O surto de zika vírus foi considerado um dos mais devastadores da última década, resultando em um grande número de crianças com defeitos congênitos que caracterizam a zika congênita (malformações cerebrais e oculares, manifestações esqueléticas e déficit auditivo). Desde 2016 são descritas as manifestações oculares, sendo as mais típicas as anormalidades retinianada como a atrofia coriorretiniana e a mobilização de pigmento e as do nervo óptico como o aumento da escavação, palidez do nervo e hipoplasia do nervo. Além desses os achados vasculares como as hemorragias retinianas e a tortuosidade vascular e as anormalidades estruturais como a microftalmia, o coloboma de íris, a subluxação de cristalino, a catarata e o glaucoma congênitos já tinham sido descritos.
A proposta do artigo publicado no Journal of American Association for Pediatric Ophthalmology and Strabismus foi revisar as manifestações oculares de 469 crianças com síndrome da zika congênita atendidas em três estados brasileiros (Fundação Altino Ventura em Pernambuco, Hospital Geral Roberto Santos na Bahia e Instituto Fernandes Figueira/FIOCRUZ no Rio de janeiro) que foram gravemente afetados no surto de 2015/2016. Foram incluídas as crianças com manifestações clínicas da síndrome de zika congênita identificadas no exame físico ou em tomografia computadorizada e crianças com infecção por zika confirmada por PCR em sangue, urina ou liquor ou IgM positivas.
Achados
Foram incluídas 469 crianças com média de idade no primeiro exame de 5-7 meses. A média da idade gestacional no nascimento era de 38.4 semanas. A microcefalia no nascimento foi detectada em 45,6% das crianças, com 29% sendo grave. Pernambuco teve mais crianças com microcefalia. Sinais e sintomas de Zika vírus durante a gestação foram reportados por 90,3% das mulheres. A maior parte teve os sintomas no primeiro trimestre (39.5%) e a menor parte no terceiro (14.6%). Alterações oculares foram encontradas em 28,7% dos olhos de 31,6% das crianças. Achados fundoscópicos foram encontrados em 28,2% dos olhos de 31,3% das crianças incluindo anormalidades do nervo óptico em 21,4%, achados retinianos em 24,9% e alterações vasculares da retina em 4,3%. Palidez do nervo óptico foi encontrada em 13%, aumento da escavação em 9,9% e hipoplasia do disco em 3,9%. As anormalidades retinianas incluem mobilização de pigmento em 11,9%, cicatriz corioretiniana em 10,8%, lesões maculares hipopigmentadas em 6,1% e lesão tipo coloboma em 1,4%. As lesões vasculares incluem atenuação vascular em 2,1%, aumento da tortuosidade em 1% e distribuição anormal dos vasos em 0,2%. Uma associação entre microcefalia e manifestações oftalmológicas foi encontrada em todos os estados. Na Bahia, 57,5% das crianças com microcefalia tinham achados oculares. Em Pernambuco esse número foi de 57,8% e no Rio de Janeiro 67,4%.
Mensagem final
Esse estudo foi a maior coorte a descrever as manifestações oftalmológicas em crianças com síndrome da zika congênita em diferentes estados brasileiros. Esses achados corroboram com os artigos anteriores e demonstram que realmente as crianças de Pernambuco tiveram microcefalia e manifestações oculares mais frequentemente que nos outros estados e indicam também que a microcefalia poderia realmente ser um fator de risco para as manifestações oculares. Em pacientes sem microcefalia foi encontrado apenas 7,5% de manifestações oculares.
O estudo também demonstra que 1/3 das crianças apresentam alterações fundoscópicas enquanto apenas 1,3% tem malformações estruturais ou do segmento anterior. 10% dos olhos tiveram aumento da escavação porém o glaucoma congênito só foi identificado em 0,1%, corroborando com a ideia de que o aumento da escavação nesse caso seja mais relacionado a microcefalia e a lesões retinianas do que a aumento da pressão intraocular.
Fonte: PebMed