Por Luciana Rodriguez
Quando pensamos em saúde e bem-estar, inevitavelmente lembramos de uma alimentação equilibrada e da prática de exercícios. Diariamente vemos cardiologistas, endocrinologistas, nutricionistas e muitos outros profissionais alertando para os riscos da alta ingestão de açúcares, sódio, gorduras, entre outros componentes prejudiciais à nossa saúde. Também é rotineiro escutarmos sobre a importância de certas vitaminas para o organismo, ômegas e muitas outras substâncias.
Dados publicados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) revelam que a maioria absoluta de nossa população tem níveis insuficientes de vitaminas D, A, C e E, assim como de cálcio e magnésio. O déficit é comum em todas as faixas etárias.
No entanto, ao debater esse assunto raramente pensamos no impacto que a alimentação pode ter especificamente para a visão. “Uma dieta saudável é muito importante para a saúde em geral e também para a saúde ocular. Todos sabem da importância da dieta na prevenção de doenças cardiovasculares, como o infarto agudo do miocárdio e o acidente vascular cerebral. Entretanto, poucas pessoas lembram a importância da dieta para a prevenção das doenças oculares , adverte a médica do Setor de Retina e Vítreo do Departamento de Oftalmologia da Santa Casa de São Paulo, Roberta Manzano.
Segundo Roberta, as principais doenças nas quais a nutrição desempenha um importante papel são: a degeneração macular relacionada à idade, catarata e síndrome do olho seco. “Essas doenças aumentam de prevalência com a idade e, portanto, estão se tornando cada vez mais frequentes. Estima-se que em 2050 a população acima de 80 anos será oito vezes maior do que no ano 2000. As reações fotoquímicas originadas na retina e no epitélio pigmentado da retina tornam estas estruturas altamente suscetíveis aos danos causados pelo estresse oxidativo. O processo de oxidação gera moléculas instáveis, com um número ímpar de elétrons, chamados radicais livres. Para atingir a estabilidade de elétrons, estas moléculas reagem com os tecidos oculares subjacentes.(1) O estresse oxidativo também ocorre no cristalino, levando à formação da catarata. O consumo de alimentos ricos em antioxidantes reduz a ação dos radicais livres, sendo que dentre os principais antioxidantes está a vitamina A (lipossolúvel). Vale lembrar que a deficiência de vitamina A pode levar a cegueira noturna, xeroftalmia e o aparecimento de lesões na córnea , alerta.
A vitamina A pode ser encontrada na forma animal, tais como bife de fígado, leite, queijo e gema de ovo e na forma vegetal: a vitamina A oriunda dos vegetais e frutas produzida no organismo a partir do betacaroteno está presente principalmente na cenoura, brócolis, tomate e espinafre.
Outros importantes antioxidantes citados por Roberta foram vitamina C (hidrossolúvel), presente nas frutas cítricas, brócolis, morango e tomate; vitamina E (lipossolúvel) nos óleos vegetais, folhas verdes, nozes, amêndoas e cereais; zinco, que é cofator de muitas enzimas antioxidantes; carotenoides, licopeno presente em tomates maduros; luteína em espinafre, brócolis, couve e pimenta-vermelha; zeaxantina do milho e ovo e ácidos graxos poli-insaturados ômega-3: docosaexaenoico (DHA), eicosapentaenoico (EPA) e alfalinolênico (ALA).
A oftalmologista da Santa Casa lembra que os ácidos graxos ômega-3 não são produzidos pelo nosso organismo e, portanto, são necessariamente adquiridos pela alimentação. “O ômega-3 pode ser adquirido de fontes animais como peixes (sardinha, atum e salmão) e de fontes vegetarianas, como avelãs e o óleo de linhaça. No entanto, as formas vegetais são ricas no ômega-3 tipo ALA. Participam da expressão gênica, diferenciação e sobrevivência das células retinianas e possuem propriedades anti-inflamatórias. O DHA participa da formação de 50% a 60% da membrana do segmento externo dos fotorreceptores. Atua nos mecanismos de sinalização celular envolvidos na fototransdução e auxilia na regeneração da rodopsina , explica.
A nutricionista Vanderli Marchiori, Presidente da Associação Paulista de Fitoterapia (APFIT), acredita que uma alimentação rica em gorduras saturadas e açúcares livres têm papel importante como agentes inflamatórios e podem ocasionar alteração de visão. Além disso, Vanderli ressalta que as deficiências de vitaminas A, D e C são comprovadamente prejudiciais à boa visão e que o betacaroteno é fundamental para uma visão clara e acuidade visual.
