Artigo traduzido e adaptado “3-D Printing Technology In Ophthalmology”, da Review of Ophthalmology, de abril de 2018.
Muitos avanços tecnológicos que impactam a oftalmologia originam-se de médicos ou pesquisadores do campo. Ocasionalmente, no entanto, avanços em outras áreas tornam-se interessantes para os oftalmologistas. Uma dessas tecnologias é a impressão 3D, que permite que qualquer pessoa projete e crie um objeto tridimensional sem muitas das dificuldades práticas associadas aos métodos de manufatura mais antigos.
O Dr. Brett Kotlus, um cirurgião oculoplástico baseado em Nova York, especializado em procedimentos cosméticos e reconstrutivos do olho e da face, interessou-se por esta tecnologia, e já a utiliza de forma criativa para melhorar os cuidados do paciente. “A impressão 3D não é uma tecnologia nova; na verdade já existe há 30 anos”, diz ele. “Ela tornou-se mais acessível nos últimos oito a dez anos, uma vez que agora temos impressoras mais acessíveis e mais materiais que podemos usar nas mesmas”.
Como funciona a impressão 3D
O processo de impressão 3D, denominado manufatura aditiva, cria um objeto tridimensional depositando camada após camada do material até que o objeto completo seja construído. O processo é guiado por um computador. “Em contrapartida, a manufatura tradicional utiliza a moldagem por injeção para criar um objeto, ou a chamada tecnologia de redução, que remove camadas do material de um bloco para criar uma forma final”, observa Dr. Kotlus. “Essas abordagens podem ser muito demoradas e caras, quando você deseja criar algo personalizado ou exclusivo”.
Dr. Kotlus explica que as impressoras 3D utilizam um dos dois métodos principais para acrescentar camadas sucessivas à medida que o objeto é criado. “Um é a extrusão, no qual o material é forçado através de um bico extrusor, da mesma maneira que uma pistola de cola”, diz ele. “Em geral, o material usado nesta situação é plástico derretido”. Outro método é a sinterização, no qual um pó ou líquido é depositado camada por camada; em seguida, uma luz ou laser é projetado sobre ela para endurecer o material seletivamente. De qualquer modo, as camadas são colocadas de forma sucessiva para criar um objeto sólido.
“Os limites desta tecnologia se resumem a que materiais estão disponíveis e a que nível de resolução as máquinas atuais conseguem imprimir”, continua ele. “Hoje é possível imprimir um objeto em praticamente qualquer material. Eu imprimi em cerâmica e metal, e você pode imprimir até em tecidos vivos. Uma abordagem para imprimir em tecidos vivos é imprimir uma estrutura por meio de extrusão e, a seguir, preenchê-lo com células vivas ou tecido. Entretanto, outras abordagens também estão sendo estudadas no momento. No que se refere ao limite a que se pode chegar, acho que a resolução é relativamente ilimitada. Não vejo por que não poderíamos fazer uma impressão microscópica em 3D, da mesma maneira como são criadas as placas de circuito”.
Projetando instrumentos
Dr. Kotlus observa que há várias maneiras sobre como a impressão 3D pode ser útil na oftalmologia. “Esses usos incluem a prototipagem e a criação de novas ferramentas cirúrgicas; ajudar no planejamento cirúrgico; criar implantes personalizados; e ajudar os pacientes a visualizarem os benefícios potenciais de um procedimento”, afirma.
Dr. Kotlus já utilizou a impressão 3D para desenvolver novas ferramentas que podem ser usadas em sua prática. “Minha prática é exclusivamente oculoplástica e cirurgia cosmética, então desenvolvi instrumentos para ajudar na avaliação e procedimento de blefaroplastia”, diz. Uma das ferramentas que ele projetou é algo que ele chama de pinça de pálpebras. “É uma ferramenta que você pode usar para demonstrar ao paciente como ficaria se não fizéssemos a blefaroplastia e deixássemos a pele como está , diz ele. “A forma da pinça segue o formato da pálpebra e tem uma régua para que eu possa fazer minhas medições sem ter que usar um instrumento separado.”
