Três organizações que apoiam a prevenção da cegueira no Brasil receberam o Prêmio Champalimaud de Visão 2019, no valor de um milhão de euros.
Das comunidades remotas da floresta Amazônica às maiores cidades do Brasil estas instituições desenvolvem um trabalho no sentido de estender a toda a população a possibilidade de ter um pare de óculos e cuidados oftalmológicos.
Os vencedores foram o Instituto Visão – IPEPO, liderado por Rubens Belfort Jr., e que desenvolve um trabalho na Floresta Amazônica; A Fundação Altino Ventura, cujo presidente é Marcelo Ventura; e o Serviço de Oftalmologia da UNICAMP, da Universidade de Campinas.
Combate ao Pterígio
“O trabalho da nossa instituição consiste em facilitar o acesso do atendimento oftalmológico na população combatendo a cegueira e usando tecnologia moderna, teleoftalmologia e recursos modernos para atuar em regiões mais remotas do Brasil”. É assim que Rubens Belfort Jr., presidente do IPEPO, resume o trabalho da instituição. Fundada em 1990, atua na região de São Paulo e em áreas da Amazônia.
Só nos últimos cinco anos, o IPEPO realizou cerca de dois milhões de consultas oftalmológicas e mais de 100 mil cirurgias oculares, segundo um comunicado da Fundação Champalimaud. Além do atendimento, Rubens Belfort Jr. destaca a investigação científica. “Realizamos estudos epidemiológicos muito importantes para saber quais as causas de cegueira na Amazônia e como atuar e diminuí-las”, diz, salientando a investigação relacionada com o pterígio. Através de um levantamento populacional feito com pessoas a partir dos 45 anos da Amazônia, percebeu-se que o pterígio era uma causa muito substancial de cegueira.
“Quando estudamos as causas da cegueira [na Amazônia], o pterígio aparece como a terceira causa, o glaucoma a segunda e a catarata a primeira, mas ainda não sabemos bem se o pterígio é uma causa reversível ou irreversível”, esclarece Solange Salomão, professora da Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo, que está ligada ao IPEPO. De acordo com Solange, a cirurgia ao pterígio resolverá, provavelmente, esse problema, mas é uma operação difícil, tem um pós-operatório complicado e cerca de 30% das pessoas que a fazem acabam por ter uma recidiva.
Mesmo assim, o IPEPO não tem parou de combater esta doença: já fizeram mais de 50 expedições à Amazônia e realizaram entre 500 a 1000 cirurgias gratuitas. Quanto às causas desta doença, desconfia-se que esteja associada à maior incidência de raios ultravioletas na Amazônia do que noutras partes do mundo e que isso tenha efeitos em várias estruturas dos olhos.
Agora, uma parte do Prêmio Champalimaud de Visão será usada no financiamento dos estudos do IPEPO e no tratamento às cataratas.
Um “projeto muito lindo” com crianças
Fundada em 1986, a Fundação Altino Ventura dedica-se à investigação científica, ao ensino e ao atendimento de pessoas do Sistema Único de Saúde. A história da fundação começou com uma clínica criada por Altino Ventura, em 1953. A partir daí, as atividades foram crescendo até surgir a fundação, agora presidida pelo seu filho Marcelo Ventura. Hoje esta família já tem 29 oftalmologistas.
Com sede no Recife, esta instituição já está em nove estados do Brasil, na sua emergência oftalmológica atende 15 mil doentes por mês (500 por dia) e trata de 190 mil doentes por ano. Ao longo da sua história, conta com a realização de mais de 14 milhões de procedimentos oftalmológicos e formou 572 oftalmologistas.
“Este prêmio vai nos permitir atender mais [pessoas] na área da reabilitação visual auditiva, motora e intelectual”, assinala Marcelo Ventura. O médico oftalmologista destaca que este prêmio será investido em recursos no atendimento às crianças, como as que têm problemas neurossensoriais, motores e de desenvolvimento provocados pela infecção congênita do vírus Zika. “Há algum tempo que temos trabalhado para fazer um projeto muito lindo de reabilitação visual, a hidroterapia, que dá acesso aos pacientes a tratamentos com água”, conta.
Como grande problema da oftalmologia no Brasil, Marcelo Ventura frisa a falta de financiamento. “Dentro do direito brasileiro existe o direito à saúde plena, mas infelizmente não existe acesso para que todos possam tê-la de forma garantida” Por exemplo, “a causa de baixa visão mais significativa é a falta de óculos” devido ao parco financiamento. Mesmo assim, salienta que houve melhorias nos últimos anos, como o “teste do olhinho”, um exame realizado em recém-nascidos que serve para detectar oculares congênitos.
Livre das cataratas
Integrado no Hospital de Clínicas da Unicamp, o Serviço de Oftalmologia dessa universidade dá aulas e presta atendimento. Atualmente está em 90 municípios próximos da cidade de Campinas – abrangendo cerca de cinco milhões de pessoas -, faz 3000 cirurgias às cataratas por ano, o seu serviço de ambulatório de oftalmologia atende 500 pessoas por dia e tem vários projetos reconhecidos mundialmente.
“Nos últimos anos, o que nos diferenciou foram as atividades a que chamamos “extramuros”, que são de oftalmologia comunitária”, diz Carlos Arieta, coordenador da disciplina de Oftalmologia na Unicamp. “Nós percebemos que as pessoas tinham dificuldade em chegar ao hospital, em 1986 iniciou-se o projeto “zona livre de catarata”. Carlos Arieta recorda que, nessa altura, foram a um bairro pobre de Campinas com cerca de 100 mil pessoas e fizeram exames, forneceram óculos e cirurgias. “A maior parte das pessoas com problemas de visão precisava de cirurgia para a catarata”. Depois, reproduziram este tipo de atendimento e, ao fim de poucos anos, este projeto já abrangia milhões de pessoas, acabando por ser replicado por outras instituições.
Agora, o maior desafio do Serviço de Oftalmologia da Unicamp continua a ser fazer com que as pessoas cheguem ao hospital. Afinal, ainda há cerca de um milhão de cegos no Brasil e entre três a quatro milhões de pessoas com problemas visuais. “O acesso ao atendimento e à saúde ocular é talvez o que a gente mais anseia”, considera Carlos Arieta. Por isso, nos próximos anos, há a ambição de formar uma rede pública de oftalmologia. Isto é, juntar os serviços de oftalmologia que estão subutilizados para aumentar o atendimento das pessoas. Espera-se que esta rede esteja em funcionamento entre 2020 e 2021.
“Vamos aproveitar a divulgação deste prêmio para propor aos gestores de saúde da região que se monte esta rede de oftalmologia para o sistema público”, destaca Carlos Arieta. Esta distinção também irá contribuir para o novo espaço físico do Serviço de Oftalmologia.
Fonte: Público pt