Priscila Machado, nutricionista da Confederação Brasileira de Triathlon (CBTri), ressalta que a deficiência de alguns nutrientes não permite que a visão receba a matéria-prima necessária para realizar suas funções. “Se a nutrição é variada, colorida e com vários nutrientes, ela permite ao corpo sintetizar substâncias que irão atuar nas estruturas do globo ocular e saúde ocular. Os alimentos mais benéficos para a saúde ocular são as frutas alaranjadas para o amarelo: pêssego, goiaba, laranja e todas as frutas “berries”: mirtilo, groselha, framboesa, morango, cranberry, entre outras , disse.
“Existem três grandes grupos de gorduras: monoinsaturadas (boa, mas sem excesso), poli-insaturadas (inclui ômega-3 e 6 e deve ser equilibrada) e saturadas (ruim). Em geral, a alimentação industrializada faz com que o consumo de gorduras saturadas seja maior, comprometendo a ingestão das outras gorduras. E hoje se fala muito no consumo de castanhas, oleaginosas, azeite, entre outras, que são monoinsaturadas e também fontes de ômega-6, podendo desequilibrar a proporção do ômega-3, que é bastante recomendado para quem tem patologias oculares , explica Priscila.
Para a nutricionista da CBTri, uma série de fatores pode levar a problemas oculares, mas certamente a nutrição também tem um impacto nesse contexto. A falta de antioxidante e de vitaminas pode sim contribuir para um problema futuro.
Estudo AREDS
“Além de ser importante para a retina, o ômega-3 alivia os sintomas dos pacientes com olho seco por reduzir a atividade inflamatória e melhorar a função das glândulas de Meibômio. Em 2001 foi publicado o Estudo AREDS (Age Related Eye Disease Study), cujo objetivo foi estudar o efeito de altas doses de antioxidantes e zinco na progressão da degeneração macular relacionada à idade (DMRI) para formas avançadas e na perda visual. Foi um estudo multicêntrico, randomizado, duplo-cego, que avaliou 3.640 pacientes acompanhados por cinco anos. Este estudo encontrou evidências de que o uso de suplementos vitamínicos de antioxidantes diminui em 25% o risco de progressão da DMRI seca forma intermediária para a forma avançada, e também demonstrou a diminuição de 19% no risco de perda visual nas formas intermediárias e avançadas, em acompanhamento por cinco anos. Pacientes sem DMRI ou estágio inicial da doença não obtiveram vantagem com a suplementação.(2) A fórmula AREDS era composta de: vitamina C 500 mg, vitamina E – 400 UI, betacaroteno – 15 mg, zinco – 80 mg e cobre 2 mg – adicionado para evitar anemia , relata Roberta.
A oftalmologista conta ainda que em 2006 o estudo AREDS 2 foi iniciado para testar por cinco anos se a fórmula inicial do AREDS poderia ser melhorada adicionando ômega-3, luteína, zeaxantina, retirando o betacaroteno ou reduzindo o zinco. “Foi um estudo multicêntrico que envolveu 82 centros, 4.203 pacientes, com idades de 50 a 85 anos. De uma forma geral não houve benefício adicional ao acrescentar ômega-3, luteína e zeaxantina na formulação original. Entretanto, os pesquisadores encontraram algum benefício quando analisaram dois subgrupos de pacientes: aqueles que receberam a fórmula AREDS sem betacaroteno e com luteína e zeaxantina apresentaram redução de 18% no risco de desenvolver a forma avançada de DMRI em cinco anos quando comparados ao grupo que recebeu a fórmula do AREDS com betacaroteno e sem luteína e zeaxantina. Os pacientes que tinham baixa ingestão de luteína e zeaxantina e que durante o estudo receberam esses carotenoides tiveram 25% menos risco de desenvolver DMRI avançada comparados aos participantes semelhantes que não receberam luteína e zeaxantina .(3)
De acordo com Roberta, devemos indicar a suplementação com vitaminas e antioxidantes na DMRI nas seguintes situações:
– Presença de diversas drusas do tamanho intermediário (>63 < 125 micras);
– Pelo menos 1 drusa grande (> 125 micras);
– Atrofia geográfica em 1 ou ambos os olhos;
– DMRI exsudativa em 1 olho.(2)
