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Por José Vital Monteiro
“A Prova Nacional de Oftalmologia terá importância cada vez maior no futuro. Temos uma situação paradoxal, na qual a Oftalmologia atrai cada vez mais médicos, já que se revela uma especialidade atrativa em termos de realização profissional e, ao mesmo tempo, temos um mercado com condições cada vez mais severas para o exercício da assistência oftalmológica, o que torna o Título de Especialista fornecido pelo CBO uma necessidade imprescindível para todos os que querem se diferenciar de alguma forma neste ambiente extremamente competitivo”. Esta é a avaliação da atual coordenadora da Comissão de Ensino do Conselho Brasileiro de Oftalmologia (CBO), Maria Auxiliadora Monteiro Frazão, professora e diretora do Departamento de Oftalmologia da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo. Nesta entrevista, ela comenta a Prova Nacional de Oftalmologia e seus diferentes significados e os planos que a Diretoria e a Comissão de Ensino do CBO pretendem implantar para enfrentar os desafios que se apresentam a curto e médio prazos.
Revista Universo Visual: Como foi a Prova Nacional de Oftalmologia (cuja parte teórica foi realizada em 4 de março em São Paulo)?
Maria Auxiliadora Monteiro Frazão: Tivemos um número recorde de participantes (744 candidatos). Foi uma prova bem-sucedida, muito bem-feita, onde toda a parte de logística funcionou muito bem. Além dos alunos dos cursos credenciados pelo CBO, tivemos grande número de candidatos oriundos de residências médicas da Comissão Nacional de Residência Médica (CNRM) e de candidatos independentes, o que demonstra a importância que a chancela desta prova tem.
UV: Por quê?
Maria Auxiliadora: Na minha avaliação, a Prova Nacional de Oftalmologia é o grande balizador do nível de nossa Oftalmologia, um grande divisor de águas. O Título de Especialista em Oftalmologia do CBO é um passaporte para admissão em serviços e fellows e exigido por várias operadoras de convênios e seguradoras. Olhando as estatísticas, notamos que o nível de aprovação é significativamente maior para os alunos dos cursos de especialização credenciados pelo CBO. Temos que levar em conta que não é uma prova de classificação ou de eliminação. É feita para medir o conhecimento. A elaboração das questões é profissionalizada e os encarregados desta tarefa recebem a orientação para evitar pegadinhas e armadilhas que possam induzir o candidato ao erro, ou detalhes que dependam exclusivamente de memorização. Depois as questões são revisadas por um grupo de professores de oftalmologia. A prova é dividida na parte teórica, na parte teórico-prática, com análise de imagens, e a parte prática, realizada nos serviços credenciados pelo CBO. É um processo bastante trabalhoso, que ocupa dezenas de profissionais, para dar o Título de Especialista em Oftalmologia e certificar à sociedade que seu titular está preparado para cuidar da visão e da saúde ocular.
UV: Que tipo de estudos a Comissão de Ensino do CBO faz a partir dos resultados da Prova Nacional de Oftalmologia?
Maria Auxiliadora: Estudamos e debatemos sobre o estado do ensino da Especialidade nos vários cursos credenciados. Verificamos quais as deficiências, avisamos os respectivos coordenadores e, na medida do possível, o CBO tenta auxiliar na resolução dos problemas. Não queremos uma impossível uniformidade. Afinal o país é continental e desigual, mas queremos que todos recebam o melhor ensino possível. Estamos começando a debater como colher dados sobre os candidatos que se submetem à prova e sobre suas diferentes situações e aspirações e como estas informações poderiam ser aproveitadas para benefício da Especialidade e fortalecimento do CBO. Mas esta discussão ainda está muito embrionária.
UV: Você assinalou o crescimento de candidatos independentes e oriundos das residências da CNRM, que a princípio não precisariam se submeter à prova do CBO que, afinal, é desgastante. Ao mesmo tempo, o CBO vai realizar um exame de suficiência, em setembro, para quem está no mercado há mais de dez anos e não possui o título. Como você analisa estas duas realidades que, no final das contas, significam que muitos querem o Título de Especialista em Oftalmologia do CBO?
