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Por Camila Abranches

A impressão 3D, ou fabricação aditiva (AM, additive manufacturing), é uma aplicação industrial que começou a se desenvolver na década de 1980 e produz peças a partir de um modelo digital.  O primeiro processo de impressão 3D foi a estereolitografia (SLA), inventada por Chuck Hull em 1983. Ele patenteou a tecnologia e criou a primeira impressora 3D comercial, a SLA-1, em 1986. Desde então, a tecnologia evoluiu bastante e se diversificou com novas técnicas e materiais sendo desenvolvidos para diversas aplicações.

O processo consiste em adicionar camadas sucessivas de materiais, como metal ou plástico, para criar a forma do modelo. A fabricação aditiva é utilizada em várias indústrias, incluindo a automotiva, aeronáutica, construção civil e, claro, na saúde.

A pesquisa e aplicação da impressão 3D na medicina começaram a ganhar destaque já no final da década de 1980 e início dos anos 1990. Inicialmente, a tecnologia foi usada para criar modelos anatômicos e simulações para planejamento cirúrgico. Um marco significativo foi em 1999, quando a impressão 3D começou a ser utilizada para criar protótipos de implantes médicos personalizados. A partir dos anos 2000, a impressão 3D passou a ser usada para fabricar próteses e dispositivos médicos personalizados, beneficiando-se da capacidade de criar peças complexas e adaptadas individualmente.

Nos últimos anos, a impressão 3D tem se expandido para áreas como a bioimpressão, onde são criados tecidos e órgãos artificiais, bem como a personalização de dispositivos médicos, como órteses e próteses, que são adaptadas às necessidades específicas dos pacientes.

Especificamente na oftalmologia, a técnica vem sendo utilizada na criação de modelos anatômicos do olho e estruturas adjacentes e no planejamento cirúrgico. Esses modelos ajudam os cirurgiões a planejar suas intervenções e também nos treinamentos de procedimentos complexos, como cirurgias de catarata ou transplantes de córnea. Além disso, a tecnologia pode ser usada para fabricar implantes oculares personalizados, como lentes intraoculares (LIOs) e próteses oculares; para criar órteses e dispositivos de reabilitação personalizados para pacientes com problemas oculares ou condições que afetam a mobilidade dos olhos.

Embora ainda esteja em fase de pesquisa e desenvolvimento, há esforços para usar a impressão 3D para criar córneas e outros tecidos oculares, o que pode contribuir com a escassez de doadores e oferecer soluções para condições que atualmente são difíceis de tratar. Vale destacar que a técnica também está sendo explorada para a produção de lentes de contato personalizadas, que poderão vir a melhorar a adaptação e o conforto visual dos pacientes.

 

Quero começar, e agora?

O especialista em impressão 3D, Alexandre Borges, e criador do Canal Agora Fala Hi-Tech, explica que existem vários tipos de impressão 3D no mercado, mas que os mais indicados para a produção de dispositivos oftalmológico são:

  • SLA (Estereolitografia): Utiliza resinas líquidas que são curadas camada por camada com um laser UV. É conhecida por sua alta resolução e precisão, sendo ideal para criar modelos detalhados e dispositivos médicos personalizados.
  • DLP (Processamento Digital de Luz): Similar ao SLA, mas utiliza um projetor digital para curar a resina líquida. Oferece alta velocidade e precisão, sendo adequada para a fabricação de dispositivos oftalmológicos.
  • SLS (Sinterização Seletiva a Laser): Utiliza um laser para sinterizar pó de nylon ou outros polímeros, criando objetos camada por camada. Embora menos comum na oftalmologia, pode ser usada para produzir componentes duráveis e funcionais.

