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Renata Sant`Anna Modesto Residência em Oftalmologia pela Santa Casa de Misericórdia de Belo Horizonte; Fellow do Serviço de Glaucoma do Instituto de Olhos das Ciências Médicas Hospital Medicina dos Olhos
Ana Luiza Scoralick Delgado Fellowship em Glaucoma pelo Instituto de Olhos das Ciências Médicas; Mestranda pela Universidade Federal de São Paulo EPM
Fabio Kanadani Chefe da Oftalmologia do Instituto de Olhos Ciências Médicas; Professor Titular em Oftalmologia da Faculdade Ciências Médicas MG; Doutor em Oftalmologia pela Escola Paulista de Medicina UNIFESP
Tiago Prata Professor do Departamento de Oftalmologia | UNIFESP/EPM; Professor Orientador do Setor de Glaucoma | Hospital Oftalmológico de Sorocaba; Coordenador do Fellowship em Glaucoma | IOCM HMO

Introdução
Glaucoma é uma neuropatia óptica caracterizada por dano no nervo óptico e alteração de campo visual periférico, sendo a causa de cegueira irreversível mais comum no mundo.1,2 A pressão intraocular (PIO) é o principal fator de risco modificável da doença3, sendo, portanto, a sua redução o principal objetivo quando se trata do tratamento do glaucoma.
Para redução da PIO, dispomos de medicações tópicas hipotensoras, procedimentos a laser e cirurgias oculares incisionais. Os tratamentos a laser, nesse contexto, podem ser empregados tendo como alvo a malha trabecular, visando o aumento da drenagem do humor aquoso, ou os processos ciliares, visando a redução da sua produção.4
Com o advento do laser Diodo, o uso dessa tecnologia aumentou em tratamentos cicloablativos, na tentativa de tratar casos refratários e avançados da doença. A ciclofotocoagulação transescleral (TSCPC), primeiro laser utilizado5, é uma forma de cicloablação que utiliza ondas contínuas de laser infravermelho (comprimento de onda 805-810 nm) via transescleral, que são absorvidas pelo epitélio pigmentar do corpo ciliar, resultando em sua destruição4 e necrose coagulativa do estroma do corpo ciliar.6 Devido ao risco de hipotonia, com possibilidade de deterioração visual e até phthisis bulbi, esse tipo de tratamento costuma ser empregado como última opção terapêutica, em olhos com prognóstico visual restrito.5 Já a endociclofotocoagulação (ECP) é um procedimento ab interno, introduzido na década de 1990 que, por ter visualização direta do corpo ciliar (via endoscópica),7 permite um tratamento mais direcionado dos processos ciliares. Apesar de ser um procedimento mais seguro do que a TSCPC, tem um maior custo, por necessitar frequentemente de associação à facoemulsificação e/ou à vitrectomia,4 e demanda maior habilidade cirúrgica. Esses aspectos talvez justifiquem o fato de a ECP ainda não ser um procedimento utilizado em larga escala.
Mais recentemente foi lançado no mercado o laser de ciclofotocoagulação transescleral micropulsado (MP-TSCPC). É um laser Diodo em que a energia é aplicada em segmentos chamados micropulsos, que são subdivididos em segmentos “on (30 a 300 ms) e segmentos “off (1700 a 2000 ms).8 Sua ação é baseada em uma resposta inflamatória modulada, evitando a formação de fibrose e cicatrização tecidual excessiva, devido ao resfriamento do tecido adjacente no ciclo “off .9 Isto é possível pois o stress biológico celular produzido induz à apoptose sem levar a necrose tecidual, como na TSCPC8, permitindo uma indução de energia mais localizada e com menos efeitos colaterais.10 Tem sua ação principal na redução da PIO pela diminuição da produção do humor aquoso, e uma aparente ação adjuvante pelo aumento da drenagem uveoescleral.11,12