Maria Auxiliadora: A Prova Nacional de Oftalmologia terá importância cada vez maior no futuro. Temos uma situação paradoxal, na qual a Oftalmologia atrai cada vez mais médicos, já que se revela uma Especialidade atrativa em termos de realização profissional e, ao mesmo tempo, temos um mercado com condições cada vez mais severas para o exercício da assistência oftalmológica, o que torna o Título de Especialista fornecido pelo CBO uma necessidade imprescindível para todos os que querem se diferenciar de alguma forma neste ambiente extremamente competitivo. Logo que obtive minha especialização, abri um pequeno consultório em Santana (bairro de classe média de São Paulo SP), além de ter outras atividades e outras fontes de renda. Mas esse consultório sempre foi e ainda é o lastro principal de minha estabilidade econômica. Hoje isto é impossível, a menos que o jovem oftalmologista venha de uma família de oftalmologistas. E no futuro será pior ainda. A concorrência com as grandes clínicas e hospitais, as operadoras e seguradoras abrindo clínicas e hospitais próprios para atender aos conveniados e a chegada de grandes fundos de investimento na assistência oftalmológica vão transformar a concorrência, que a princípio é positiva, em algo próximo do canibalismo. Por isso, ter o título de especialista conquistado numa prova idônea, rigorosa e chancelada por uma instituição respeitada vai se tornar cada vez mais fundamental para os médicos que exercem a Oftalmologia. E olhe que nem citamos o problema da optometria praticada por pessoas sem formação médica e que têm ligações econômicas com o comércio óptico.
UV: Sobre o exame de setembro?
Maria Auxiliadora: É uma reivindicação que o CBO recebe de forma quase permanente. São pessoas que já estão no mercado de trabalho, detêm considerável experiência, mas se veem pressionadas a obter o Título de Especialista. Alguns têm a ilusão de que este exame será mais fácil. Não é verdade. Os parâmetros de confecção, segurança, objetivos são exatamente os mesmos nas duas provas. O objetivo é avaliar o conhecimento e dar o título a pessoas que tenham boa formação para exercer a melhor Oftalmologia.
UV: Quais os principais motes das discussões na Comissão de Ensino do CBO?
Maria Auxiliadora: Fizemos alterações significativas no Regimento Interno da Comissão e, por outro lado, junto com a diretoria do CBO estamos estudando a implantação de plataformas de ensino pela internet para os cursos credenciados. Pelo novo regimento interno, os novos cursos de especialização que requererem credenciamento no CBO devem ter credenciamento na CNRM e os alunos do CBO e residentes da CNRM serão os mesmos. Com isto vamos tentar eliminar uma série de problemas causados por instituições que não são necessariamente voltadas para o ensino. Também aprovamos um programa essencial, que ainda tem que ser aprovado pelo Conselho Deliberativo do CBO, que deve ser adotado por todos os cursos credenciados. Estas e outras mudanças são perfeitamente exequíveis e levam em conta as características e diferenças regionais, porém têm a intenção de tornar o ensino mais adequado às exigências da atual situação da Especialidade.
UV: Você falou em plataformas de ensino. Explique como serão.
Maria Auxiliadora: O CBO está estudando várias alternativas para implantar plataformas de ensino e avaliação a distância para os alunos de seus cursos credenciados. Novamente, a intenção não é uniformizar, mas aprimorar o ensino respeitando a autonomia e as características regionais. Vamos utilizar como exemplo a visão subnormal. A Prova Nacional de Oftalmologia demonstra que muitos serviços credenciados têm deficiência no ensino desta subespecialidade. Então a futura plataforma de ensino colocaria à disposição dos alunos cursos de visão subnormal, com as respectivas avaliações, que serão rigorosas e controladas. O mesmo pode ser dito, com mais razão, com relação ao ensino de matérias básicas em Oftalmologia. Grande parte do ensino de Oftalmologia continuará a ser presencial, mas existem temas nos quais o ensino a distância pode prestar inestimável auxílio. E, mais uma vez, é a Prova Nacional de Oftalmologia que nos fornece os dados necessários para saber o tamanho e a localização dessas deficiências e necessidades.