Dr. Kotlus explica que ele desenha à mão o formato e as dimensões do objeto que gostaria de criar e, a seguir, contrata um designer, que o transforma em uma renderização digital. “A seguir, envio a renderização digital a uma empresa de impressão 3D na cidade de Nova York, chamada Shapeways”, afirma. “Eles a imprimem para mim no material que eu seleciono. O custo da impressão de um item depende do material usado e de seu tamanho; meus instrumentos variam de US$ 8 a US$ 40 por impressão. Uma das vantagens de fazer desta maneira é que a empresa consegue imprimir em materiais que eu não consigo, como aço inoxidável. No momento, as impressoras capazes de fazer isso podem custar seis ou sete dígitos para adquiri-las.”
Dr. Kotlus afirma que depois que desenhou sua ferramenta de blefaroplastia, ele fez 20 cópias usando a impressão 3D. “Eu as enviei para alguns de meus colegas em todo o país, pedindo seu feedback”, afirma. “Eles me enviaram um e-mail com sugestões de como aperfeiçoar o projeto, o que me permitiu fazer modificações com base em seu feedback. É como um projeto de participação coletiva. Agora, ao invés de ter que fazer um novo molde da maneira como eu o faria se fosse uma ferramenta moldada por injeção posso simplesmente pedir que meu designer faça uma mudança no arquivo e, depois, imprima a nova versão.”
Dr. Kotlus observa que, neste momento, a impressão 3D é mais econômica que os métodos mais antigos para criar algo como uma ferramenta cirúrgica, desde que seja um item personalizado ou se você estiver fazendo uma quantidade limitada. “Se você tiver que fabricar uma grande quantidade de itens, os métodos tradicionais de manufatura serão mais rápidos e mais acessíveis”, observa. “Mas se você estiver tentando criar algo personalizado, então a impressão 3D frequentemente é a melhor opção, supondo que o material correto esteja disponível.”
“A realidade é que é difícil atrair o interesse dos fornecedores para um instrumento personalizado se eles não acreditarem que haverá um mercado considerável”, diz ele. “O custo do projeto e moldagem, sem mencionar o marketing, pode ser significativo. Como resultado, frequentemente é mais rápido e mais fácil cortar o intermediário ao criar um item de nicho ou nos estágios iniciais de desenvolvimento, e fazer você mesmo com a impressão 3D. Uma vez que você tenha uma prova de conceito, pode ser mais fácil abordar os maiores empresários do setor.”
Outros usos na oftalmologia
Em termos de ajuda no planejamento cirúrgico, Dr. Kotlus descreve algumas das maneiras como essa tecnologia poderia ser útil. “Por exemplo, você pode usar essa tecnologia para imprimir uma cópia da anatomia do paciente e examiná-la em 3D , diz ele. “Se você estiver fazendo algo que envolva cortar ou rearranjar ossos, você pode copiar a estrutura esquelética do paciente e praticar a cirurgia no modelo antes de realizá-la no paciente. Isso o ajuda a visualizar abordagens e estruturas em três dimensões, o que pode aumentar sua compreensão do problema e fazer com que um procedimento transcorra de maneira mais tranquila”.
Em termos de impressão de implantes personalizados, como um dispositivo de dispensação de medicamento ou prótese de retina, Dr. Kotlus afirma que o céu é o limite. “O que quer que pensemos pode ser viável, desde que tenhamos a tecnologia para trabalhar com os materiais apropriados”, afirma ele. “Não imprimi pessoalmente nenhum implante personalizado devido à seleção limitada de materiais aprovados até o momento, embora haja um material rígido aprovado pela FDA para reconstrução craniofacial. Eu detenho uma patente de um processo de implante personalizado que utiliza silicone, mas atualmente requer o uso de moldagem por injeção. Há ainda alguns obstáculos a serem superados em termos de criação de implantes de silicone com impressão 3D.”
Dr. Kotlus afirma que a impressão 3D também pode ser usada para ajudar os pacientes a visualizarem o resultado provável de um procedimento. “Eu tenho usado imagens em 3D para o que você poderia chamar de morphing pré-operatório de imagem”, explica ele. “Você consegue mostrar a um paciente como um implante de queixo ficaria ou uma mudança no nariz. Com nosso software de imagens em 3D, as imagens que criamos podem ser impressas em um modelo físico que os pacientes podem segurar em suas mãos.”
