Por Tatiana Ferrador
Humanização no atendimento com melhoria de processos. Esta é, de forma simplificada, a proposta da Acreditação Hospitalar, que visa, por meio de um processo voluntário, níveis mais altos de excelência com uma visão 360o em instituições de saúde.
Desde o atendimento no estacionamento, passando pela recepção, condições de higiene do local, instalações, equipe de enfermagem, nutrição, até o corpo clínico, tudo é avaliado de modo a oferecer ao paciente o que há de mais assertivo em serviços de saúde.
Cabe à Organização Nacional de Acreditação Hospitalar (ONA) certificar empresas prestadoras de saúde, como hospitais, ambulatórios, laboratórios, serviços de pronto-atendimento, home care, entre outros, assim como Serviços Odontológicos, Programas de Saúde e Prevenção de Riscos e ainda Serviços para a Saúde, que incluem o processamento de Roupas para a Saúde, manipulação e esterilização e reprocessamento de materiais.
Atualmente existem seis Instituições Acreditadoras (IACs) homologadas pela ONA para este trabalho, e a escolha fica a critério do gestor de cada organização de saúde, que deve analisar o perfil de cada uma delas, a proposta de diagnóstico oferecida, a capacitação da equipe de avaliadores e o custo do processo antes de decidir por uma delas.
De fato, ainda é um programa voluntário e temos no Brasil apenas 6% de instituições hospitalares acreditadas. No entanto, com o passar dos anos tem se tornado necessário para qualquer organização de saúde conseguir extrair sua capacidade máxima assistencial.
Níveis de excelência
Para obter a acreditação, a instituição passa por um processo subdividido em níveis. No nível 1, que é chamado Acreditado, estão instituições que atendem aos critérios de segurança do paciente em todas as áreas de atividade, incluindo aspectos estruturais e assistenciais. Já no nível 2, conhecido por Acreditado Pleno, estão as instituições que, além de atender aos critérios de segurança, apresentam gestão integrada, com processos ocorrendo de maneira fluida e plena comunicação entre as atividades. E, finalmente, no nível mais cobiçado por todas as instituições, o 3, está o Acreditado com Excelência, que qualifica instituições com melhores índices em gestão, como o próprio título indica.
O processo de Acreditação, assim como todos os existentes que visam ao aprimoramento de processos, leva tempo e possui etapas com níveis de exigência e complexidade variados. Por esta razão, a decisão de participar ou não da Acreditação deve ser uníssona entre todos os envolvidos na instituição, e contemplar toda a equipe, o corpo clínico e os colaboradores, a partir de uma direção comprometida e que alcance todos os níveis da organização.
Como explica a administradora do Hospital de Olhos Niterói, Faiga Marques, ainda há muitas dúvidas sobre os reais ganhos na qualidade da gestão hospitalar por parte das instituições. “Muitas receiam começar o processo de certificação, pois acreditam que tantas normas e regras podem acabar engessando sua operação e dificultando o dia a dia de trabalho de médicos e colaboradores, mas na verdade o que ocorre é apenas a implantação bem-sucedida de um programa de certificação por meio de processos mais ágeis e mais seguros”, diz.
“No Hospital de Olhos Niterói, atingimos o Nível 3 Acreditado com Excelência, e todo o trabalho foi acompanhado de perto por um Comitê da Qualidade, criado para assegurar o bom andamento das exigências e traçar a melhor estratégia para sua obtenção”, explica Faiga. “Também enfrentamos dificuldades e resistências no começo, mas ao passo que todos os envolvidos notavam que os processos de trabalho melhoravam, passaram a ficar mais engajados , lembra. “Quem investe em ações em prol da Excelência sabe que é um caminho sem volta, e agora nosso próximo objetivo é a Acreditação Internacional”, aposta a administradora.
A mudança para a nova estrutura foi um dos principais fatores que motivaram o Hospital de Olhos Sadalla Amin Ghanem a buscar a Acreditação Hospitalar. Como lembra a gestora da Qualidade e SAC da instituição, Anelize Luz de Mira, havia a necessidade de aprimorar os processos administrativos e assistenciais. “Estávamos em um ambiente maior, com novos profissionais e com a expectativa de nossos pacientes ainda mais elevada, e, por isso, precisávamos encontrar uma maneira de sermos assertivos para garantirmos a satisfação e segurança de nossos pacientes, por meio de processos padronizados, uma comunicação transparente com o engajamento de todos os profissionais”, pontua.