Em 2013 tivemos mais desdobramentos desse estudo, quando foi publicado um trabalho que acompanhou por cinco anos os pacientes do AREDS clinical trial e observou que os pacientes que recebiam antioxidantes e zinco continuaram mostrando redução no risco de desenvolver DMRI avançada, neovascular cinco anos após o término do estudo.(4)
Outros estudos
“Um estudo de meta-análise da Cochrane publicado em julho de 2017 mostrou que a vitamina E, betacaroteno, vitamina C e multivitaminas não previnem o aparecimento da DMRI em indivíduos saudáveis e não há evidências para justificar o uso de luteína e zeaxantina em indivíduos sem DMRI.(5) Outro estudo bastante recente de revisão e também de meta-análise da Cochrane avaliou 19 estudos multicêntricos para saber se o uso de vitaminas reduz a progressão da DMRI: 10 da Europa, seis dos EUA, dois da China e um da Austrália e chegou às seguintes conclusões:(6)
– Tomar vitaminas antioxidantes e zinco reduz a progressão para DMRI avançada e perda visual;
– Tomar apenas luteína isolada (ou combinada com zeaxantina) pode ter pouco ou nenhum efeito na progressão para DMRI avançada e perda visual;
– Tomar apenas vitamina E isolada pode ter pouco ou nenhum efeito na progressão para DMRI avançada e perda visual , detalha Roberta.
Por fim, a oftalmologista ressalta que atualmente existe uma controvérsia em relação ao tipo genético de DMRI e a utilização ou não de antioxidantes. “Um estudo mostrou que pacientes com um ou dois alelos CFH deveriam utilizar apenas antioxidantes sem zinco e pacientes com um ou dois alelos ARMS2 deveriam utilizar apenas zinco, já que associar antioxidantes poderia aumentar o risco de progressão.(7) Os estudos são conflitantes e ainda não é consenso solicitar teste genético antes de indicar a suplementação com vitaminas.(8) Outros estudos são necessários para confirmar esses resultados , frisa.
“Em suma, indivíduos sem DMRI ou DMRI inicial não necessitam de suplementos vitamínicos, entretanto pacientes com DMRI intermediária e avançada têm indicação de suplementos vitamínicos, uma vez que estes diminuem o risco de progressão da doença. E devemos sempre recomendar mudanças de hábitos de vida, como: alimentação saudável, desencorajar o tabagismo, praticar exercícios físicos, controle da hipertensão arterial e colesterol, além de utilizar óculos escuros com proteção UV , conclui a médica.
Referências bibliográficas
1. Ham WT, Jr., Mueller HA, Sliney DH. Retinal sensitivity to damage from short
wavelength light. Nature 1976;260(5547):153-5.
2. A randomized, placebo-controlled, clinical trial of high-dose supplementation with vitamins C and E, beta carotene, and zinc for age-related macular degeneration and vision loss: AREDS report no. 8. Arch Ophthalmol 2001;119(10):1417-36.
3. Lutein + zeaxanthin and omega-3 fatty acids for age-related macular degeneration: the Age-Related Eye Disease Study 2 (AREDS2) randomized clinical trial. Jama 2013;309(19):2005-15.
4. Chew EY, Clemons TE, Agron E, et al. Long-term effects of vitamins C and E, beta-carotene, and zinc on age-related macular degeneration: AREDS report no. 35. Ophthalmology 2013;120(8):1604-11 e4.
5. Evans JR, Lawrenson JG. Antioxidant vitamin and mineral supplements for preventing age-related macular degeneration. Cochrane Database Syst Rev;7:CD000253.
6. Evans JR, Lawrenson JG. Antioxidant vitamin and mineral supplements for slowing the progression of age-related macular degeneration. Cochrane Database Syst Rev;7:CD000254.
7. Awh CC, Lane AM, Hawken S, et al. CFH and ARMS2 genetic polymorphisms predict response to antioxidants and zinc in patients with age-related macular degeneration. Ophthalmology 2013;120(11):2317-23.
8. Chew EY, Klein ML, Clemons TE, et al. No clinically significant association between CFH and ARMS2 genotypes and response to nutritional supplements: AREDS report number 38. Ophthalmology 2014;121(11):2173-80.
Fonte: Universo Visual