revelou dados importantes sobre a demanda por serviços oftalmológicos entre os atletas. Este estudo, publicado originalmente no British Journal of Sports Medicine (BJSM) em 10 de outubro de 2020, demonstrou uma correlação significativa entre a condição socioeconômica dos países e a necessidade de cuidados oftalmológicos. Agora, com os Jogos Olímpicos de Paris 2024 recém realizados, essas descobertas foram mais relevantes do que nunca para o planejamento de serviços de saúde ocular em grandes eventos esportivos. Nesta entrevista, Mauro Campos compartilha detalhes do estudo, suas experiências durante os Jogos Rio 2016, e as implicações para o futuro dos cuidados oftalmológicos em eventos globais.

 

Revista Universo Visual: Pode nos contar sobre o objetivo principal do estudo durante os Jogos Olímpicos e Paralímpicos de 2016?

Mauro Campos: O principal objetivo do nosso estudo foi avaliar a frequência de atendimento na clínica oftalmológica durante os Jogos e correlacionar esses dados com os indicadores da OMS sobre saúde ocular. Queríamos entender melhor como a infraestrutura de saúde ocular dos países participantes influenciava a demanda por serviços oftalmológicos durante o evento.

UV: Quais foram as principais descobertas do estudo?

Campos: Descobrimos que a frequência de atendimento oftalmológico foi significativamente maior entre atletas de países com menores índices de desenvolvimento socioeconômico. Por exemplo, países de baixa renda tiveram uma frequência de atendimento de 22,43%, enquanto países de alta renda tiveram apenas 1,97%. Essa correlação positiva entre a prevalência de deficiência visual moderada a grave e a frequência de atendimento foi uma das descobertas mais notáveis.

UV: Como você explicaria essa diferença na frequência de atendimento entre os países?

Campos: Países com sistemas de saúde menos desenvolvidos e menos profissionais de oftalmologia por milhão de habitantes tendem a ter maior prevalência de problemas de visão não corrigidos. Durante os Jogos, esses atletas aproveitaram a oportunidade para realizar exames oftalmológicos e receber óculos corretivos, algo que talvez não fosse tão facilmente acessível em seus países de origem.

UV: Pode nos contar um pouco sobre a experiência de organizar o atendimento oftalmológico na Policlínica da Vila Olímpica?

Campos: Foi uma experiência incrível. A Policlínica foi projetada para atender mais de 10 mil atletas e membros das delegações, com 180 profissionais de saúde de várias especialidades. O ambiente era alegre e festivo, e a organização foi exemplar. Os consultórios de oftalmologia faziam parte dessa estrutura, proporcionando desde consultas para prescrição de óculos até tratamento de traumas oculares.

UV: Quais foram as condições oftalmológicas mais comuns observadas durante o evento?

Campos: A condição mais comum foi o erro refrativo, ou seja, a necessidade de óculos ou lentes de contato para corrigir problemas de visão como miopia, hipermetropia e astigmatismo. Também observamos alguns casos de catarata, principalmente entre os membros das delegações mais velhos, e traumas oculares, especialmente entre atletas de esportes de impacto como o boxe e o polo aquático.

UV: Como a sua equipe lidou com esses atendimentos?

Campos: Além de realizar os exames, fizemos parcerias para fornecer óculos aos atletas que necessitavam. Esta foi uma iniciativa inédita que garantiu que eles pudessem competir em suas melhores condições visuais. Isso foi particularmente importante para atletas de países com menos acesso a cuidados oftalmológicos.

UV: O estudo teve algum impacto nos Jogos subsequentes?

Campos: Sim, nossos dados foram utilizados para planejar a estrutura de atendimento oftalmológico em eventos futuros, como os Jogos de Tóquio e agora Paris. As informações coletadas ajudaram a estimar a demanda e a planejar o número de profissionais necessários para garantir um atendimento adequado.

UV: Existe alguma iniciativa em andamento para melhorar o acesso a cuidados oftalmológicos nos países com maior necessidade?

Campos: Vemos algumas melhorias, especialmente em programas de saúde ocular infantil em regiões onde a gestão da saúde é mais autônoma. Além disso, iniciativas de mutirões oftalmológicos têm se transformado em programas contínuos, o que é um avanço significativo. Ainda há muito a ser feito, mas estamos caminhando na direção certa.

UV: Alguma consideração final sobre a importância deste estudo?

Campos: Este estudo reforça a necessidade de provisionar serviços de saúde especializados durante grandes eventos esportivos, especialmente para atletas de países com menos acesso a esses cuidados. Ele também destaca a importância de fortalecer os sistemas de saúde ocular globalmente, garantindo que todos, independentemente de sua origem, tenham acesso a cuidados oftalmológicos de qualidade.

 

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