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Ricardo Augusto Paletta Guedes – Especialista em Glaucoma (Universidade de Paris, França). Mestre e Doutor em Saúde (UFJF). Pesquisador da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). Diretor do Instituto de Olhos Paletta Guedes.
Daniela Marcelo Gravina – Fellow em Glaucoma (Instituto de Olhos Paletta Guedes)
INTRODUÇÃO
Recentemente, um novo grupo de cirurgias para o glaucoma vem tomando espaço com intuito de melhorar a segurança e a previsibilidade do tratamento cirúrgico do glaucoma, são as chamadas cirurgias de glaucoma micro-invasivas (MIGS), que vem do inglês Micro-Invasive Glaucoma Surgery ou Minimally Invasive Glaucoma Surgery.1 Estes procedimentos evitam, na sua maioria, ou limitam, em alguns casos, a manipulação conjuntival.
 
Eles possuem algumas características em comum como:
-Abordagem ab interno, 
-Abordagem pouco traumática, 
-Eficácia comprovada, 
-Elevado perfil de segurança, 
-Recuperação visual rápida.1 
As MIGS podem ser classificadas de acordo com o seu mecanismo de ação. Existem aquelas que se propõem a facilitar o escoamento do humor aquoso através da via convencional de drenagem (trabeculado, canal de Schlemm e canais coletores), realizando uma ablação do trabeculado, como as técnicas de trabeculotomia (Trabecutome®, ABIC®, GATT® e Kahook Dual Blade®) ou um “by-pass trabecular com implante de dispositivo (iStent®, iStent Inject® ou Hydrus®). Outras proporcionam uma drenagem supra-coroidiana, tais como o iStent Supra® e o CyPass®. Um terceiro grupo de técnicas criam uma nova via de drenagem subconjuntival através de uma comunicação direta entre a câmara anterior e o espaço subconjuntival (XEN gel Stent® ou InnFocus®).1-2
Os dispositivos de “by-pass” trabecular são implantes trabeculares usados para reduzir a pressão intraocular. Eles se propõem a realizar uma abertura patente no trabeculado, estabelecendo uma comunicação direta entre a câmara anterior e o interior do canal de Schlemm, ultrapassando, desta maneira, o obstáculo trabecular e justacanalicular ao escoamento do humor aquoso.1-4
Existem no mercado duas versões do dispositivo de by-pass trabecular: o iStent e o iStent Inject. O iStent (1ª geração de implantes trabeculares) é um implante único com um formato em “L , assemelhando-se a um “snorkel”. O iStent Inject (2ª geração) é menor e vem com dois dispositivos carregados no mesmo injetor para serem implantados no trabeculado.
TÉCNICA CIRÚRGICA
O implante de “by-pass” trabecular, deverá respeitar algumas premissas importantes: 
-Abordagem corneana temporal.
-Colocação do implante iStent ou iStent Inject na região nasal, nasal inferior ou inferior, onde o número de canais coletores é superior a outras regiões angulares.
-Angulação de 70° (35° da cabeça do paciente e 35° da cabeça do microscópio), a fim de otimizar a visualização do seio camerular e região trabecular.
-Utilização de lente de gonioscopia direta.
A cirurgia é feita em ambiente estéril (sala cirúrgica), respeitando todos os cuidados de assepsia e antissepsia para cirurgias oftalmológicas intraoculares. Nos casos onde o procedimento é realizado isoladamente (sem a associação com a cirurgia de catarata), está contraindicada a dilatação da pupila, podendo-se ainda, facultativamente, associar 01 gota de pilocarpina 2% no preparo pré-operatório para facilitar a visualização do seio camerular. 
Inicialmente, realiza-se uma paracentese corneana em região temporal ou temporal superior, seguida da injeção de visco-elástico coesivo, preenchendo a câmara anterior. Passa-se então ao correto posicionamento da cabeça do paciente e do microscópio cirúrgico (inclinação de aproximadamente 70° ao todo, normalmente divididos da seguinte maneira: 35° da cabeça do paciente na direção oposta ao cirurgião e 35° da cabeça óptica do microscópio). Em seguida, posiciona-se a lente de gonioscopia direta sobre a córnea em uma interface de visco-elástico dispersivo. A visualização do ângulo da câmara anterior deve ser avaliada antes de se abrir o lacre do dispositivo. Após a confirmação da correta visualização angular, o cirurgião procede com o implante do dispositivo.
Nos casos onde a cirurgia é combinada com a facoemulsificação, normalmente a a cirurgia de catarata é realizada primeiro. Após o implante da lente intraocular, todo o viscoelástico dispersivo deverá ser aspirado. Passa-se, então, a injeção de carbacol com a finalidade de se provocar miose intra-operatória. Antes da realização do implante do(s) stent(s), deve-se injetar viscoelástico coesivo para manter uma boa estabilidade da câmara anterior.
SELEÇÃO DE PACIENTES
Para que se obtenha o resultado esperado, é necessária uma correta seleção de pacientes para MIGS. Tais procedimentos estão classicamente indicadas para os glaucomas de ângulo aberto primário ou secundário, sendo frequentemente associados com a cirurgia para extração da catarata. Estão contraindicadas nos glaucomas de ângulo estreito ou fechado e glaucoma neovascular.
Os melhores casos para o uso de “by-pass” trabecular são os glaucomas de ângulo aberto nas fases mais iniciais (hipertensos oculares que necessitem de tratamento, glaucomas pré-perimétricos e glaucomas perimétricos iniciais e moderados). Apesar da indicação clássica para glaucoma nas fases iniciais, existe a possibilidade de indicação para casos mais avançados, principalmente quando se utiliza mais de um dispositivo.1-6
RESULTADOS PESSOAIS
Entre junho de 2017 a janeiro de 2019, realizamos ao todo 128 implantes de “by-pass” trabecular, sendo 59 do tipo iStent (1ª geração) e 69 do tipo iStent Inject (2ª geração) tanto em cirurgias combinadas com catarata como em cirurgias de glaucoma isolada.
Em uma análise parcial comparativa entre os dois tipos de iStents, encontramos resultados bastante promissores ao final de 6 meses de acompanhamento. Nesta análise, incluímos os olhos que foram submetidos a cirurgia combinada de catarata e implante de “by-pass” trabecular (iStent ou iStent Inject), os quais tiveram um acompanhamento de 6 meses de pós-operatório. Foram excluídos desta análise os 10 primeiros casos de iStent e 5 primeiros casos de iStent Inject, pois foram considerados como parte da curva de aprendizado. Este estudo foi publicado recentemente na revista Ophtalmology and Therapy.7
A população de estudo foi composta por 73 olhos (38 no grupo de Faco-iStent e 35 no grupo de Faco-iStent Inject). De uma PIO média pré-operatória de 16,5 mmHg no grupo Faco-iStent e 17,3 mmHg no grupo Faco-iStent Inject (p=0,275), alcançou-se uma PIO ao final de 6 meses de 13,9 mmHg e 12,7 respectivamente (p=0,014). Pacientes que foram submetidos a Faco-iStent inject obtiveram pressões médias mais baixas que paciente submetidos a Faco-iStent. A tabela 1 mostra a proporção de olhos que atingiu diferentes níveis pressóricos com cada grupo estudado. Percebe-se que mais olhos atingiram PIO-alvos mais baixas com o iStent Inejct do que com o iStent.

