Como grandes grupos gestores de saúde estão redesenhando a assistência oftalmológica no Brasil
Por Flavia Lo Bello
Atualmente é possível observar uma tendência no setor da saúde com grandes grupos empresariais atuando na aquisição de operadoras de saúde, laboratórios de diagnóstico, clínicas e hospitais por todo o Brasil. Essa tendência é impulsionada pela fragmentação do mercado e pela busca por manter um crescimento sustentável, estabelecendo uma nova forma de gerir e administrar a saúde suplementar no país.

Amaury Guerrero, profissional com mais de 35 anos em gestão na área da oftalmologia
De acordo com Amaury Guerrero, profissional com mais de 35 anos em gestão na área da oftalmologia, esse movimento trouxe uma metodologia provada de administração importante para enfrentar a transformação constante do mercado. Ele ressalta que essas empresas de gestão em saúde implementam elevados padrões de governança, controle de custos e eficiência com foco em rentabilidade. “Na oftalmologia não é diferente. A crescente consolidação no campo da saúde visual no país tem sido impulsionada por estas aquisições, refletindo a busca por maior eficiência e expansão em um setor com grande potencial de crescimento”, ressalta o gestor.
Segundo Guerrero, o modelo de consolidação adotado pelas empresas na aquisição de clínicas/hospitais/redes de oftalmologia tem sido o mais empregado pelos fundos de investimento que atuam no setor, tornando-se sócios majoritários e, com isso, controlando as principais decisões de investimentos, e mantendo os médicos focados na atenção aos pacientes. “Mesmo que muitas vezes não valorizadas pelos médicos e pouco percebida pelos clientes, as instituições de oftalmologia foram desafiadas a se reinventar e trazer profissionais capacitados em gestão para seguir sua jornada de sucesso”, comenta, esclarecendo que existem muitos outros modelos de expansão e diluição de riscos frente à dinâmica e desafios atuais do mercado. “Todos apresentam seus prós e contras. Aqui cabe uma reflexão profunda de cada uma das clínicas de o que faz mais sentido para o seu momento, posicionamento, estratégia, sucessão, entre outros”, destaca.

Rafael Mendes, CEO da Vision One
Conforme explica Rafael Mendes, CEO da Vision One, a empresa tem se destacado pelo crescimento acelerado nos últimos anos, com a entrada de diversas clínicas e hospitais oftalmológicos de excelência, além da forte presença de médicos renomados como sócios. Mas, para ele, a construção de uma rede com propósito, qualidade e que deixe um legado na oftalmologia brasileira deve atender alguns critérios na escolha dos parceiros que passam a integrar essa rede. “O primeiro critério é o alinhamento de valores. Procuramos parceiros que tenham um histórico de excelência médica, dedicação ao paciente e espírito empreendedor”, revela, ressaltando levar em conta também a reputação da instituição, sua complementaridade geográfica com a atuação da Vision One e o potencial de crescimento.
De acordo com o gestor, a intenção não é apenas integrar ativos, mas sim formar uma rede de médicos que compartilhem uma visão de longo prazo, com foco em qualidade, autonomia médica e geração de valor para todos os envolvidos. “Um aspecto central nesse processo é a participação dos próprios sócios médicos da Vision One na recomendação e validação de novos parceiros. Esse reconhecimento entre pares é essencial para manter a cultura clínica e o padrão de excelência que construímos juntos”, afirma. Além disso, ele pontua que são avaliados aspectos estruturais e operacionais que permitam investir, integrar e escalar boas práticas. “Contamos com uma estrutura robusta que apoia o médico em áreas como jurídico, financeiro, marketing, compliance, acreditação de qualidade, relação com operadoras e fornecedores. Isso libera energia para que os médicos possam se concentrar no que mais importa: cuidar dos pacientes”, completa.
