O descolamento de retina, doença grave, sem tratamento por quase toda existência da humanidade obteve avanços na cirurgia nos últimos 100 anos. Ohms foi o primeiro a injetar ar na cavidade vítrea para tentar tratar o descolamento de retina, foi seguido por vários outros inovadores e pioneiros como Gonin, Schepens e Machemer que revolucionaram o tratamento desta doença grave. O tratamento do descolamento de retina evoluiu da cirurgia com buckler no século XX para a cirurgia de vitrectomia pars plana (VPP) que foi o procedimento cirúrgico mais realizado nos últimos 20 anos. A Retinopexia pneumática (RP) foi introduzida em 1985 por Dominguez, mas, este procedimento não se popularizou entre os cirurgiões. O sucesso anatômico pela cirurgia, perseguido de forma intensa, hoje se alia à busca ao melhor resultado funcional (acuidade visual, metamorfopsia, aniseicônia e sensibilidade ao contraste). Contudo, muitos pacientes experimentam uma perda da função visual no pós-operatório, incluindo metamorfopsia e aniseicônia em mais de 50% dos pacientes que se submeteram a cirurgia com macula descolada.1
A qualidade do resultado visual pós cirurgia depende do tempo decorrido entre o descolamento da retina e a realização da cirurgia, assim como, devido a integridade do reposicionamento da retina. A baixa integridade no reposicionamento da retina “Low-integrity retinal attachment” (LIRA) é resultado muito comum e pouco desejado da cirurgia de retina, em oposição a alta integridade do reposicionamento da retina “Hight- integrity retinal attachment” (HIRA) resultado altamente desejado. Recentemente, os avanços dos exames multimodais de imagem da retina como En Face OCT e Autofluorescência de campo amplo tem permitido a avaliação de alterações anatômicas que não eram possíveis detectar.1,2,3
Em 2010, Shurigami et al. demonstrou a presença de linhas hiperautofluorescentes em 62,8% dos pacientes após vitrectomia pars plana. Estas linhas são devido ao mal reposicionamento da retina causando o desnudamento do epitélio pigmentado (EPR) que estava coberto pelo vaso em seu local original antes da retina descolar. Estas linhas foram denominadas de “Retina vessel printing” por Dell¢Omo et al. ou “Retinal pigment epithelium vessel ghosts” por Lee et al.. Shurigame sugere a hipótese de que estas linhas ocorrem devido a mudanças metabólicas no EPR quando exposto a luz pela primeira vez. Dell¢Omo sugere a hipótese que o fluoróforos das células do EPR que nunca foram expostas à luz teria composição e características químicas diferentes das demais. Estas imagens demonstram perda da posição original da retina que causa desalinhamento da justaposição dos fotorreceptores com relação a posição original causando a LIRA. Este desalinhamento da retina é a possível causa da metamorfopsia e aniseicônia no pós-operatório da cirurgia de retina.2,3,4
Estudos tem demonstrado que a escolha da técnica cirúrgica e de materiais para substituto vítreo pode influenciar na incidência e extensão LIRA no pôs-operário. Brosh et al. realizaram estudo multicêntrico retrospectivo “the INTEGRITY study” e demostraram que 44% das cirurgias de vitrectomia pars plana versus 7% das retinopexia pneumática apresentaram mal reposicionamento da retina no pôs-cirurgia. Os pacientes com mal posicionamento da retina apresentaram alta incidência de metamorfopsia vertical e pior acuidade visual5. O PIVOT Study (Pneumatic Retinopexy versus Vitrectomy for the Management of Primary Rhegmatogenous Retinal Detachment Outcome Randomized Trial) primeiro estudo clínico randomizado com objetivo de quantificar metamorfopsia em cirurgia primária para descolamento de retina, demonstrou que foi significativamente menor a gravidade e frequência da metamorfopsia em Retinopexia pneumática versus vitrectomia pars plana, 37,9% versus 56,7 % respectivamente.6 Estes estudos foram seguidos pelo estudo multicêntrico não randomizado comparativo “ALIGN Study” onde foram incluídos pacientes com descolamento retina incluindo mácula que formam submetidos a vitrectomia pars plana versus Retinopexia Pneumática. O grupo de VPP apresentou aproximadamente 50% de mal posicionamento da retina comparada a 15% dos pacientes com RP.6 Muitos pacientes após cirurgia para correção do descolamento de retina relatam micropsia, aniseiconia e metamorfopsia. A hipótese atual sugere que estes distúrbios da visão são decorrentes do mal reposicionamento da retina.7
O mecanismo de reposicionar a retina é diferente nos dois procedimentos. O movimento do líquido subrretiniano de forma abrupta e ativa, para drenagem através da troca fluido gasosa ou uso de perfluocarbono líquido, assim como, uso de gás como substituto vítreo, são possíveis causas desta mudança de posição da retina. A cirurgia da RP ocorre o bloqueio da rotura retiniana pela bolha de gás, o líquido subrretiniano residual é absorvido através da bomba do EPR de forma lenta, minimizando o mal posicionamento da retina.1
Reposicionamento da retina, objetivo maior da cirurgia no descolamento tem sido perseguido de forma enfática, contudo, o cuidado na escolha da técnica cirúrgica com objetivo de induzir a menor perda da integridade tem sido tema de pesquisas recentes que nos guiará na nova era da cirurgia com melhor qualidade da visão.
Referências:
- Muni HR, Lee WW, Bansal A, et al. A paradigma shift in retina detachment repair: The concept of integrity. Progress in Retinal and Eye Research.2022;91:1-33
- Shiragami C, Shiraga F, Yamaji H, et al. Inintentional displacement of the retina after standard vitrectomy for rhegmatogenous retinal detachment. Ophthalmology. 2010:117(1):86-92.
- Dell¢Omo R, Mura M, Lesnik Oberstein SY, Bilj H, Tan HS, Early simultaneous fundus autofluorescence and optical coherence tomography features after pars plana for primary rhegmatogenous retinal detachment. Retina 2012;32(4):719-728.
- Lee E, Williamson TH, Hysi P, et al. Macular displacement following rhegmatogenous retinal detachment repair. Br j Ophthalmol. 2013;97(10):1297-1302.
- Brosh K, Francisconi CLM, Qian J, et al. Retina displacement following pneumatic retinopexy vs pars plana vitrectomy for rhegmatogenous retinal detachment. JAMA Ophthalmol. 2020;138(6):632
- Hillier Rj, Felfeli, Berge AR, Wong DT, et al. The pneumatic retinopexy versus vitrectomy for the management of primary rhegmatogenous retinal detachment outcomes randomized trial (PIVOT). Ophthalmol.126 (4), 531-539
- Francisconi, C.L.M., Marafon, SB, Figueredo NA, et al.Displacement following pneumatic vs vitrectomy for retinal detachment ( ALIGN). Ophthalmol. SO161-6420
Jorge Rocha – Doutor em ciências médicas USP/SP
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