Para quem está começando agora, Borges reforça que, ao escolher a impressora 3D ideal para uso na oftalmologia, é crucial considerar alguns fatores específicos. “Primeiro, a precisão e a resolução da impressora são fundamentais, já que os dispositivos oftalmológicos requerem detalhes minuciosos. Impressoras com alta resolução, como as de tecnologia SLA ou DLP, são recomendadas. Outro aspecto importante é a compatibilidade com materiais biomédicos. A impressora deve ser capaz de utilizar resinas biocompatíveis, que são seguras para uso em dispositivos médicos e em contato com tecidos humanos. Além disso, é essencial considerar o tamanho da área de impressão, a facilidade de uso do equipamento e o suporte técnico oferecido pelo fabricante. As resinas utilizadas nessas tecnologias variam conforme a aplicação. Resinas biocompatíveis são essenciais para dispositivos que terão contato direto com o corpo humano, enquanto resinas de alta resistência podem ser usadas para modelos e ferramentas”, detalha.

Importante ainda dizer que para iniciar com a impressão 3D voltada para oftalmologia, algumas ferramentas e softwares básicos são essenciais. Conheça um pouco mais sobre alguns deles:

  • Software de Modelagem 3D: Programas como Tinkercad, Fusion 360, ou Blender são ótimos para iniciantes. Eles permitem a criação e edição de modelos 3D.
  • Software de Fatiamento (Slicing): Programas como Chitubox ou Lychee são usados para preparar os modelos 3D para impressão em resina, dividindo-os em camadas e gerando o código necessário para a impressora 3D. Já no caso para impressões através da tecnologia FDM são usados os software: PrusaSlicer, Orca Slicer, Ultimaker Cura, hoje os mais conhecidos do mercado.
  • Ferramentas de Pós-Processamento: Incluem equipamentos para curar resinas (como luzes UV), além de ferramentas para lixar e finalizar os objetos impressos.

Diego Gross, da 3D Touch, acredita que, na oftalmologia, as soluções de impressão 3D têm o potencial de reduzir o tempo cirúrgico, melhorar a precisão dos procedimentos e proporcionar próteses mais confortáveis e esteticamente agradáveis para os pacientes. “Nosso papel é garantir que essas tecnologias estejam acessíveis e prontas para uso em ambientes clínicos. Os profissionais de saúde que utilizam as soluções de impressão 3D que distribuímos elogiam a precisão e a personalização que essas tecnologias permitem. Na odontologia, por exemplo, engenheiros e dentistas colaboraram para criar próteses e guias cirúrgicas personalizadas, melhorando significativamente os resultados para os pacientes tanto na adequação quanto no conforto das próteses. Embora ainda não tenhamos um feedback específico da área oftalmológica, estamos confiantes de que os benefícios são igualmente transformadores, e estamos abertos a futuras colaborações para explorar essas possibilidades”, diz.

Ainda de acordo com Gross, as áreas mais promissoras para o desenvolvimento de projetos em impressão 3D incluem a criação de modelos anatômicos personalizados para planejamento cirúrgico, a fabricação de próteses oculares personalizadas e o desenvolvimento de lentes intraoculares customizadas. “Esses avanços estão permitindo um nível de precisão e personalização sem precedentes, melhorando os resultados clínicos e a experiência do paciente”, comenta.

Para Borges, a impressão 3D na oftalmologia oferece várias vantagens significativas. “Primeiramente, permite a criação de modelos anatômicos precisos a partir de imagens de pacientes, o que facilita a preparação para cirurgias complexas e melhora os resultados cirúrgicos. A prototipagem rápida permite que os oftalmologistas visualizem e manipulem réplicas de estruturas oculares antes de procedimentos, reduzindo o tempo operatório e os riscos associados. Além disso, a impressão 3D possibilita a personalização de dispositivos médicos, como próteses e implantes, adaptados às necessidades específicas de cada paciente. Essa personalização melhora o conforto, a funcionalidade e a aceitação dos dispositivos pelos pacientes. A tecnologia também tem acelerado o desenvolvimento de novos produtos e tratamentos, proporcionando inovações mais rapidamente do que os métodos tradicionais de fabricação”, conta.

