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Por José Vital Monteiro
Dados recolhidos junto ao Tribunal de Contas da União pelo assessor jurídico da Comissão de Saúde Suplementar e SUS (CSS.S) do Conselho Brasileiro de Oftalmologia (CBO) e sócio da empresa Portes & Carrada Sociedade de Advogados, Guilherme Portes, por meio de amostragem levantada junto aos tribunais com maior número de litígios, indicam que em 2008 os valores envolvidos em processos judiciais relacionados com questões de saúde atingiram cerca de R$ 70,1 milhões, enquanto em 2015 alcançaram a cifra de mais de um bilhão de reais, o que representou aumento de mais de 12 vezes em oito anos.
O advogado ressalta que tais números se referem apenas aos processos que atingem o Governo Federal. As cifras envolvendo as operadoras de planos de saúde, clínicas, hospitais e médicos devem apresentar a mesma tendência de crescimento exponencial, embora sejam de tabulação quase impossível.
Diante deste quadro, que alguns classificam de verdadeira indústria da judicialização da saúde, muitos médicos se perguntam como podem se proteger daquele que, em última análise, é a razão de sua profissão: o paciente. A resposta a esta dúvida tem muitos aspectos que interferem diretamente na atividade médica e na relação médico-paciente, bem como nas relações entre médicos, pacientes e operadoras de planos de saúde e entre os colegas médicos.
Entretanto, um dos mecanismos que os juristas apontam como mais eficaz para começar a equacionar a armadilha da judicialização é o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, ou Termo de Consentimento Informado, documento que o paciente assina demonstrando que recebeu as explicações necessárias para entender o procedimento a que será submetido e suas prováveis consequências.
“Todos somos agentes da judicialização e colaboramos com ela”, declara Guilherme Portes, “Não é um problema exclusivo do paciente ou da operadora. Recebemos muitas consultas de médicos com dúvidas, porque ler e elaborar documentos não é a especialidade deles. Também não podemos tratar o paciente como vilão da história. Existem pacientes que sabem que não têm direito e se utilizam de processos judiciais para tentar obtê-lo, mas existem médicos que colaboram com isto e operadoras que se utilizam da situação para justificar políticas de empacotamento e de aviltamento dos honorários médicos. Tudo está conectado.”
Livre e esclarecido, mas com princípios
De acordo com o artigo 22 do Código de Ética Médica em vigor em julho de 2018, é vedado ao médico “Deixar de obter consentimento do paciente ou de seu representante legal após esclarecê-lo sobre o procedimento a ser realizado, salvo em caso de risco iminente de morte”.
No artigo 34 do mesmo código, o médico não pode “Deixar de informar ao paciente o diagnóstico, o prognóstico, os riscos e os objetivos do tratamento, salvo quando a comunicação direta possa provocar dano, devendo, nesse caso, fazer a comunicação a seu representante legal”.
Em outros artigos, o código ressalta a importância da informação para que o paciente possa exercer sua autonomia e decidir sobre a realização de procedimentos a que será submetido. E também ressalta o médico como agente único e privilegiado para fornecer essa informação.
Para o médico oftalmologista e conselheiro do Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (CREMESP), Adamo Lui Netto, os artigos do Código de Ética Médica que vedam ao médico a realização de tratamentos sem obter o consentimento do paciente ou de seu representante legal são extremamente claros na demonstração de que algum documento de que este esclarecimento foi feito é praticamente obrigatório.
Na linguagem jurídica mais usual, o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido é o registro em prontuário da decisão voluntária do paciente ou de seus responsáveis legais, tomada após um processo informativo e esclarecedor, para autorizar um tratamento ou procedimento médico específico, consciente de seus riscos, benefícios e possíveis consequências.
“O documento precisa ser feito em linguagem clara e no nível de entendimento do paciente ou de seu responsável. Não pode ser feito e assinado na hora, mas feito de maneira antecipada, para que o paciente possa ler, meditar e entender. Muitos médicos acreditam que esse documento é apenas uma burocracia para ser usado em caso de processo ou, pior ainda, uma inutilidade, mas o que é preciso levar em conta é que o termo escrito não dispensa o diálogo com o paciente, mas é parte integrante dele e, nas condições atuais do exercício médico, uma parte fundamental da relação médico-paciente”, afirma Lui Netto.
Para o conselheiro do CREMESP, o médico tem o dever de informar todas as possíveis complicações inerentes ao procedimento, mesmo aquelas mais improváveis. Deve também levar em conta a popularização do acesso à internet, com todas as implicações, negativas e positivas, desta disseminação da informação e ter em mente que muitas vezes a assimetria de conhecimento entre ele e o paciente é menor do que no passado.
“Os conselhos regionais de Medicina e as entidades médicas já estabeleceram protocolos que estão disponíveis aos médicos para a elaboração desses documentos. O principal é não encará-lo como uma burocracia judicial, mas como meio para demonstrar ao paciente que a Medicina é uma atividade-meio e não algo totalmente isento de imprevistos”, declara.
Lui Netto também considera que muitos médicos não entendem que o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido não é um fim em si mesmo, mas parte de um processo maior que envolve também o sistema CFM/CRMs e a própria Justiça, com suas complicações e demoras inevitáveis.
“É um documento cada vez mais importante, mas é parte de um sistema maior. Para o médico e para o paciente, deve representar a segurança de que seu relacionamento, fundamental para o tratamento, é feito na base da confiança e da sinceridade”, conclui Adamo Lui Netto.