Desafios a superar
Dr. Kotlus afirma que um grande desafio desta tecnologia é ter capital e recursos para desenvolver novos materiais. “Novos materiais deverão ser desenvolvidos e depois aprovados para finalidades médicas”, observa ele. Por exemplo, digamos que você deseje criar uma lente intraocular. Você precisaria de um material que fosse capaz de resistir ao processo de impressão 3D, ao mesmo tempo mantendo a clareza, formato e tamanho. Obviamente, ainda não chegamos lá. O processo de aprovação da FDA também ainda está no início, porque o uso médico desta tecnologia é relativamente novo. Entretanto, eles na realidade dispõem de novas diretrizes para a impressão médica em 3D. A FDA reconheceu que este é um campo em desenvolvimento que vai desempenhar um papel na medicina.
“A resolução da impressora também pode ser um obstáculo, dependendo do que você está tentando imprimir e do material envolvido”, prossegue ele. “Mas um dos maiores obstáculos é ter um conteúdo realmente útil para criar. É fácil dizer que podemos criar um protótipo de instrumentos; mas, se você não tiver uma ideia sólida de um instrumento, então, a tecnologia só vai levar você até certo ponto. Sem essa parte da equação, a impressão 3D terá uso limitado.”
Dr. Kotlus destaca um desenvolvimento futuro que deve ser particularmente útil no campo da medicina: a capacidade de usar múltiplos materiais no mesmo implante. “Por exemplo, se você tem uma bioimpressora 3D que pode usar diferentes tipos de células, você poderia, potencialmente, imprimir órgãos”, diz ele. “Isto parece ficção científica, mas penso que seja possível. É simplesmente uma questão da tecnologia evoluir na mesma direção que tem evoluído, e as aprovações ocorrendo ao mesmo tempo.”
A impressão 3D pode ser usada para criar implantes personalizados.
Acima: Um implante de queixo personalizado em acrílico, ao lado de uma cópia impressa em 3D da mandíbula do paciente.
Aproveitando ao máximo a tecnologia 3D
Dr. Kotlus observa que as impressoras 3D tornaram-se muito acessíveis. “Você pode adquirir uma impressora 3D que usa plástico por menos de US$ 500”, afirma ele. “Você pode baixar modelos da Internet que podem ser impressos em sua casa. Ou, ao invés de adquirir uma impressora, você pode ir a locais que tenham impressoras disponíveis, tais como lojas de suprimentos de escritório ou Home Depot, e imprimir você mesmo os arquivos. Na Shapeways, o serviço de impressão em 3D que eu uso na cidade de Nova York, você pode navegar pelos modelos que os designers criaram; eles os imprimirão e enviarão a você.” (Dr. Kotlus observa que ele criou projetos próprios que estão disponíveis na Shapeways, incluindo um modelo de abotoaduras de prata e um de um recipiente no qual você pode armazenar lâminas de barbear. Ele ganha royalties, se um de seus projetos for utilizado, mas ele também disponibilizou os arquivos on-line para que qualquer pessoa possa baixá-los e imprimi-los por conta própria.)
Dr. Kotlus admite que a maioria dos oftalmologistas provavelmente não necessita desta tecnologia em seus consultórios hoje, tendo em vista os usos médicos limitados disponíveis até o momento. “Muitos dentistas agora usam essa tecnologia em seus consultórios para criar implantes dentários, mas em um consultório médico ela ainda não é de fato necessária”, diz ele. “Se você estiver interessado em experimentar a tecnologia ou se tiver filhos interessados nela, este poderia ser um motivo para adquirir um dispositivo. Mas, profissionalmente, se você estiver interessado em criar algo como um protótipo de instrumento, provavelmente é mais fácil fazer como eu fiz.”
“Essa tecnologia já está sendo utilizada mais do que você imagina”, acrescenta ele. “A Universidade de Michigan vem criando implantes para ajudar crianças com traqueias estreitas por causas congênitas. Eles os implantaram e salvaram vidas, e houve relatos de outros implantes reconstrutivos bem-sucedidos impressos em 3D. Há também um projeto chamado “E-nable”, que reúne amadores que têm impressoras 3D e crianças que necessitam de próteses, tais como prótese de mãos. O projeto fornece os blueprints que podem criar o membro prostético; grupos de escoteiros e alunos do ensino fundamental são então capazes de criar esses membros e fornecê-los às crianças que deles necessitam. Eles podem até fazê-los nas cores dos super-heróis. Este programa ajuda essas crianças a integrar e interagir em um ambiente social. Acho que veremos mais de todos esses tipos de uso . “Este é claramente um campo em evolução”, conclui ele. “Estou animado para ver o que acontecerá a seguir.”
Fonte: Review of Ophthalmology