A Revista Universo Visual e o oftalmologista Renato Ambrósio Jr., especialista em Córnea e Cirurgia Refrativa e autor do livro “Tenho Ceratocone, e Agora?” (Editora Buqui, 2019), realizaram uma ação em conjunto em prol da Campanha Junho Violeta (idealizada pelo oftalmologista), que visa alertar a população sobre o ceratocone, doença relativamente comum que é uma das principais causas de transplante de córnea no Brasil e em todo o mundo. Confira, abaixo, uma entrevista com o especialista, em que ele aborda, entre outras questões, a importância do diagnóstico do ceratocone, com exames detalhados, e de orientar os pacientes sobre as melhores formas de tratamento da doença.
Universo Visual – Quando o ceratocone estabiliza, o grau de astigmatismo costuma estabilizar também?
Renato Ambrósio Jr. – O ceratocone é uma doença de caráter progressivo, porém nem todo caso seguirá progredindo após o diagnóstico, principalmente porque fazemos o tratamento clínico e a orientação para o paciente não coçar mais os olhos. Quando o grau da ectasia se estabiliza, tipicamente a progressão da miopia e do astigmatismo, bem como a irregularidade desse astigmatismo, tendem a se manter estáveis. É muito importante fazer exames de imagem, como a topografia, a tomografia de coerência óptica, e até mesmo estudo biomecânico, que permitem identificar uma progressão antes dela determinar uma perda da acuidade visual corrigida. Um outro exame importante é a aberrometria ocular ou estudo que permita uma avaliação objetiva da qualidade da visão do paciente e que também pode ser utilizado para um acompanhamento ao longo do tempo.
UV – No tratamento, muitos pacientes utilizam óculos em vez de lentes de contato?
Ambrósio Jr. – Os óculos são a base do tratamento para a reabilitação visual do paciente com ceratocone. A avaliação clínica em conjunto com os exames complementares podem ajudar na refração subjetiva do paciente. Esses dados objetivos direcionam uma refração mais eficiente e isso pode fazer uma grande diferença, conforme demonstrado em um artigo recentemente publicado na Revista Brasileira de Oftalmologia. É importante destacar que no nosso consenso publicado em 2015, existe o paciente com ceratocone com boa visão com óculos que deve fazer uso da lente de contato de forma mais cuidadosa. A lente de contato irá, de fato, fazer uma grande diferença quando o paciente tem irregularidade. Isso muda a qualidade de vida e a qualidade de visão dele, mas não impacta, infelizmente, na progressão do ceratocone.
UV – Dr. Renato, qual a sua conduta frente ao paciente que não quer ou não pode, por motivos financeiros, usar lentes? O que fazer para melhorar sua visão?
Ambrósio Jr. – É fundamental no tratamento do ceratocone, como em qualquer doença, termos consciência na hora de conjugar os verbos pode, precisa e deve. E para isso, precisamos ter conhecimento sobre o caso de cada paciente, isto é, de forma individualizada, e também transmitir conhecimento ao paciente para que ele possa tomar decisões conscientes. Isso é um desafio no dia a dia para transformar aquela informação do MedQuiz (app que reúne mais de 20 mil questões sobre medicina) de uma maneira que o paciente possa entender. Essa é uma das questões mais importantes da campanha Junho Violeta. Se o paciente não tem boa visão com os óculos, ele precisa tentar a lente, e se não quer tentar a lente, tem que entender que precisará, eventualmente, de uma cirurgia com implante do anel ou de um transplante de córnea. É muito importante orientarmos o paciente para que seja possível uma decisão consciente de forma a melhorar sua qualidade de vida.
UV – Quais são os primeiros indícios do ceratocone?
Ambrósio Jr. – O ceratocone nas fases iniciais é realmente subclínico, subsintomático. O paciente pode ter ceratocone durante a vida inteira e nunca ter feito uma topografia e não ter detectado a doença. Mas os primeiros sinais que chamam a atenção para a suspeita do ceratocone estão relacionados com a qualidade da visão do paciente e também com a mudança frequente de óculos, principalmente no paciente mais jovem. É fundamental estarmos atentos a esses sinais para indicar a necessidade de um exame de imagem, principalmente a topografia e, eventualmente, exames mais complexos, como a tomografia, estudo biomecânico etc. É muito importante prestar atenção ao paciente que tem alergia ocular e aqueles com astigmatismo com mais de uma dioptria. Esses pacientes, na minha forma de entender, merecem uma documentação para um acompanhamento de forma mais objetiva.
UV – Indo para o consultório agora, qual o primeiro sinal de alerta para o profissional suspeitar de ceratocone?
Ambrósio Jr. – É preciso prestar atenção aos sinais que indicam a necessidade de fazer um exame complementar de imagem da córnea, de acordo com a possibilidade. É essencial não perder a oportunidade de fazer uma documentação e, eventualmente, um diagnóstico precoce, o qual irá permitir que o profissional acompanhe o paciente de forma mais embasada e tome conhecimento de uma possível progressão, para tomar uma decisão clínica que irá ajudar o paciente. Dessa forma, é imprescindível que ele solicite um exame de imagem quando tem um paciente com alergia ocular, um indivíduo jovem com histórico familiar de ceratocone, ou mesmo quando ele tem um astigmatismo maior do que uma dioptria. Esses são os sinais mais significativos que justificam realizar pelo menos uma topografia e um exame de paquimetria central. A partir daí, podemos aumentar a complexidade de acordo com as possibilidades.
UV – O ar seco pode atrapalhar a progressão do ceratocone? Que dicas podemos dar ao paciente para minimizar os impactos?
Ambrósio Jr. – Depois da orientação, da educação do paciente a respeito da doença, para minimizar o seu sofrimento, devemos pensar no tratamento da superfície ocular. Isso envolve a disfunção lacrimal e a alergia, sendo que uma agrava a outra. Algumas cidades como Goiânia, por exemplo, têm um ressecamento maior do ar. Outras como São Paulo, têm mais poluição. Tudo isso pode aumentar tanto a disfunção da lágrima como a alergia ocular. O paciente deve ser visto por um médico bem capacitado para poder indicar a melhor terapêutica com colírio lubrificante para o tratamento da alergia ocular, anti-histamínico etc, tudo isso fará uma diferença no controle desses problemas, que pode agravar mais a progressão da doença relacionado ao hábito de coçar os olhos. Portanto, é fundamental estarmos muito atentos para fazer essa diferença na vida dos pacientes com ceratocone.
Fonte: Revista Universo Visual