Informações técnicas sobre o procedimento
Nosso grupo possui uma experiência ainda recente com o aparelho. Levando em conta nossos primeiros casos, associados às informações obtidas na literatura, segue abaixo o protocolo de aplicação que temos utilizado:
” Anestesia: sedação + anestesia local (o tipo de anestesia local varia de acordo com o caso e com a preferência do cirurgião).5,7

MP-TSCPC Parâmetros do laser5,13-16
Ciclos ciclo “on = 0,5 ms e ciclo “off = 1,1 ms
Tempo de exposição do tecido 100s a 180s divididos em uma aplicação* no quadrante superior e outra no quadrante inferior
Energia utilizada 2 W
Extensão do tratamento 360º poupar os meridianos das 3 e 9 h

 

” *A aplicação do laser é feita através de movimentos contínuos em arco, com o probe perpendicular ao limbo. Após o procedimento: acetato de prednisolona 1% 4x/dia por 14 dias.

 

figura01
Figura 1: Sonda MP-TSCPC (imagens obtidas do site da empresa)

Revisão dos dados da literatura
Já existem alguns trabalhos publicados investigando a eficácia e segurança do MP-TSCPC, desde séries de casos retrospectivos até ensaios clínicos prospectivos e comparativos. De um modo geral, os estudos sugerem uma redução média da PIO de 30% a 45%, sendo infrequente a ocorrência de complicações graves.
Um estudo retrospectivo recente, de Kuchar et al.13, analisou 19 pacientes com glaucoma refratário que foram submetidos ao MP-TSCPC. A média de idade foi de 71 anos, com um follow-up de 60 dias. A PIO média inicial foi reduzida de 37,9 mmHg no pré-operatório para 22,7 mmHg no final do acompanhamento, representando uma queda de 40,1%. Três pacientes precisaram de reabordagem cirúrgica, um paciente evoluiu com edema de córnea e um paciente com hipotonia. Quando pensamos no tempo de resposta ao laser, um estudo retrospectivo de Emanuel et al.14, com 84 olhos tratados com MP-TSCPC, demonstrou uma redução pressórica de 41,2% já no primeiro mês após a cirurgia (taxa inclusive similar ao estudo anterior).13
Já temos alguns poucos estudos prospectivos com o MP-TSCPC. Por exemplo, Tan et al.15 publicaram uma série de casos de 40 olhos com glaucoma refratário submetidos ao MP-TSCPC. O sucesso final foi definido como PIO de 6 a 21 mmHg e redução pressórica de pelo menos 30% com ou sem medicação. Os autores encontraram uma taxa de sucesso de 80% (follow-up médio de 16±4 meses). Nenhum dos olhos teve hipotonia ou perda visual. Já Aquino et al.5 publicaram um estudo prospectivo e randomizado comparando as técnicas de MP-TSCPC e TSCPC. Foram incluídos 48 pacientes, sendo que 24 pacientes foram submetidos ao MP-TSCPC e 24 pacientes a TSCPC, acompanhados por 18 meses. No grupo de MP-TSCPC foi utilizado um tempo de exposição de 100s com energia de 2 W, com um total de 62.6 Joules. Utilizando os mesmos critérios de Tan et al.15, os autores encontraram uma taxa de sucesso de 75% nos pacientes submetidos ao MP-TSCPC, e de 29% no grupo submetido a TSCPC após 1 ano. Já após 18 meses de acompanhamento, o sucesso cirúrgico foi para 52% e 30%, respectivamente. O grupo do MP-TSCPC teve um menor percentual de complicações.
Em um último estudo, Lee et al.16 compararam a eficácia e segurança do MP-TSCPC em adultos versus crianças. Os autores encontraram que o efeito do laser em pacientes pediátricos é menor que em adultos, necessitando de reintervenção cirúrgica na maioria dos olhos pediátricos estudados (78%). Apesar disso, o laser se mostrou seguro em ambas as faixas etárias, não havendo nenhum caso de complicação pós-operatória grave.