Natacha Harumi Ota, fundadora da Ota Tecnologia 3D, sócia-fundadora do Creality Lab e da Pet Valley 3D, a impressão 3D está mostrando grande potencial em várias áreas da oftalmologia. “As mais promissoras incluem a criação de modelos anatômicos personalizados para planejamento cirúrgico, a impressão de próteses oculares e lentes de contato personalizadas, e o desenvolvimento de implantes oculares específicos para cada paciente. Além disso, há avanços na impressão de tecidos oculares e estruturas complexas que podem revolucionar a abordagem de tratamentos e cirurgias.

 

A união faz a força

Para Gross, a colaboração interdisciplinar é fundamental para o avanço da impressão 3D na medicina. “A 3DTouch tem observado como a união de oftalmologistas, engenheiros e pesquisadores está acelerando o desenvolvimento de soluções personalizadas que são aplicadas diretamente à prática clínica. Os engenheiros trazem expertise técnica, os oftalmologistas fornecem insights clínicos cruciais, e os pesquisadores impulsionam a inovação, resultando em tecnologias que melhoram a precisão e a eficácia dos tratamentos”, completa.

“A colaboração multidisciplinar é essencial para a inovação na impressão 3D. Engenheiros e pesquisadores de diversas áreas trabalham juntos para desenvolver novas tecnologias e materiais, enquanto profissionais da saúde fornecem insights clínicos valiosos sobre as necessidades dos pacientes e os requisitos práticos para os dispositivos e implantes. Esse trabalho conjunto permite a criação de soluções mais eficazes e adaptadas às necessidades clínicas, além de acelerar o desenvolvimento e a implementação de novas tecnologias”, reitera Natacha.

Como exemplo de uma colaboração bem-sucedida que resultou em avanços significativos na tecnologia, Natacha relembra que, durante a pandemia do COVID 19, muitos dispositivos foram desenvolvidos por diversos cientistas e pesquisadores com o uso da impressão 3D, já que permite personalização, customização, baixo custo e rápida produção. “Alguns ventiladores mecânicos (respiradores) foram desenvolvidos com peças produzidas em impressão 3D, além de dispositivos auxiliares para a respiração. Também foram produzidos por diversos projetos, faceshields para os profissionais da linha de frente, já que havia a necessidade do uso de EPIs (Equipamentos de Proteção Individual) para que fosse mais seguro atender à demanda da pandemia do COVID 19”, resgata.

“Hoje estou trabalhando em projetos que envolvem a impressão 3D de modelos anatômicos personalizados para cirurgias ou para simulação, utilizando esses modelos unidos a realidade virtual. Além disso, os mesmos podem ser utilizados para a área educacional de estudantes e profissionais da área da saúde. Esses modelos podem ser baseados em imagens de tomografia computadorizada e ressonância magnética de pacientes, permitindo aos cirurgiões planejar e praticar procedimentos complexos com maior precisão, além de estudarem casos complexos fisicamente. Esse projeto visa melhorar a precisão dos procedimentos cirúrgicos e reduzir o risco de complicações”, conta Natacha.

“Atualmente os principais desafios incluem a obtenção de materiais biocompatíveis que possam ser utilizados em implantes sem causar reações adversas. Além disso, a precisão na impressão de estruturas microscópicas e a integração dos modelos impressos com os tecidos vivos são desafiadoras. Outro desafio é garantir que os modelos impressos reflitam com exatidão a complexidade anatômica dos pacientes, o que exige algoritmos de modelagem e técnicas de impressão avançadas. O mundo da impressão 3D ainda é pouco difundido e até em relação a órgãos regulatórios isso fica muito complicado”, fala a especialista.

