Abordando o tema descrito no título deste texto, quatro importantes figuras debateram, em uma mesa redonda, para onde estamos caminhando quando o assunto é saúde e tecnologia. Dentre as perguntas mais comuns, emergiu a que mais chama atenção dos profissionais de saúde: “A tecnologia irá substituir os médicos?”
Segundo o médico, professor e CEO da SDConecta, Lorenzo Tomé, não, porém depende. De acordo com o especialista, a tecnologia retira atritos e melhora processos, e isso é muito importante para o setor da saúde, mas tudo depende de como o profissional decide lidar com o que é novidade.
“Vou ser substituído pela tecnologia? Se você é atrito para o trabalho é melhor que seja substituído mesmo, é duro, mas é verdade. Mas se não sou atrito e caminho junto, há complemento”, afirmou, acrescentando que “a grande transformação, na verdade, não está na tecnologia, mas na mentalidade”.
“Enquanto eu como profissional preocupado não enxergar a tecnologia como redução de atrito e melhoria de processos, eu serei atrito.”
Assim como diversas pessoas já possuem uma percepção diferente do que é digital, médicos já estão saindo da faculdade com um conceito diferente do verdadeiro propósito da era tech. Wagner Sanchez, mestre em tecnologia e Pró-Reitor do Centro Universitário FIAP, destacou que as tecnologias estão se fundindo e criando novas oportunidades, o que é imprescindível para uma sociedade mais inclusiva, principalmente a partir de sua visão de professor
“Nossos alunos têm oportunidades incríveis. Tudo isso, como o novo metaverso, vai destravando outras tecnologias e, consequentemente, uma sociedade mais inclusiva com qualidade de vida. A gente nem lembra mais o que é passar torpedo, não sentimos falta das antigas tecnologias, todas as nossas ações de agora destravam oportunidades para novas gerações. Ela é aliada, nos deixa mais eficientes. Me conecto melhor com meus alunos e é assim em todas as carreiras, incluindo medicina”, explicou Sanchez.
Ao complementar a ideia do Dr. Tomé, ele ainda adiciona: “Não trabalhe como robô, senão você será substituído por um deles”.
Tecnologia é cultura
Sim! Para quem nunca relacionou uma ponta a outra, tecnologia também tem a ver com cultura. Em constante movimento, uma modifica a outra, tendo a capacidade de alterar todas as atividades de uma população, mudando conceitos e estabelecendo novas práticas e técnicas.
“A transformação digital não se baseia só em tecnologia, mas em cultura. As consultas on-line, por exemplo, é uma mudança cultural. De tudo que a gente passou com a pandemia isso é um resultado positivo”, disse o Gerente de Vendas de Saúde e Ciências da Vida do Google Cloud Brasil, Maurício C. Hauptmann. “A tecnologia é um viabilizador para dar mais saúde de qualidade. Ela tem uma capacidade importante de acesso com custos mais baixos e com segurança, respeitando as LGPD.”
E por falar em Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), Hauptmann, especialista em armazenamento em nuvem, discorreu sobre o que é hoje um dos maiores assuntos em tecnologia, a segurança dos dados.
“Gerir o fluxo de dados na saúde sem comprometer os dados é um tema bastante crítico. Acho que as tecnologias trazem conforto, e a segurança é um pilar, uma obrigação. Todo mundo que entra no mundo digital precisa ter consciência disso. Levamos isso muito a sério, a falta de segurança tem consequências e custos”, lembrou o manager, destacando que um dos pilares principais é “o consentimento do paciente”, algo que é recomendado ao mercado da saúde como um todo.
Para o Dr. Guilherme Pereda, convidado para falar de uma perspectiva de tecnologia e cura, a LGPD é um exemplo do que a transformação digital pode corrigir.
“A tecnologia também trouxe boas práticas para dados na saúde, como o caso da LGPD. Ela trouxe cura no sistema de saúde, nas redes, na regulação, para os profissionais, nas clínicas, hospitais, operadoras, pacientes, e até mais segurança nos materiais, medicamentos e diagnósticos. Em cada um destes tópicos a tecnologia pode proporcionar cura”, afirmou Pereda, que é gerente médico da Healthcare Alliance e Fundador e Diretor da MedXP.