Limites
O advogado Guilherme Portes diz que o emprego do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido ainda enfrenta resistência por grande parte dos médicos, que consideram o documento desnecessário ou até mesmo desprovido de qualquer valor em termos de provas num eventual processo judicial.
“O Termo de Consentimento Livre e Esclarecido constitui uma prova relativa num processo. Mas se ele for elaborado de acordo com as especificações de cada caso, na maioria das vezes afasta a tentação do paciente de processar o médico. Porém, é importante ressaltar que a assinatura do documento não anula e não afasta a responsabilidade civil por eventuais erros médicos, mas expressa a anuência do paciente em assumir os riscos envolvidos no procedimento”, esclarece o advogado.
Portes enumera situações comuns nas clínicas e consultórios que, na sua avaliação, representam erros cometidos pelos médicos com relação ao documento. Muitas vezes, o paciente assina o termo ainda na recepção, na presença da secretária, sem a devida atenção e sem ter sido convenientemente esclarecido por quem tem o dever de prestar a informação: o médico. Logicamente, num eventual processo, o juiz não aceitará a validade desse termo que o paciente assinou sem entender por que e por receio de não ter a continuidade do tratamento.
“O termo também precisa ser elaborado de forma que o paciente possa compreender e, na medida do possível, ser sucinto. Entendo que o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido é o fim de um processo no qual o médico efetivamente esclareceu todas as dúvidas do paciente ou de seu responsável. O paciente informado, via de regra, não é o paciente que vai processar o médico, ao passo que o paciente que tenha ficado com a sensação subjetiva de ter sido mal informado, mesmo que esta não tenha sido a intenção do médico, está mais propenso a buscar reparações e direitos que julga serem devidos”, disse o assessor jurídico do CBO.
E a lente intraocular?
Guilherme Portes enumera ainda outra atitude problemática dos médicos, desta vez restrita à prática oftalmológica, que pode causar dores de cabeça: o esclarecimento insuficiente a respeito das lentes intraoculares que serão usadas na cirurgia de catarata ou a falta de comprovação de que este esclarecimento foi efetivamente feito.
“Muitos médicos desconhecem os mecanismos envolvidos na decisão. Sugerem lentes mais sofisticadas ao paciente sem esclarecer que a operadora do plano de saúde não cobrirá a diferença entre a lente que a operadora garante e a escolhida. Ou, pior ainda, esclarecem, mas não comprovam. Ou pior ainda, insinuam que a lente garantida pela operadora é de má qualidade. O paciente pede reembolso, não recebe e fica bastante tentado a processar a operadora, médico e tudo o mais, gerando problemas completamente desnecessários”, explica.
Para Portes, a solução é a adoção, por parte do médico, de um outro documento, que ele chama de termo de lente, no qual fica claro que o médico informou que a lente garantida pela operadora é mais do que suficiente e de boa qualidade para resolver o problema de catarata do paciente e que, se ele quiser algo mais sofisticado para resolver outros problemas oculares, terá que arcar com a diferença de custos. O advogado considera que este é mais um cuidado para repartir responsabilidades na escolha do tratamento.
“O paciente é o foco dos documentos necessários para comprovar a informação e o esclarecimento e não o médico. Por isso, todas as alternativas de tratamento precisam ser expostas, com suas características e consequências, para que o paciente possa entender a que será submetido. O paciente não tem obrigação de saber a sistemática de reembolso da lente intraocular, mas o médico tem a obrigação de esclarecer e o direito de comprovar que o esclarecimento foi apreendido. O termo apenas materializa o processo, é a ponta do iceberg”, conclui Guilherme Portes.

Fonte: Universo Visual

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