Para ele, muito se discute sobre as vantagens e desafios da formação de redes na oftalmologia, porém os benefícios dessa atuação, tanto para médicos quanto para pacientes, são inegáveis. “Nesses cinco anos de atuação da Vision One tivemos um impacto enorme. Para os médicos, o principal benefício foi poder manter sua autonomia clínica enquanto contam com o apoio em gestão, tecnologia e escala”, informa, esclarecendo que foi criado um modelo societário que permite ao médico ser sócio da rede e participar das decisões estratégicas. “Isso gera pertencimento e alinhamento entre as áreas médica e empresarial”, avalia o CEO da Vision One. Ele comenta que também foram oferecidas soluções concretas para desafios que costumam consumir o tempo e a energia dos médicos, como gestão de pessoas, governança, sistemas de controle, relacionamento com fontes pagadoras e fornecedores, além de apoio jurídico e administrativo.
Rede integrada de gestão

Luiz Sergio Santana, CEO da Opty
A Opty, que adotou um modelo de gestão de rede integrada, possui 30 marcas com aproximadamente 85 unidades, distribuídas em 8 Estados da Federação, totalizando uma receita anual superior a R$ 1 bilhão, tornando a empresa líder de mercado no Brasil. “O nosso modelo de gestão de rede integrada foi criado pelo Pátria Investimentos, que é o controlador da Opty, com participação em torno de 70%, enquanto os médicos fundadores de suas clínicas possuem aproximadamente 30%. A grande vantagem dessa modalidade é que conseguimos manter os profissionais médicos alinhados ao negócio mesmo após o investimento do Pátria”, diz Luiz Sergio Santana, CEO da Opty.
“Considero que a estratégia do Pátria Investimentos foi extremamente exitosa, pois hoje a totalidade das nossas clínicas continuam ainda com seus médicos fundadores como sócios minoritários e participando também da administração juntamente ao grupo gestor da Opty”, continua o CEO, enfatizando que o modelo de rede integrada é essencial, e que isso aconteceu não só com a oftalmologia, mas também com grandes grupos de saúde, como os hospitais da Rede D’Or, Rede Américas, Amil, Grupo Mater Dei, Kora etc., ou as redes de medicina diagnóstica, como Dasa e Fleury. “A tendência é realmente de grandes consolidações, porque isso facilita muito a negociação com os fornecedores, na aquisição de materiais, medicamentos e insumos em geral, e também com as fontes pagadoras, as operadoras de planos de saúde”, acrescenta Santana.
Para ele, talvez essa seja a grande vantagem desse modelo. “Hoje conseguimos conversar com a Sul América, Bradesco, Amil, Unimed etc., de forma centralizada, e isso facilita muito, uma vez que se há uma vantagem competitiva em uma cidade e não há em outra, um acaba ajudando o outro nas negociações. Por isso essa consolidação é fundamental, uma tendência de mercado cada vez mais presente”, opina o CEO, salientando que a Opty tem obtido resultados melhores a cada ano, tornando a operação mais eficiente, com perspectivas de crescimento tanto no mercado das operadoras de saúde, como também no mercado particular, onde existe bastante espaço a ser explorado.
Impacto do novo modelo de gestão
Entre as mudanças observadas na oftalmologia brasileira a partir da atuação dessas empresas no setor, segundo Mendes, a principal transformação é a construção de um novo modelo de organização, mais integrado, eficiente e com foco em qualidade assistencial. “A atuação da Vision One tem contribuído para a profissionalização da gestão, importância da acreditação de qualidade, o uso de dados clínicos e operacionais, e a melhoria nas relações com operadoras e fornecedores”, diz o gestor, comentando que a empresa está fortalecendo o papel do médico como protagonista, não apenas no cuidado ao paciente, mas na estratégia do negócio. “A possibilidade de ser sócio e participar ativamente das decisões transforma a maneira como o médico se relaciona com a gestão e com o futuro da sua clínica”, acrescenta.
Além disso, ele informa que a Vision One criou oportunidades concretas para os seus colaboradores em toda a rede. “Com a integração nacional, passamos a promover talentos sem fronteiras, permitindo mobilidade, desenvolvimento de carreira e acesso a programas de formação e reconhecimento. Pessoas que antes tinham sua atuação limitada ao contexto local agora podem crescer, assumir novos desafios e ocupar posições de destaque em diferentes regiões do Brasil”, aponta. Para Mendes, isso fortalece a cultura da empresa, retém bons profissionais e amplia o impacto positivo da rede como um todo.
