Segundo dados da Demografia Médica no Brasil 2023, produzida em parceria entre a Associação Médica Brasileira (AMB) e a Faculdade de Medicina da USP (FMUSP), de 2013 a 2022 foi registrada a maior expansão do ensino médico da história do Brasil. Além disso, o número de médicos mais do que dobrou no Brasil em pouco mais de 20 anos e, nos últimos 13 anos, mais de 250 mil novos profissionais se formaram. Ainda de acordo com o estudo, a especialidade de oftalmologia conta atualmente com mais de 17 mil médicos especialistas no País.
Diante desse cenário, é possível prever que uma parte desses profissionais optarão por abrir sua própria clínica. Para isso, o médico precisará despertar dentro de si sua vocação empreendedora, para além da vocação médica.
A trajetória de André Luiz Oliveira de Sousa no segmento de oftalmologia começa um pouco diferente. O especialista em Direito Médico é CEO do Ver Hospital de Olhos e Sócio Fundador da 20/20 Consultoria em Gestão de Negócios Médicos, está na área há 25 anos, mas não é médico. Sua expertise diz respeito justamente a essa outra área do conhecimento, a de gestão de negócio na especialidade. “O médico pode aproveitar esse momento de profissionalização e se unir a um grupo ou, por exemplo, trazer um gestor profissional como consultor, sócio, a fim de auxiliá-lo no desenvolvimento do seu negócio; o que ele não pode é ser negligente, tocar um negócio sem conhecimento técnico”.
Como relembra Luiz Taranta, Docente de Oftalmologia da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS) e Diretor de cursos da Sociedade Brasileira de Administração em Oftalmologia (SBAO), esse conhecimento sobre gestão não é dado durante a faculdade ou residência, o médico tem que adquirir sozinho e, muitas vezes, ele erra e perde muito tempo. “No meu caso eu fiz o que a maioria dos médicos faz: comecei numa clínica que já existia. Entendi do negócio, aprendi, tive tempo para me capitalizar. Mas sempre tive o sonho, esse ideal de abrir um negócio, em que eu conseguisse dar vazão para as minhas ideias, atender do jeito que eu acredito. Depois de uns cinco anos montei junto com um amigo uma clínica própria”, detalha.
O que não pode deixar de ser feito
Antes mesmo da abertura de uma clínica, é muito importante fazer uma pesquisa de mercado para identificar oportunidades, demanda pelo serviço, perfil de clientes que deseja atender; bem como todas as questões que demandarão investimento, tais como a escolha do imóvel para aluguel ou compra e a aquisição de equipamentos.
Todas essas informações serão utilizadas para elaborar um planejamento estratégico do negócio, que também deverá prever definições sobre a estrutura societária, o credenciamento a planos de saúde e, futuramente, ações de divulgação e marketing. O médico ainda precisará incluir nesse plano como será feita a composição de receita, uma reserva de capital de giro, inclusive todos os aspectos legais e tributários.
Para Caio Felipe Moraes do Nascimento, empresário e Médico Oftalmologista nas Clínicas VER de Oftalmologia, além de parceiro da Central da Visão, o profissional deve começar a entender sobre a parte burocrática desse processo. “Existem regras para cada tipo de clínica e a tributação muda de acordo com o que for escolhido. Posteriormente a esse trâmite com o contador, vem a localização da clínica (que deve se basear no seu público-alvo e nos seus parceiros). Após isso, será necessária uma visita com o arquiteto tendo em mente o que a lei determina para cumprir com as exigências como, por exemplo, da vigilância sanitária”, conta.
E, apesar da importância de se fazer um plano de negócios, com a dinâmica estabelecida pelo mercado hoje em dia, aconselha-se seguir por uma proposta de médio prazo, como explica Taranta: “Os projetos de longuíssimo prazo não cabem mais na oftalmologia. A gente precisa seguir um conceito que é conhecido como learning organization, que é aprender com o negócio, uma mudança dinâmica durante o curso do negócio; é o que as principais empresas que persistem no mercado tem em comum. Um projeto de qualquer estrutura oftalmológica deveria ser de no máximo 5 anos, sabendo que ele vai mudar ao longo do tempo”.
Os equipamentos
Sobre a escolha dos aparelhos, Nascimento diz que, para ele, o que importa é ter uma clínica funcional: “Às vezes atrasamos nossos sonhos nos exigindo a perfeição, que na verdade não existe, e, portanto, as vezes vale a pena gastar um pouco a mais nos aparelhos, simplesmente pelo fato de economizar o que é mais precioso, o tempo. Em minha experiência pessoal a compra dos aparelhos oftalmológicos foi muito natural, até fácil, pois essa é a área de expertise do oftalmologista”. Aparentemente suas decisões foram acertadas. “Em nossa clínica possuímos 7 funcionários, em 4 unidades, e cerca de 30 parceiros médicos oftalmologistas”, informa.
Apesar do valor do investimento, Taranta lembra que a compra pode passar até por financiamento, importar, ou, se necessário, até compra um aparelho usado inicialmente. “Aqui a gente fez investimentos graduais, na medida do necessário e para incorporar novas tecnologias”.
Um pouco sobre gestão
Alguns empreendedores optam pela contratação de consultores e por terceirizar algumas das atividades que precisam ser realizadas na clínica. “Nosso call center e nosso departamento de faturamento são próprios. Tratamos algumas unidades, como o centro cirúrgico, como negócios diferentes, segmentados. Temos um administrador para fazer a conexão entre todos eles, além de uma consultoria que gere toda a clínica”, comenta Taranta. “A disciplina de gestão vai ser o diferencial do médico bem-sucedido. Nos próximos anos esperamos entregar para o médico todo esse conhecimento na residência”, conclui.
Nascimento agrega: “O Olho do dono é que engorda o boi, o que o médico não pode deixar de fazer é se afastar desse processo, terceirizar demais os processos acaba o afastando do objetivo final, podendo encarecer e até inviabilizar a abertura da clínica. Nós médicos em geral somos descolados da parte administrativa, o que na verdade pode condenar a clínica ao fracasso, então é de primordial valia a gestão médica para o sucesso do negócio”.
Dica do especialista
“Um negócio saudável propicia um tratamento melhor para o paciente. E, aos novos médicos ou entrantes no mercado: evite olhar para o passado, os modelos de sucesso de ontem não necessariamente servem para os dias atuais. Não estamos numa era de mudança, estamos numa mudança de era”, finaliza Sousa.
Pensando em todos esses detalhes, o Conselho Brasileiro de Oftalmologia (CBO) criou um manual completo e detalhado para auxiliar aqueles que desejam abrir a sua própria clínica. O documento pode ser acessado em: https://www.cbo.net.br/novo/publicacoes/como_iniciar_clinica_oftalmologica_cbo_online.pdf
Passo a passo básico para abertura de uma clínica:
- Plano de negócio
- Contador especializado em medicina
- Emissão de alvará de localização e funcionamento
- Cadastro de Vigilância Sanitária
- Contrato social (abertura da empresa e certidões)
- Cadastro da pessoa jurídica no CRM
- Credenciamento nos planos de saúde
- Contratação de funcionários
- Tributação
- Arquiteto
- Propaganda e Marketing
Entrevista publicada na versão impressa da revista Universo Visual – Edição de Março / 2023
Jornalista: Camila Abranches