Em 12 horas, 130 cariocas procuraram atendimento emergencial no Hospital municipal Souza Aguiar. Cegueira temporária é um dos sintomas
A Secretaria municipal de Saúde do Rio divulgou um alerta nas redes sociais nesta quinta-feira sobre uma pomada para cabelo que tem causado queimaduras nos olhos dos cariocas. O produto é utilizado para fazer penteados, como tranças e baby hair. Um dia depois do Natal, na última segunda-feira, foram 130 atendimentos em apenas 12 horas na unidade de saúde do município. Os pacientes relataram dores, ardência, embaçamento e dificuldade para abrir os olhos.
A dona de casa Zenilda Almeida, de 51 anos, começou a sentir os sintomas no domingo, depois que tomou banho e lavou o cabelo. Para as comemorações de fim de ano, ela decidiu fazer tranças. O procedimento utiliza uma pomada para modelar e fixar o penteado.
— Ardia e doía muito. Eu já estou acostumada a fazer, nunca me deu esse problema. Não esperava acontecer. Eu fiz a trança no sábado no domingo lavei o cabelo. A água escorreu pelo olho. Depois do banho, meu olho começou a embaçar, arder e eu via luzes coloridas quando olhava para a claridade. No dia seguinte começou a queimar muito, a lágrima estava quente. Quando eu cheguei ao hospital tinham outras pessoas com os mesmos sintomas — conta Zenilda, que mora na Mangueira, onde fez o penteado.
Segundo ela, o cabeleireiro não tinha costume de usar aquela pomada.
— Eu falei com o rapaz que fez meu cabelo, ele disse que não estava acostumado a usar o produto. Me pediu desculpas, disse que estava assustado e que ninguém apareceu reclamando — disse a dona de casa.
Na última segunda-feira, a procura por atendimento mais que dobrou no Souza Aguiar, que tem emergência oftalmológica. De 60 atendimentos em dias normais, a médica Anna Beatriz Simões, informou ter atendido mais de 130 pessoas em 12 horas de plantão. Ao longo da semana, ela recebeu pelo menos outros 20 pacientes com os mesmos sintomas. A maioria era mulheres e crianças.
De acordo com a oftalmologista, são muitas marcas e os produtos têm uma série de substâncias, como fixante, corante e geralmente possuem o ph mais ácido, que favorece a queimadura de uma mucosa sensível como a dos olhos.
— O que ocorre é uma lesão na córnea, a superfície externa do olho. As substâncias causam uma ceratite, provocando embaçamento, vermelhidão, lacrimejamento intenso e muita dor, impedindo a pessoa de abrir os olhos. Também causa uma cegueira momentânea, por conta da queimadura na córnea. Como são muitas marcas, e alguns potes sem identificação, eu estou pedindo para os pacientes mandarem fotos para a gente compilar e identificar esses produtos — explica a médica.
A recuperação leva em média 5 a 7 dias, podendo chegar a quinze, dependendo da profundidade da ferida. O tratamento envolve pomadas oftalmológicas e compressas de água gelada. O soro fisiológico, ao contrário do senso comum, não é indicado.
— A recomendação, em caso de contato com o produto, é lavar em água corrente e procurar atendimento médico. O soro é mais salgado, então prejudicaria mais ainda, porque ele “rouba” a água presente na lágrima, piorando o quadro de queimadura. Também é importante fazer o acompanhamento da recuperação – informa Anna Beatriz.
Três meses depois de sofrer a queimadura na córnea, em setembro deste ano, a advogada Yasmin Alarcão, de 27 anos, ainda lida com as sequelas da lesão.
— Até hoje eu preciso usar colírio. Quando me exponho a alguma luz forte, arde um pouco, e eu não tinha isso antes. A minha médica, depois de me dar alta, disse que a córnea tem muitas terminações nervosas e a cicatrização demora mais que o normal. — conta a advogada, que fez as tranças para ir a um festival de música.
— A trancista passou uma pomada para fazer o baby hair e para deixar a trança bem juntinha. No evento, choveu muito e escorreu água no meu rosto. Logo depois eu comecei a sentir a minha visão embaçada, mas pensei que fosse a maquiagem e que lavar o rosto resolveria. No dia seguinte eu fui à emergência e descobri a lesão. Fiquei super assustada. Foram quatro dias sem conseguir abrir os olhos direito — relata. — Apesar do trauma, eu gosto de falar sobre isso porque quanto mais gente ficar atenta, menos riscos as pessoas vão correr — acrescentou a advogada. Segundo ela, a cabelereira não soube informar a marca do produto que usou.
A Ômegafix, uma das pomadas utilizadas nos procedimentos e relatados pelos pacientes atendidos no Souza Aguiar, está na lista de produtos não regulamentados pela Anvisa desde 22 de março deste ano. No último dia 14, a Agência emitiu um alerta sobre o risco de efeitos colaterais graves, como cegueira temporária, possivelmente associados a produtos utilizados para trançar e modelar cabelos. O documento é resultado de relatos que a agência tem recebido sobre os problemas, além de notícias veiculadas na mídia que chamaram a atenção do órgão. As notificações recebidas seguem em investigação.
No alerta nas redes sociais, a Secretaria municipal de Saúde do Rio destacou que “é fundamental adquirir e usar apenas produtos regularizados junto à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), respeitar as instruções do fabricante ou importador quanto às condições de uso dos produtos e o prazo de validade, e atentar para a lavagem das mãos sempre que fizer uso de algum produto cosmético.”
Pelo site da Anvisa, é possível consultar quais produtos são regularizados e também os proibidos. Caso tenha algum problema ou evento adverso, também é possível notificar de forma online. Suspeitas de irregularidades de empresas podem ser denunciadas pelo 1746, pelo telefone de mesmo número ou pelo portal https://1746.rio.
Fonte: Jornal O Globo