Cerca de 12 mil anos atrás, pequenos grupos de humanos abandonaram a caça nômade e coleta de sementes e frutas para se estabelecer em pequenas localidades cultivando agricultura de subsistência e domesticando animais para comida, trabalho, transporte e vestimenta (revolução neolítica). Sobre estas condições de contato ser humano e animal próximo as doenças enzoóticas e zoonóticas começaram a aparecer, tais como catapora, sarampo, tuberculose. Outro aspecto relevante como o desmatamento, intensificação da agricultura (novas fronteiras agrícolas, disrupção do ecossistema promoveu o contato de mais pessoas com a vida selvagem e seu potencial patógeno zoonótico.
Quando num mundo cada vez mais globalizado, pessoas viajam, os germes viajam, tornando assim as pandemias mais possíveis.
COVID-19: definição
A definição básica que o SARS-COV-2 é um RNA vírus que causa uma síndrome respiratória em humanos. A Organização Mundial de Saúde (OMS) declarou em 30 de janeiro de 2020 como uma pandemia (do Grego pandemik de todo povo) mundial a infecção da covid 19 em função da transmissão humano-humano.
Os primeiros relatos se davam em morcegos e a primeira grande referência de transmissão se deu nos mercados de animais a céu aberto na china em 2003, nos morcegos dos cavalos chineses (Rhinolophus Sinicus).
O coronavírus possui um dos maiores genomas entre os RNA vírus de 27 a 32 kb, sendo que os receptores que mediam a endocitose são os ACES (angiotensin – converting enzyme) que estão presentes nas superfícies de células renais, vasos sanguíneos, coração e mais importante nos alvéolos respiratórios.
A primeira descrição do coronavírus 229e e OC43 foi feita no final dos anos 60 e era inofensiva para os seres humanos, já a primeira epidemia no inverno de 2003 no sul da china provocou uma mortalidade de 10% nos pacientes infectados.
Em dezembro de 2019 no mercado aberto de animais de Wuhan na China, SARS-COV 2 é o sétimo membro da família do coronavírus que infecta seres humanos diferente tanto do MERS-COV e SARS-COV.
Os perdigotos são a principal forma de transmissão e contágio da doença, e o período médio de incubação é de 4 dias podendo variar de 1 a 12 dias. Os sintomas mais comuns são febre 43% podendo chegar a 88,7%, tosse 67.8%, diarreia em 3,8%, assim como fadiga.
O COVID-19 possui uma alta capacidade de ativação do LT helper (Th1), daí a capacidade se no momento, o corticoide ser bastante útil para reduzir a inflamação pulmonar, por exemplo.
A pró droga nucleosídeo antiviral remdesivir apresenta uma potente eficácia contra o MERS-COV e SARS-COV.
Os anticorpos da classe IgG direcionado contra o SARS-COV2 possui uma meia vida de 85 a 158 dias, podendo em alguns casos permanecer por 300 dias. E o reforço com a vacina estimula as células de memória LB e produz uma alta quantidade de anticorpos em pouco tempo. O interessante é que pós vacina o nível de IgA de mucosa desempenha um importante papel na imunidade de mucosa.
Fatores associados ao prognóstico ruim; idade maior que 65 anos, homem, dispneia, comorbidades (cardiovascular ou doença respiratória e diabetes), hematológica, linfopenia e alta proporção neutrófilo -linfócito, bioquímico (LDH maior que 245U/L, aumento de bilirrubina e creatinina). Inflamação, aumento do PCR, interleucina 6 e ferritina sérica. Aumento do D dímero. Endoteliopatia e angiogênese, aumento da angiopoietina-2, von Willebrand e trombomodulina solúvel.
COVID-19 e manifestações oculares
A conjuntivite é a manifestação ocular mais comum podendo ocorrer em qualquer estágio da doença. Esta conjuntivite inclui hiperemia conjuntival, quemose, epífora e aumento das secreções. O efeito direto do vírus, o dano tecidual imuno mediado, ativação da cascata da coagulação e estado protrombótico.
Essas manifestações oculares incluem a infecção direta, o mecanismo inflamatório, coagulopatiae neuro oftálmico.