Inovação na saúde: o que esperar?
Além de uma mudança de mindset – tema também abordado no evento por Solange Mata Machado, da Imaginar Solutions – há muito mais por vir no campo da tecnologia, segundo Sanchez, porque a inovação parte das histórias de vida, e histórias e necessidade de melhorias não faltam. Além disso, ela está cada vez mais acessível, mesmo que não dê para mensurar essa “evolução exponencial, que ainda tem um futuro incerto”.
“Ela [a tecnologia] está a cada dia mais acessível, exemplo disso é o avanço de aparelhos que fazem a leitura dos nossos biosinais. Ou os que captam as pulsações, temperatura, batimento, pressão arterial e etc. A tecnologia na saúde hoje pode proporcionar um filme, e não mais só uma foto. Eu posso entregar um filme da saúde da minha vida.”
O uso da tecnologia facilita o trabalho e acesso. Para os profissionais citados, que são mergulhados tanto na área de TI quanto em saúde, debates como esse – e estudos, claro – ajudam a desmistificar ideias, como a de que o médico será substituído, quando na verdade a intenção é dar “superpoderes” a ele.
“Humanização e telemedicina não têm comparação, é comparar banana com melancia”, disse o Dr. Tomé. “Telemedicina mesmo, é acesso, é ir além de fronteiras e atender lugares mais inacessíveis, como o Amazonas.”
Saúde digital é realmente para todos?
É impossível falar de tantos avanços e não observar que esse conhecimento e esforços ainda não alcançam a grande parte de quem realmente precisa. Uma pesquisa da Global Health Service Monitor 2021, realizada pela Ipsos, mostrou que de 10 brasileiros, 9 não têm condições de pagar por convênios de saúde. Preço, dificuldade no agendamento de consultas e distância do domicílio foram os principais pontos citados.
Em um outro levantamento, de 2020, a Pesquisa Nacional de Saúde realizada pelo IBGE apontou que 150 milhões de brasileiros dependem do SUS, o número equivale a mais de 70% da população tendo apenas as Unidades Básicas de Saúde (UBS) para suporte – o que explica a sobrecarga do sistema de saúde brasileiro. O mesmo estudo também aponta que, entre alguns que conseguem custear o mínimo para ir ao médico e outros que dependem do SUS, cerca de 35 milhões de brasileiros ainda não têm acesso a nenhum serviço de saúde.
“A gente precisa urgentemente ver o tanto de dinheiro que estamos deixando para saúde, porque os resultados de investimento em saúde são a longo prazo. Há uma despriorização de pautas de saúde porque isso não traz votos a longo prazo. Meu pedido nesse âmbito é orçamento”, explanou Tomé ao ser questionado sobre o que é preciso para que a saúde digital chegue ao povo.
“Educação e tecnologia é o meu ponto. Acho que esse é o caminho, é formação, educação e ciência. O que eu pediria é; destravem as coisas para que a gente possa crescer, pautado em ciência, claro. A gente tem tanta tecnologia e caminhos, e ainda tem tantas travas e corporativismo, e isso, obviamente, atrasa o país. Então meu pedido é educação e tecnologia, inclusive nas escolas públicas. Não é tecnologia por tecnologia, ela não substitui o professor, mas oferece ferramentas para que ele tenha conexão com alunos. Invistam na educação”, opinou Sanchez.
Para Hauptmann, informação pode “empoderar pessoas”. Ter informação faz a diferença, principalmente em processos de saúde. “Ter acesso completo às informações, assim é possível compartilhar com qualquer médico, o que barateia e facilita o processo. A tecnologia associada a uma regulação bem feita vai trazer uma diferença bem grande no quesito gestão.”
Mediando a mesa estava a Deputada Adriana Ventura (Novo). E não por uma coincidência, já que a parlamentar é a autora do Projeto de Lei n° 1998/2020 que autoriza e define a prática da Telemedicina de forma permanente no Brasil -antes era aprovada em caráter emergencial. O PL, que tramita desde 2020 (quando começou a pandemia da Covid-19), é o primeiro do Partido Novo aprovado no Plenário da Câmara a obter sanção presidencial. A proposta está agora no Senado.
Fonte: Olhar Digital