Não sou um grande tenista, infelizmente. Mas sempre fui atleta. Joguei handebol minha vida inteira, desde a 4a série até meu 6º ano de Medicina. No esporte experimentei grandes vitórias e acima de tudo grandes derrotas. Coisas que só o esporte ensina. Minha carreira como tenista, entretanto, começou tarde e se encerrou precocemente devido a uma segunda lesão do ligamento cruzado do meu joelho direito.
Lembro que, nos encontros dos residentes da oftalmologia da Escola Paulista de Medicina, o famoso encontro do CEO, sempre jogávamos tênis. Em um jogo de duplas acertei um “smash” com toda minha força no pescoço do nosso querido Dr. Jonathan Lake. Foi terrível!
Quando voltei do meu fellowship na Espanha com o Dr. Jorge Alió, ganhei de presente de aniversário da minha esposa um vale aula de tênis. Foi um ótimo presente, aliás fica a dica! Treinava na Atlética da Escola Paulista de Medicina (AAAPB) com o professor Aílton, vulgo Gorducho. Ele era um excelente professor de tênis; e foi quando meu jogo evoluiu muitíssimo.
Nessa época li um livro que mudou meu tênis e principalmente minha vida: “Mental Tennis”, how to psych yourself to a winning game, de Vic Braden. O autor é um psicólogo americano e dono de uma academia de tênis na Califórnia. No livro ele aborda temas relacionados ao desenvolvimento mental dentro do tênis, mas que podem ser extrapolados para outras esferas da vida, como para a formação de uma mentalidade de excelência em suas habilidades cirúrgicas e profissionais, por exemplo.
O trecho que mais me marcou nesse livro foi que, no jogo de tênis, há somente um momento em que se pode fazer algo, que é exatamente nos 300 milissegundos que a raquete encosta na bola de tênis. O que aconteceu anteriormente não importa; e o que virá a acontecer será somente o resultado do agora. Então o foco do tenista profissional está totalmente voltado para o presente, para esse golpe e esse golpe somente.
Tendo isso em mente, como cirurgiões, podemos utilizar essa filosofia para desenvolvimento de nossas habilidades cirúrgicas. O foco está voltado para cada passo cirúrgico e para cada passo cirúrgico somente, desde uma boa colocação do campo cirúrgico, incisão, capsulorrexis, posicionamento da LIO, assim como a confecção do flap, sua centralização e entrega do perfil de ablação. Esses são alguns exemplos de passos críticos que merecem todo o nosso comprometimento e que muitas vezes são menosprezados.
A excelência está nos detalhes. Implantar uma LIO dentro do saco capsular é trivial, mas quantos cirurgiões de catarata estão realmente preocupados em utilizar uma incisão limbar de 2.2 mm ou realizar uma capsulorrexis perfeitamente circular e centralizada em 100% das vezes? Isso sem falar na correção do astigmatismo com o uso de LIOs tóricas. Na pesquisa de prática cirúrgica da ESCRS de 2021, somente 15% das cirurgias de catarata em pacientes com astigmatismo clinicamente significativo envolvem o implante de LIOs tóricas. Cerca de 35% dos cirurgiões utilizam fórmula SRK/T para cálculo biométrico; uma fórmula desenvolvida há mais de 33 anos! Isso que estamos falando de cirurgiões que realizam em média mais de 350 procedimentos por ano, sendo que 21% realizam mais de 600 cirurgias.
Atualmente não existe desculpa para não utilizar fórmulas de última geração. A calculadora online da ESCRS (https://iolcalculator.escrs.org/) encontra-se disponível de maneira gratuita e permite comparar o resultado de 7 fórmulas modernas, são elas: Barrett, Cooke K6, EVO, Hill-RBF, Hoffer QST, Kane e Pearl DGS. Nosso protocolo de cálculo de LIO utiliza biometria óptica por swept-source OCT e cálculo de poder primariamente pela fórmula de Barrett, porém sempre em comparação com as fórmulas da calculadora da ESCRS. Fazemos também o cálculo de LIO tórica para 100% dos casos e as utilizamos de acordo com o indicado pela calculadora. Utilizo LIO tórica em 37.4% dos olhos que opero.
Contamos em nosso serviço com um setor de qualidade ativo, que avalia todos os resultados refrativos e fornece relatórios trimestrais para cada cirurgião. Minha precisão (porcentagem de olhos entre ±0.50 D de equivalente esférico) para Femto-LASIK, ICL e LIO Trifocal é respectivamente 93.9%, 95.5% e 93.6%, enquanto meu astigmatismo pós-operatório ≤ 0.50 D é 92.9%, 90.9% e 93.1%. Isso significa que chegamos ao momento dentro da óptica cirúrgica no qual a precisão dos procedimentos refrativos intraoculares é equiparável à dos procedimentos ceratorrefrativos com Excimer laser. Algo impensável até pouco tempo atrás!
Mas esse tipo de resultado é simplesmente fruto do comprometimento em qualidade. Aristóteles dizia que nós somos aquilo que fazemos repetidamente. E que excelência, portanto, não é um ato, mas sim um hábito. Assim, os convido para desenvolver uma mentalidade de jogador vitorioso, não como tenistas, mas sim como cirurgiões.
“The Devil is in the details, but so is salvation”