A infecção pelo novo coronavírus pode causar lesões anatômicas na retina, mesmo em casos mais leves que não demandaram internação em UTI. Ainda não se sabe se isso vai causar danos ou perda de visão.
É a primeira vez que se descreve essas alterações no olho humano, até então só observadas em modelos animais.
Os resultados preliminares, publicados nesta terça (12) na revista médica inglesa The Lancet, são de um estudo do Instituto da Visão e do departamento de oftalmologia da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo).
No trabalho, foram avaliados 12 profissionais da saúde com diagnóstico de Covid-19, com idades entre 25 e 65 anos. Eles tiveram as estruturas oculares examinadas entre o 11º e 35º dia de infecção.
Segundo o oftalmologista Rubens Belfort Júnior, um dos autores do estudo e presidente da Academia Nacional de Medicina, até agora a conjuntivite era a única manifestação da Covid nos olhos.
Além dos 12 casos relatados no estudo, há outros 13 pacientes sendo acompanhados pelo grupo, inclusive alguns que precisaram de internação. “Os pacientes não reclamam que estão enxergando mal, mas testes específicos de fisiologia de retina mostram lesões anatômicas que podem ter um correspondente funcional. Não sabemos ainda qual é.”
Para ele, a situação é parecida com aqueles casos de Covid-19 em que o paciente aparentemente se sente bem, apenas com um pouco de tosse, e quando faz uma tomografia de tórax e encontra uma grande lesão no pulmão.
O exame feito na retina se chama tomografia de coerência óptica, que usa luz, e não radiação. Ele analisa as estruturas micrométricas da retina que estão alteradas.
“Não é um exame perigoso, não dói, pode ser repetido muitas vezes ao dia. É como se tirasse uma fotografia do olho”, explica Belfort Júnior.
O objetivo agora é acompanhar o que vai acontecer com esses pacientes e ver, por exemplo, se a lesão vai desaparecer ou piorar ao longo do tempo.
“Temos apenas três semanas de conhecimento sobre isso. Quisemos publicar logo para que outros grupos do Brasil e do mundo prestassem atenção a essas lesões”, diz.
Segundo o médico, as lesões estão localizadas junto às células ganglionares, que são um tipo de neurônio encontrado na retina. Elas também existem no sistema nervoso central, dão suporte às funções neurológicas.
“Isso pode ser um biomarcador da presença de lesões no sistema nervoso central que não são clinicamente perceptíveis”, explica.
Essa possibilidade é importante porque descobertas recentes têm demonstrado que uma parte dos pacientes da Covid-19 desenvolve também alterações cerebrais.
“Esses sinais na retina podem ser uma maneira simples e rápida de detectar alguma eventual correlação com o sistema nervoso. É mais um indício de que o coronavírus tem uma predileção pelo sistema nervoso.”
Fonte: Folhapress