O RNA do vírus já foi isolado nos tecidos oculares.
As manifestações oculares podem ocorrer mesmo semanas após a recuperação do paciente. O padrão da conjuntivite é a conjuntivite bilateral folicular em cerca de 8,6% doas casos de infecção por COVID-19 e ocorre em torno do décimo terceiro dia.
No caso das crianças a incidência da doença de Kawasaki é 30 vezes mais comum nos pacientes com infecção do COVID-19.
Já as manifestações oculares palpebral e da superfície ocular mais frequentes são olho seco, dor, lacrimejamento, hiperemia, sensação de corpo estranho, fotofobia, prurido, visão borrada, conjuntivite folicular e episclerite.
Para todos os oftalmologistas, no contexto atual, todos os pacientes com conjuntivite devem ser considerados para o diagnóstico da COVID-19.
É evidente que o sistema imunológico estimulado em resposta a vacina ou mesmo a infecção viral pode desencadear doenças auto inflamatórias nos pacientes como uveite, oftalmopatia tireoide e trombocitose com trombocitopenia.
A episclerite pode ocorrer em casos dos pacientes com COVID-19. Um terço dos casos de espisclerite pode estar associada a etiologia viral, incluindo, HSV, hepatite C e possivelmente SARS-COV 2.
Já para o envolvimento do segmento posterior, o mecanismo de inflamação vascular e modificações neuronal desencadeado para infecção viral, mas não especifica para a COVID-19. A média de idade dos pacientes é de 47 anos, e o aparecimento dos sintomas oculares é cerca de 12 dias e 50% são homens sem comorbidades sistêmicas associadas.
A oclusão da veia central da retina é uma das muitas manifestações vasculares oculares. A explicação é que esses pacientes estão em um estado procoagulante evidente pelo D dímero elevado, tempo de protrombina e tempo parcial de tromboplastina ativado.
A oclusão da artéria central da retinapode ocorrer em quadros de BAV aguda e indolor com um grave prognóstico visual.
Casos de neurorretinopatia macular aguda e maculopatia aguda média paracentral tem sido também descritas, assim como associação com a Sindrome de Susac (Fotos). Estes pacientes apresentam uma diminuição indolor aguda da visão, escotoma paracentral colorido e discromatopsia.
Há descritos também vários casos de síndrome de Vogt-Koyanagi-Harada pós vacina para a COVID-19. Já na retina podemos encontrar vitreite e anormalidades da retina externa, onde se encontra hiperrefletividade camada pelexiforme interna, na camada de células ganglionares e disrupção da zona elipsoide evidenciada no OCT e na angiofluor áreas hiperfluorescente.
Outros achados incluem hemorragias retinianas periféricas, hiperpigmentação macular, palidez setorial da retina, hemorragia em chama de vela peripapilar. Exsudato duro e exsudato algodonoso.
A reativação da coroidite serpiginosa também pode ocorrer pós-COVID-19.
A rejeição do transplante de córnea é a manifestação mais comum do segmento anterior pós vacina para a COVID-19, sendo a mais comum a Pfizer com a duração de 7 dias pós vacina.
Os receptores da enzima conversora da angiotensina 2 (ACE-2) tem sido descrito na retina.
As vacinas para a COVID-19 tem que ser melhor avaliadas em relação ao seu potencial de proteção, assim como os seus efeitos colaterais. A constante mutação do vírus requer que a mesma seja constantemente atualizada.
Nós como oftalmologistas precisamos estar atentos as possíveis manifestações oculares, tanto da vacina, como a infecção ou reinfecção que já foram descritas ou ainda não relatadas na literatura mundial. O que definitivamente mudou é a nossa relação com os pacientes em termos de história clínica e anamnese sempre questionando sobre a COVID-19.
Pelo que parece ainda vamos continuar um bom tempo de máscaras, principalmente no consultório e aguardando uma nova cepa ou um novo vírus que deixou a sua marca indelével na história. Porque com certeza, outras histórias virão!
Fonte: Revista Universo Visual
Autor: Kimble Matos – Imunologista e Oftalmologista Pós-doutorado da Unifesp/EPM