Casos clínicos
Apresentamos a seguir dois casos acompanhados em nosso serviço como forma de ilustrar as indicações e os primeiros resultados com a técnica de MP-TSCPC.

Caso 1
Paciente feminina, 56 anos, portadora de glaucoma neovascular, olho único, já submetida a procedimento antiglaucomatoso incisional no olho direito. Estava em uso de terapia tópica máxima e de acetazolamida 250 mg 1 comprimido de 12/12 horas via oral com PIO de 27 mmHg. Foi submetida ao MP-TSCPC e no 1º dia de acompanhamento pós-cirúrgico apresentou PIO de 17 mmHg, sem a suspensão do tratamento medicamentoso em uso. Já 1 mês após o procedimento apresentou PIO de 12 mmHg em uso dos colírios bimatoprosta 0,03% e timolol 0,5%. Com 4 meses de acompanhamento apresenta PIO de 14 mmHg sem medicações.

Caso 2
Paciente feminina, 29 anos, portadora de glaucoma juvenil, já submetida a três trabeculectomias e um implante de drenagem no olho direito. Estava em uso de colírios hipotensores em terapia máxima e de acetazolamida 250 mg 1 comprimido de 12/12 horas via oral com PIO de 29 mmHg. Foi submetida ao MP-TSCPC e no 1º dia de acompanhamento pós-cirúrgico apresentou PIO de 22 mmHg sem a suspensão do tratamento medicamentoso em uso. No 15º dia de pós-operatório apresentou PIO de 19 mmHg utilizando colírios travoprosta e timolol 0,5%. Após 1 mês do procedimento, apresentou PIO de 16 mmHg em uso apenas do colírio timolol 0,5%. Com 4 meses de acompanhamento apresenta PIO de 14 mmHg em uso de brinzolamida 1% e timolol 0,5%.

Considerações finais
Em conclusão, o MP-TSCPC é uma nova opção de tratamento para o glaucoma. Inicialmente tem sido estudado em casos de glaucoma avançado e refratário. Apesar de ainda necessitarmos de mais trabalhos de eficácia-segurança e de dados de longo prazo sobre a técnica, esta mostrou-se, até o momento, uma alternativa de fácil execução, relativamente previsível e com menor taxa de complicações quando comparada a TSCPC. Essas características podem, com o tempo, ampliar o nosso leque de indicações, onde eventualmente casos não tão avançados poderiam se beneficiar.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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5. Aquino MCD, Keith B, Anna WTM, Tan Ed, Chelvin SNG, Xiang Li, Seng CL, Paul TKC. Micropulse versus continuous wave transscleral diode cyclophotocoagulation in refractory glaucoma: a randomized exploratory study. Clinical and Experimental Ophthalmology 2015;43:40 46 doi: 10.1111/ceo.12360.
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10. Chong LP, Kohen L, Kelsoe W, Donovan M, Busawa D. Selective RPE damage by micro-pulse diode-laser photocoagulation. Investigative ophthalmology & visual science: Lippincott-Raven Publ 227 East Washington SQ, Philadelphia, PA 19106;1992.
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15. Tan AM, Chockalingam M, Aquino MC, Lim ZI, See JL, Chew PT. Micropulse transscleral diode laser cyclophotocoagulation in the treatment of refractory glaucoma. Clin Exp Ophthalmol. 2010 Apr;38(3):266-72.
16. Lee JH, Shi Y, Amoozgar B, Aderman C, De Alba Campomanes A, Lin Set al. Outcome of micropulse laser transscleral cyclophotocoagulation on pediatric versus adult glaucoma patients. J Glaucoma. 2017 Oct;26(10):936-939.

Fonte: Ana Luiza Scoralick Delgado, Renata Sant`Anna Modesto, Fabio Kanadani e Tiago Prata

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