A DMRI é a principal causa de perda visual irreversível no mundo desenvolvido em pessoas com mais de 50 anos. A DMRI seca que atinge cerca de 90% dos portadores de DMRI pode evoluir para a forma avançada, Atrofia Geográfica, onde encontramos atrofia de fotorreceptores, epitélio pigmentado da retina e coriocapilar levando a perda visual irreversível.1 Recentemente o FDA aprovou duas medicações para tratamento da AG; em fevereiro de 2023 foi aprovado Pegcetacoplan, inibidor de C3 (Synfovre, Apelles Pharmaceutics), em 04 de agosto de 2023 foi aprovado o Avacincaptad Pegol (Izervay, Averic Bio/Astellas), inibidor de C5, ambas as drogas ainda não disponíveis no Brasil. Este artigo revisa o papel do sistema complemento no DMRI e potenciais tratamento tendo o sistema complemento como alvo.
A fisiopatologia da DMRI seca não está totalmente elucidada, contudo, o processo inflamatório crônico mediado pelo sistema de defesa inato reúne fortes evidências cientificas que tem grande papel no desenvolvimento da atrofia geográfica. Foi demonstrado que componentes proteicos do Sistema complemento fazem parte do material amorfo das drusas. Drusas são biomarcadores do processo de formação da DMRI.2
A atrofia geográfica, forma avançada da DMRI seca, se expande de forma contínua desde sua origem, em média 0,53 a 2,6mm quadrados por ano, a velocidade de crescimento da lesão depende de fatores individuais e externos (não específicos). A expansão da lesão é maior em direção a periferia da retina do que em direção a fóvea, contudo, cerca de 2,5 anos após seu início a lesão pode chegar à fóvea causando perda de visão grave e irreversível (Mais de 3 linhas, tabela de snellen). A AG também acomete olhos contralaterais, inicialmente não acometidos, em média 22% dos olhos contralaterais após dois anos de doença no primeiro olho são acometidos com AG.3
O sistema complemento é responsável pela primeira linha de defesa contra vários patógenos através da lise da membrana plasmática, marcando o patógeno para ser destruído a posterior e ou aumentando a atividade da defesa humoral via anticorpo. O sistema complemento é ativado por três diferentes vias: Clássica, Alternativa e Lectina. Todas as vias convergem e ativam o componente C3, formando a C3 convertase e fragmentando o C3 em C3a e C3b. A partícula C3a tem propriedades anafiláticas que ativa o inflamossomo, facilitando a fagocitose. O C3b induz a cascata de formação da membrana de ataque através da clivagem da C5 em C5a e C5b, seguindo para C5b, C6, 7, 8 e 9, o Complexo de Ataque a Membrana (MAC) induz a morte do patógeno por Lise damembrana célula.4
Na via clássica do sistema complemento, a ativação ocorre pela ação do complexo antígeno-anticorpo que se liga ao componente C1q da partícula C1. O complexo antígeno-anticorpo/C1q hidrolisa os componentes C2 e C4 que se juntam para formar a enzima C3 convertase.4
A via alternativa é ativada de forma espontânea, sem mediação do anticorpo humoral. O componente C3 é hidrolisado espontaneamente através do auxílio de proteínas como: Complemento B (FCB), Fator Complemento I (FCI), Fator Complemento D (FCD) que se liga ao C3 transformando em C3 convertase. O fator de complemento H (FCH), tem função de inibir esta reação e regular o processo.4
A via do complemento Lectina é ativada através de partículas estranhas ao corpo humano, reconhecidas como não próprias. Receptores de reconhecimento, especificamente pela ligação molecular Manose- lectina (ML), identificam partículas estanhas ao organismo e ativam as partículas C2 e C4 levando a C3 convertase e iniciando a cascata do sistema complemento.4
A desregulação deste importante sistema de defesa inato do organismo pode ocorrer por causas genéticas ou ambientais, acarretando ativação exacerbada induzindo a formação de drusas. Perda da regulação do complemento induzida por alterações gênicas dos fatores como CFH, inibidor da cascata do complemento, assim como desregulação dos FCB, FCD, C1, C3 e C5 se acredita são fatores de risco para o aparecimento e progressão da AG.4