 

Impacto na Prática e o que vem pela frente

Gustavo M. Hüning, oftalmologista e diretor proprietário da HÜNING Clínica do Olhar, acredita que no futuro o mercado vai ser muito mais aberto, visto que atualmente a maioria dos códigos da impressão 3D não são proprietários. “Eles são abertos e isso tem acelerado muito a evolução. Então imagine que qualquer pessoa pode desenhar um instrumento cirúrgico novo. A gente vai iniciar uma operação e não tem esse instrumento; vai lá, baixa o arquivo, paga a licença para essa pessoa, compra o arquivo dela e imprime. A vantagem é que, para algo ser estéreo, ele tem que ser esterilizado a uma temperatura de mais ou menos 125, 135 graus, e as resinas plásticas que se usam hoje são impressas a 180 graus. Portanto já sai pronta para o uso cirúrgico. Enfim, acredito que no futuro não só toda clínica, mas toda casa vai ter uma impressora 3D”, vislumbra.

“Os exemplos práticos que nós temos hoje na oftalmologia são as próteses de titânio para situações em que tem trauma de órbita. Então através da tomografia, da ressonância e demais, exames de imagem, pode-se desenhar exatamente o tamanho da estrutura e o formato dela para que seja reconstruída a órbita do paciente”, explica Hüning.

Segundo Natacha, o feedback dos profissionais de saúde tem sido muito positivo. “Muitos destacam a melhoria na precisão dos procedimentos e na personalização dos tratamentos, o que leva a melhores resultados clínicos e maior satisfação dos pacientes. A devolutiva mais importante nesse meio é a oportunidade que os profissionais têm de tirar uma ideia da própria cabeça e torná-la real, porque muitas vezes, o dispositivo ou objeto não existem ou são muito caros devido aos impostos de importação. A impressão 3D trouxe a possibilidade de materiais produzidos nacionalmente e de acordo com a real necessidade das pessoas na sociedade, o que implica em um atendimento mais criterioso e personalizado, afinal, todos querem ser atendidos com humanização e como um ser individual”, conclui.

 

Põe na agenda!

Hüning, antecipa que, no próximo Congresso Brasileiro de Catarata e Cirurgia Refrativa (BRASCRS) em 2025, será realizada a primeira competição de impressora 3D da história da oftalmologia. “Em breve o Dr. Bruno Miolo e eu vamos publicar o edital e explicar bem os critérios, mas os colegas que têm criatividade ou ideias que gostariam de colocar na prática e não tem chance, a Sociedade vai ajudar a botar a ideia em pé”, encerra.

 

Vida real, com Ramon Fazzolo, fundador da Fazzoph

Atualmente, tenho uma empresa de simulação microcirúrgica em oftalmologia, e isso só foi possível devido à impressão 3D. Meu primeiro produto foi uma haste de mapeamento. Era um suporte ao qual se acoplava uma lente 20D a um celular, e com isso, o médico podia realizar a filmagem e/ou fotografar o exame de mapeamento de retina. O produto não foi inventado por mim, mas sim por um australiano que disponibilizou o desenho na internet. Eu melhorei o produto, imprimi em 3D e comercializei muitas unidades. Essa experiência foi fundamental para o aprendizado nesse ramo. Enquanto o produto era vendido, eu desenhava e aperfeiçoava a tecnologia do nosso principal produto atual, o Pércodis. Um simulador de microcirurgia que está revolucionando a formação de cirurgiões no Brasil.

Na minha prática diária como oftalmologista, utilizo pouco a impressão 3D. Os itens que utilizo já são validados e consagrados no mundo todo, e é difícil substituí-los por produtos feitos em 3D. Também acho que esse não seja o objetivo da tecnologia, mas sim, tirar ideias do papel, aperfeiçoar produtos com pequenas falhas e consertar aparelhos com peças já inexistentes. Um exemplo disso é a possibilidade de imprimir manoplas reesterelizáveis para microscópios mais antigos, adaptadores para gravação de cirurgias com celulares, entre outros.

Existe uma grande expectativa de melhoria na tecnologia da impressão 3D a curto e médio prazos. O surgimento de novos materiais, a possibilidade de impressão sem suportes, a associação da impressão à engenharia biológica e à fermentação de precisão são alguns exemplos. O importante é estar dentro da tecnologia quando as melhorias surgirem. O timing é o fator decisivo nesses casos.

 

 

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