Tabela 1: Proporção de olhos que atingiram diferentes níveis de pressão-alvo: 

PIO-alvo ao final de 6 meses

iStent

iStent inject

p-valora

(comparação entre os grupos)

PIO < 18 mmHg

86,8%

100,0%

0,033

PIO < 16 mmHg

84,2%

88,6%

0,422

PIO < 14 mmHg

55,3%

71,4%

0,118

PIO < 12 mmHg

7,9%

25,7%

0,040

a Teste Chi-Quadrado

Ambos os dispositivos proporcionaram uma redução significativa do número de colírios. A redução média do número de colírios foi de 77,8% com iStent e 82,6% com o iStent Inject. Antes da cirurgia, 63,1 e 74,3% dos olhos nos grupos de iStent e iStent Inject, respectivamente, estavam em uso de 2 ou mais medicações para glaucoma. Ao final de 6 meses, 71,1% dos olhos com iStent e 74,3% dos olhos com iStent Inject estavam livre de medicações para glaucoma. 
As complicações foram muito raras em ambos os grupos. Um olho no grupo do iStent desenvolveu sinéquia anterior periférica durante o acompanhamento e foi tratado com Nd:YAG laser com sucesso. Dois olhos, também do grupo do iStent, necessitaram cirurgia filtrante no pós-operatório (um caso de glaucoma cortisônico e outro caso de alergia a qualquer medicação tópica). Em ambos os casos, o iStent não foi suficiente para controlar a pressão e colírios adicionais não foram efetivos ou estavam contra-indicados.
CONCLUSÃO
A grande vantagem das cirurgias microinvasivas do glaucoma (MIGS) é sua segurança, devido ao baixo índice de complicações e eventos adversos. Dentre as MIGS, as cirurgias com implante de dispositivo de “by-pass” trabecular estão entre as mais seguras. Quando bem indicada, apresenta resultados satisfatórios. A curva de aprendizado exige uma readaptação do cirurgião e da equipe cirúrgica.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1.Saheb H, Ahmed II. Micro-invasive glaucoma surgery: current perspectives and future directions. Curr Opin Ophthalmol 2012; 23: 96-104.
2.Guedes RAP, Suzuki Jr E, Omi CA, Guedes VMP (eds). Manual prático para cirurgias microinvasivas do glaucoma (MIGS). 1 ed. Cultura Médica. Rio de Janeiro-RJ. 2019.
3.Ansari E. An update on implants for Minimally Invasive Glaucoma Surgery (MIGS). Ophthalmol Ther. 2017; 6: 233-241.
4.Fernandes Resende Jr A, Patel NS, Waisbuourd M et al. iStent® trabecular microbypass stent: an update. J Ophthalmol 2016; 2016: 2731856.
5.Myers JS, Masood I, Hornbeak DM, Belda JI, Auffarth G, Junemann A, Giamporcaro JE, Matinez-de-laCasa JM, Ahmed IIK, Voskanuan L, Katz LJ. Prospective evaluation of two iStent trabecular stents, one iStent Supra suprachoroidal stent and postoperative prostaglandina in refractory glaucoma: 4-year outcomes. Adv Ther 2018, 35: 395-407.
6.Chang DF, Donnenfeld ED, Katz LJ, Voskanyan L, Ahmed II, Samuelson TW, Giamporcaro JE, Hornbeak DM, Solomon KD. Efficacy of two trabecular micro-bypass stents combined with topical travoprost in open-angle glaucoma not controlled on two preoperative medications: 3-year follow-up. Clin Ophthalmol 2017; 11: 523-28.
7.Guedes RA, Gravina DM, Lake JC, Guedes VM, Chaoubah A. Intermediate results of iStent or iStent Inject combined with cataract surgery in a real-world setting: a longitudinal retrospective study. Ophthalmol Ther. 2019. Published on line on Feb 5th 2019.

Fonte: Universo Visual

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