Outro diferencial relevante, de acordo com ele, é o sistema de prontuário eletrônico próprio, que está em processo de unificação em toda a rede. “Com essa integração, conseguimos estruturar dados assistenciais, introduzir inteligência artificial, criar indicadores comparáveis, gerar inteligência clínica e apoiar protocolos de cuidado com base em evidência. Isso dá mais segurança para o médico e mais qualidade para o paciente”, opina. Para os pacientes, o CEO afirma que os ganhos estão na experiência, no acesso e na qualidade assistencial. “A Vision One reúne grandes nomes da oftalmologia nacional, formadores de opinião que colaboram na construção de protocolos, difusão de boas práticas e adoção responsável de novas técnicas. Isso beneficia diretamente quem está sendo cuidado por nossa rede, que conta com excelência técnica, acolhimento e inovação”, reflete.
O executivo diz que o ciclo natural de uma clínica exige muito envolvimento e dedicação dos médicos fundadores. “Além de buscarem excelência como clínicos e cirurgiões, eles também se entregam ao desafio do empreendedorismo, enfrentando jornadas longas, decisões estratégicas e complexidades crescentes de gestão”, observa, enfatizando que, com o tempo, os obstáculos superados, as vitórias alcançadas e a reputação construída trazem um sentimento legítimo de orgulho, de missão cumprida e de sucesso. “É nesse momento que muitos começam a refletir sobre o futuro da clínica. Surge uma preocupação genuína com a continuidade do que foi construído, com a preservação dos valores que nortearam a trajetória e com o destino de seus pacientes, equipes e, muitas vezes, familiares que seguem na medicina”, declara.
“Enxergamos esse momento com profundo respeito. Por isso, nossa proposta não é substituir o fundador, mas sim oferecer uma plataforma que garanta a perpetuidade do seu legado”, diz o CEO da Vision One, salientando que a empresa cria um ambiente onde talentos e a nova geração de médicos, incluindo filhos e netos dos fundadores, podem crescer com o apoio de uma estrutura moderna, sustentável e alinhada aos princípios que originaram a clínica. “Essa continuidade é um dos pilares mais nobres do que estamos construindo juntos”, avalia. Após anos de aprendizagem, Guerrero diz estar convicto de que não há atalhos para prestar medicina com altos padrões, que é, sem dúvida, o cerne para perenizar a instituição sem necessariamente ter que pensar em vendê-la. “Aprendi com um grande amigo e excelente gestor em oftalmologia que a gestão profissional é uma disciplina como a medicina, que é resolutiva sempre que baseada em evidências”, conclui o executivo.
Qualidade, satisfação do cliente e rentabilidade
Na opinião de Luiz Sergio Santana, da Rede Integrada Opty, não há mais espaço para amadorismo na gestão em saúde. Ele destaca que o ponto principal é manter o equilíbrio. “E, para mim, o equilíbrio está em um ‘modelo triângulo’, com três vértices muito importantes. O primeiro deles é a qualidade assistencial, isso não dá para abrir mão, temos que sempre estar prestando o melhor serviço, tecnicamente adequado, com a melhor medicina praticada, esse é um ponto inegociável”, enfatiza o CEO.
O segundo aspecto, e que é fundamental, segundo o gestor, é o da percepção do cliente, medida através do NPS (Net Promoter Score) e demais KPIs de serviços (métricas usadas para avaliar a performance de empresas que oferecem serviços, focando na eficiência, qualidade e satisfação do cliente). “Isso é muito importante, porque o cliente nem sempre percebe a qualidade técnica do serviço, entretanto ele tem percepção da qualidade do Call Center, do ambiente, do atendimento prestado, do tempo de espera”, analisa. E como terceiro quesito, ele destaca o resultado econômico-financeiro. “Não tem como equilibrar um negócio se ele não é rentável. Esses três pontos formam a base do nosso modelo de gestão, que é cascateado por toda empresa, assim garantimos que todos esses aspectos sejam valorizados de forma equilibrada, sem deixar que um se sobressaia ao outro”, finaliza Santana.