UV: E depois?
Maria Auxiliadora: O CBO precisa começar a discutir a acreditação dos cursos. Hoje as instituições são divididas em credenciadas e não credenciadas. Acho que a situação do mercado, o avanço científico da Especialidade e a própria evolução da assistência oftalmológica aos pacientes e à população exigirão regras e critérios mais rigorosos que garantam a acreditação dos diferentes cursos de especialização e também os critérios para eventuais descredenciamentos.
Mas não são todos residentes?
Pela legislação brasileira, todo médico depois de formado pode exercer qualquer especialidade. Com o avanço científico da Medicina e a consolidação das diferentes especialidades médicas, foram criados sistemas de ensino no qual os médicos, depois de formados, eram treinados nos hospitais por especialistas mais experientes. Como os médicos praticamente passavam dia e noite nas instituições, passaram a ser chamados de residentes.
Tal sistema começou nas décadas de 30 e 40 do século passado e, em seu início, o sistema todo tinha um caráter eminentemente particular e o credenciamento de cursos e a emissão de títulos foram, nos primeiros tempos, feitos por instituições que não tinham caráter oficial.
A Oftalmologia, através do CBO, fundado em 1941 com o nome de Conselho Nacional de Oftalmologia, foi uma das especialidades pioneiras na certificação de especialistas por meio de provas e exames. Nas décadas seguintes, a entidade, que também é o Departamento de Oftalmologia da Associação Médica Brasileira (AMB), desenvolveu o credenciamento de cursos e o aprimoramento da prova, que resultou num complexo e respeitado sistema de ensino da Oftalmologia.
Mais tarde, em 1977, foi regulamentada a residência médica como modalidade de ensino de pós-graduação destinada a médicos. Com esta regulamentação, as palavras residente e residência passaram a ser exclusivamente referenciadas aos serviços credenciados pela Comissão Nacional de Residência Médica (CNRM), órgão oficial ligado ao Ministério da Educação.
Atualmente, os serviços de educação em pós-graduação em Oftalmologia se enquadram em três situações possíveis: 1) são exclusivamente credenciados pela CNRM; 2) são exclusivamente credenciados pelo CBO; 3) possuem duplo credenciamento.
As instituições que possuem duplo credenciamento, por sua vez, podem ter duas situações: 1) os residentes também são alunos ou 2) existe determinado número de residentes que são matriculados através da CNRM, que trabalham e estudam lado a lado com determinado número de alunos de especialização ligados ao CBO.
Ao terminarem os três anos de residência em Oftalmologia, os médicos recebem automaticamente o Certificado de Conclusão. Já os alunos dos cursos de especialização credenciados pelo CBO devem se submeter à Prova Nacional de Oftalmologia e, caso sejam aprovados, recebem o Título de Especialista em Oftalmologia. Os dois documentos são equivalentes e precisam ser registrados no Conselho Regional de Medicina do Estado de atuação do médico e no Conselho Federal de Medicina (CFM).
O CBO e a AMB promovem ainda o Exame de Suficiência Categoria Especial para obtenção do Título de Especialista em Oftalmologia, destinado aos médicos formados há mais de dez anos que não estão ligados a nenhum sistema de ensino da Especialidade. Este exame não é realizado anualmente. Em 2018 ele será realizado durante o 62º Congresso Brasileiro de Oftalmologia, que ocorrerá em setembro, em Maceió (AL). Veja edital do exame no site www.cbo.com.br
A crescente procura dos residentes e dos médicos que já exercem a Oftalmologia pela Prova Nacional de Oftalmologia, pelo Exame de Suficiência e pelo Título de Especialista em Oftalmologia emitido pelo CBO e pela AMB demonstra uma situação de fato na qual o documento emitido pelas entidades médicas sem caráter governamental tem importância social reconhecida que extrapola as determinações legais.

Fonte: Universo Visual

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