Em fevereiro de 2023, foi aprovado pelo FDA americano a Pegcetacoplan (Synfovre) Apelles. O Pegcetacoplan tem por finalidade diminuir o crescimento da área de atrofia geográfica, preservando a visão do paciente. O Pegcetacoplan atua através do bloqueio da partícula do Sistema complemento C3, bloqueando a clivagem do componente C3 convertase em C3a e C3b, inibindo o progresso da cascata do complemento.4
O estudo clínico fase 3 Derby e Oalk compararam Pegcetacoplan com grupo placebo. Critérios de inclusão, pacientes com visão 20/320 ou melhor com área de atrofia geográfica de 2,5mm a 17,5mm. No estudo Oalks, temos redução no crescimento da área de atrofia geográfica após 24 meses de tratamento mensal ou bimensal respectivamente de (22% e 18%). No estudo Derby, temos redução de 19% e 16% em área de crescimento da atrofia, respectivamente. O estudo fase 3 de extensão que avalia a segurança e toxicidade do Pegcetacoplan por 36 meses se encontra em andamento.4
O inibidor de C5, Avacincaptad Pegol (Izervay, Iveric Bio) inibidor do componente C5 do complemento, a droga e um aptmer pergilado de RNA que se liga e bloqueia a ativação do C5, impedindo a formação do MAC. O estudo fase 2/3 Gather 1 uso mensal de 2 mg e 4 mg inibiu o crescimento da área de atrofia geográfica em 27,4 % e 27,8%, respectivamente. O estudo Gather2 em andamento, está avaliando a dose de 2mg mensal por 12 meses e seguindo com a mudança para tratamento mensal e bimensal comparado ao placebo até completar 23 meses. Os resultados têm sido encorajadores.
A inibição do complemento tem sido bem tolerada nos estudos clínicos. Contudo, a conversão em membrana neovascular exsudativa tem sido demonstrado. No estudo do pegcetacoplan mensal foi encontrado 11,9% de novos casos de membrana neovascular exsudativa e 6.7% no grupo de tratamento bimensal. Nos estudos GATHER1 e GATHER2 também foram demonstrados aumento dos casos de membrana neovascular após tratamento com Avacincaptad Pegol.4
Recente alerta foi emitido pela ASRS sobre vasculite oclusiva pós-tratamento com pegcetacoplan. Foi apresentado no congresso em Seattle da ASRS em julho 2023 11 casos, 3 suspeitos e 8 confirmados de vasculite. Um caso apresentado de panuveite.
Muitas outras drogas para o tratamento de AG que inibem o sistema complemento estão em fase de estudos clínicos e pré-clínico: inibidor de C3, NGM621 (NGM Biopharmaceuticals) em fase 2, estudo CATALINA; CB 2782- PEG (Catalys Biosciences), fase pré-clínica; KNP- 301 (Kanaph Therapeutics) fase pré-clínica. Temos também inibidores de MAC como alvo para tratar a AG. HMR59 (Hemera Biosciences) terapia gênica que induz a produção endógena da proteína CD59 que inibe a formação do MAC, em fase 1 de estudo.5
Estamos presenciando uma grande onda de avanços no tratamento de uma doença tão devastadora para a visão como a AG. Pesquisas irão demonstrar quais os melhores caminhos para a preservação da visão e melhora da qualidade de vida dos pacientes acometidos pela AG.
Referências bibliográficas:
- Ferris FL, Wilkinson CP, Bird A, Chakravarthy U, Chew E, Csaky K, et al. Clinical classification of age ralated macular degeneration. Ophthalmology. 2013;120:844-51.
- Anderson DH, Radeke MJ, Gallo NB, et al. The pivotal role of the complemet system in aging and age-related macular degeneration:hypothesis re-visited. Prog Retin Eye Res. 2010;29(2):95-112.
- Sunness JS, Gonzales-Baron J, Applegate CA, Bressler NM, Tian Y, Hawkins B, et al. Enlargement of athophy and visual acuity loss in the geography atrophy from ofage-related macular degeneration. Ophthalmology. 1999; 106:1768-79.
- Desai D, Dugel PU. Complement Cascade inhibition in geographic atrophy: a review. EYE. 2022; 36:294-302.
- Halawa AO, Lin JB, Miller JW, Vavvas DG. A review of completed and ongoing complemente inhibitor trails for geographic atrophy secondary to age-related macular degeneration. J Clin Med. 2021; 10(12) 2580.