Paulo Schor – Cirurgião e Professor de Oftalmologia & Ciências Visuais da Epm-Unifesp, Ficsae-Hiae e Ita
Notti Magiche de Paolo Virzì e Once Upon A Time In… Hollywood de Quentin Tarantino vem a público aqui e agora. São complementares e não disputam na mesma categoria do Oscar.
O primeiro faz um retrato da calorosa vida cinematográfica da Itália – e seus diretores – nos anos 90. Emoção em altíssimo volume e qualidade, com bem pouco controle. O segundo narra a vida hippie ao lado dos cowboys, na Hollywood dos anos 70. Sucesso metrificado, muito bem trabalhado, com violência encomendada.
Trazem visões sociais e pessoais continentalmente opostas, mas que se comunicam tão bem na mente de quem se deixou modificar e não reagiu. Quem assimilou e progrediu, cedendo a tentação de “voltar 50 anos”. Certamente essas pessoas hoje tem habilidades valiosas para nossa prática e humanidade.
Como mediadores entre as doenças e os doentes, a tecnologia e o usuário, os remédios e os venenos; os profissionais de saúde – e especificamente os médicos – tem de dispor legitima e apaixonadamente dos meios para promover a melhor solução para cada caso.
Como não sabemos de antemão o que nos espera, a filosofia do “just in case”, no lugar do “just in time”, se aplica. “Just in case” pode significar ter um vasto conhecimento e habilidades, que a princípio não são aplicados de imediato, mas dão subsídio para inúmeras respostas e atitudes.
Não adianta ser expert em emoção, leitura de personalidade, e muito inseguro nos números e respostas práticas, frente a um paciente com perfil objetivo e questionador. Do mesmo modo vale mais ser acolhedor e ouvinte, frente a um paciente com queixas emocionais, e completamente reais, em seu universo. Aqui reside uma característica que diferencia o profissional técnico, especializado, do bacharel, com formação geral e crítica. O prático tem uma solução a mão, respondendo a uma demanda especifica, pré-conhecida (“just in time”). O médico não.
Podemos facilmente extrapolar o espírito acumulador para ambientes corporativos, especificamente o ecossistema empreendedor que estimula a inovação. Não é a toa que o cargo de CMO (chief medical officer), é tão estratégico para as empresas. A leitura do usuário que oferta (médico) e o que recebe (paciente) o serviço, está centralizada nessa figura, que deve ter noções concretas dos tempos de desenvolvimento tecnológico e mercado. Saber que caminhos evitar é tão importante como consertar um carro na estrada. O “C” level se articula em torno de competências complementares, e não devem competir.
Vivenciei recentemente essa realidade com gestores em empresas desenvolvedoras de tecnologia em Boston. Michael Goldstein é o CMO da empresa Ocular Therapeutix. Médico oftalmologista filiado a Universidade Tufts, continua clinicando. Após algumas horas de conversa, percebe-se que grande parte de seu valor é exatamente por causa disso. Niaz Karim é o CEO da recém-criada Intelon, que se apropriou da tecnologia Brillouin, e se dedica a avaliar a elasticidade de tecidos in vivo, como a córnea com ceratocone ou a esclera do míope. Passei a tarde em um “think tank” onde fui mais ouvido do que ouvi. A experiência do médico em campo é bem-vinda. Revi amigos como o CEO da empresa EyeNetra, Victor Pamplona, que se mantém tão próximo quanto possível, sempre “de olho” na relevância de cada novo produto, e solicitando a opinião clinico-cirúrgica.
Se apaixonar pelos produtos, pela técnica cirúrgica, pela mais nova lente intraocular faz parte e dá cor e cheiro a nossa volta. São noites mágicas onde resolvemos problemas do planeta e temos ideias fantásticas!
Ser focado e eficiente, entregando as cataratas prometidas e não atrasando as consultas, nos remete ao utilitarismo americano, a linha de produção japonesa. Com essa previsibilidade contam os produtores Hollywoodianos!
Quem sabe nós, brasileiros, não conseguimos realmente ser um amalgama. Uma mistura que sabendo quando usar um ou outro ingrediente, resulte em um delicioso e competente elenco.
Fonte: Universo Visual