A fila de espera por um transplante de córnea no Brasil praticamente dobrou em cinco anos, saltando de 12.212 pacientes em 2019 para 24.319 atualmente (dados de março), e o número de procedimentos realizados no ano passado é menor do que o que foi executado há 10 anos (7.826 em 2022 contra 8.710 em 2012). Os dados, divulgados em um relatório feito pelo Conselho Brasileiro de Oftalmologia (CBO), reforçam que o volume de transplantes realizados pelo Sistema Único de Saúde ainda não retomou os níveis alcançados antes da pandemia de Covid-19.
Segundo o relatório, em 2020, durante a pandemia de Covid-19, a série histórica de transplantes de córnea registrou seu pior desempenho – foram 4.374 cirurgias – algo esperado diante da emergência sanitária global. Mas, desde então, mesmo com uma retomada das cirurgias em 2021 e 2022, os números ainda continuam abaixo do que era feito na fase pré-pandemia.
Para o oftalmologista Adriano Biondi, do Hospital Israelita Albert Einstein, não houve um retrocesso estrutural no sistema de transplantes, o acúmulo na demanda é um reflexo da pandemia. “Em 2020 [no auge da pandemia], os transplantes eletivos de córnea só foram liberados em outubro. Até outubro só eram feitos os procedimentos de urgência, com olho perfurado, trauma, infecção e outras situações que não podiam ser adiadas. Isso reduziu praticamente pela metade os procedimentos”, diz.
Biondi ressalta, no entanto, que a retomada em 2021 foi em um ritmo um pouco mais lento e, por isso, houve mais acúmulo na demanda. Para ele, uma alternativa para tentar reduzir o impacto seria criar uma estratégia extraordinária por um período de um ou dois anos para tentar reduzir as filas.
De acordo com o Sistema Nacional de Transplantes (SNT), o tempo médio de espera por um transplante de córnea é de 13,2 meses, mas esse número varia de acordo com a região. Em São Paulo e no Paraná, por exemplo, a espera é de 6,5 meses. No Ceará, apenas 1,2 meses. Em contrapartida, no Pará, a espera por uma córnea chega a 26,2 meses e no Maranhão, 22,6.
Ainda segundo o levantamento do CBO, entre 2012 e 2022, foram feitos cerca de 86 mil transplantes de córnea no Brasil nos hospitais da rede pública. Mas há uma concentração dos procedimentos na região Sudeste, que responde por 46% do total de transplantes. Em seguida estão o Nordeste (25%); Sul (13%); Centro-Oeste (9%); e Norte (5%).
Os estados que possuem mais centros transplantadores públicos têm melhor desempenho. É o caso de São Paulo, por exemplo, que tem nove unidades e responde por um terço dos transplantes de córnea no período analisado (29,9 mil intervenções entre 2012 e 2022). Em seguida, estão Pernambuco (5.770 procedimentos), Minas Gerais (5.696), Paraná (4.946) e Ceará (4.727). Na outra extremidade, estão Tocantins (145), Acre (237), Rondônia (569), Alagoas (625) e Paraíba (1.115).
Outro detalhe que os números destacam é o volume significativo de intervenções nas faixas etárias de 40 a 69 anos (39,2%) e de 20 a 39 anos (27%). Outros grupos também são favorecidos, como idosos com mais de 70 anos (25% dos casos) e crianças e adolescentes (8,4%).
Segundo Biondi, o fato de as cirurgias ocorrerem mais entre os adultos acontece porque houve uma melhora significativa nos tratamentos do ceratocone (enfermidade não inflamatória que afeta a estrutura da córnea e uma das principais causas de demanda de transplante de córnea) para os jovens. “Isso, de certa forma, diminui a necessidade do procedimento nessa faixa etária. Além disso, nós também melhoramos a técnica de transplantes endoteliais (que usam apenas uma parte da córnea), que são mais demandados pela população idosa, e conseguimos resultados excepcionais.”
Campanha para doação
Diante do cenário, o presidente do CBO, Cristiano Caixeta Umbelino, enfatiza a importância de realizar campanhas para incentivar as doações de córnea, com informações para a população sobre como o processo é feito.
“A doação de córnea só é possível após o falecimento do doador, ou seja, ela não pode ser doada em vida. É um ato de generosidade que ajuda a transformar vidas. Vale lembrar que a doação precisa da autorização da família e a cirurgia não deixa vestígios”, disse.
Para Biondi, é preciso mais informação e profissionalização do sistema para aumentar a capacidade de captação do tecido. “No Brasil, temos excelentes centros transplantadores, clínicas com expertise, médicos especialistas. O que ainda falta é a disponibilidade de córnea. Temos exemplos de sucesso em São Paulo, no Ceará, que mostram que ter uma equipe especializada na captação é fundamental. O transplante é um trabalho de múltiplas faces. Envolve hospitais, médicos, famílias e a sociedade como um todo. E quanto mais profissionalizado, melhor o resultado”, completou.
Fonte: Agência Einstein