Ela ressalta que a melhoria foi muito importante, tanto para os pacientes, que notaram a preocupação ainda maior com sua satisfação por parte do Hospital, por meio da excelência e segurança dos serviços prestados, como para os médicos, que trabalham em um ambiente com rotinas padronizadas e seguras, e comunicação aberta.
No entanto, Anelize, assim como Faiga, destaca que para um processo de Acreditação bem-sucedido é fundamental que alguns fatores estejam bem claros, tais como a compreensão sobre a importância do processo de Acreditação, o envolvimento da alta direção, o comprometimento da equipe com a instituição com uma gestão capacitada, a escolha assertiva da empresa acreditadora, a transparência durante as avaliações da empresa acreditadora e, claro, o desejo de melhorar continuamente.
A Acreditação traz consigo uma série de investimentos, não necessariamente quantificados apenas monetariamente, mas envolvendo tempo, dedicação, estudos e aprendizado com foco na qualidade de processos. Segundo o diretor comercial do CBV Hospital de Olhos, Leonardo Carvalho, a contratação de mão de obra especializada, a aquisição de um bom sistema de gestão da qualidade, o investimento em cursos e treinamentos para os gestores, além dos custos com a equipe de auditores externos durante as auditorias, certamente serão investimentos necessários a ser realizados. “Porém estes serão tranquilamente suportados por uma instituição financeiramente saudável, já que os custos muitas vezes são proporcionais ao tamanho de cada organização”, pontua.
Há no Manual ONA algumas condicionantes que devem ser seguidas à risca pelas instituições que buscam a Acreditação, cujos reflexos são imediatos em procedimentos operacionais do dia a dia. Carvalho elenca alguns: todas as atividades da instituição estarão mapeadas e descritas como devem ser executadas. “No caso da contratação de um novo colaborador, por exemplo, seu tempo de adaptação às rotinas pode ser diminuído em até 40%”. O nível de segurança no repasse da informação é aumentado substancialmente, e com a implantação eficiente da cadeia cliente-fornecedor é possível trazer à luz da discussão pontos nevrálgicos que antes causavam consideráveis impactos na entrega das áreas.
Além disso, a definição de algumas métricas focadas em resultado pode trazer de maneira clara e objetiva ao corpo funcional o que a empresa espera dele enquanto empregado; perdas e glosas, antes consideradas incontestáveis, passaram a ser tratadas nas suas origens, com atuações corretivas e preventivas; o processamento de contas, antes com um tempo extremamente alto, passou a acontecer em até no máximo 24 horas; a equipe de gestores consegue trabalhar diariamente com foco no resultado dos indicadores da sua área, já previamente definida no planejamento estratégico, que inclusive é revisado anualmente. “No nosso caso, como contamos com um indicador exclusivo para medir a satisfação do cliente/paciente, passamos a conseguir tratar também o percentual residual mais importante, ou seja, o índice daqueles que estão insatisfeitos”, pondera.
Duração
Alguns processos de melhoria podem levar bastante tempo, pois englobam diversas áreas. Por essa razão, o tempo de todo o processo vai variar de acordo com as necessidades particulares de cada organização. Um hospital leva em média cerca de dois anos para se adequar e para receber a visita de Acreditação. “Antes de passar pela avaliação para a Acreditação, é possível fazer um Diagnóstico Organizacional que indica os pontos fortes e fracos da instituição, mostrando o que é necessário melhorar”, explica o gerente de Relações Institucionais da Organização Nacional de Acreditação Hospitalar (ONA), Péricles Góes da Cruz.
A partir do momento em que a instituição julgar que está pronta para a Acreditação, é agendada a visita de avaliação. A visita dura de dois a três dias, aproximadamente. A seguir, os avaliadores têm 20 dias para elaborar o relatório completo, que segue para a ONA. Em até 30 dias, a ONA homologa o resultado e, caso a instituição tenha sido acreditada, emite o certificado e divulga o resultado no seu portal.
“Durante o período de validade do certificado, a instituição precisa manter o desempenho identificado no processo de avaliação. Para monitorar se isso ocorre, a equipe de avaliadores visita as instituições certificadas periodicamente”, destaca Cruz, que lembra, ainda, que mais do que a excelência no atendimento, a Acreditação tem reflexo na gestão mais eficiente dos recursos.
A Acreditação também é um instrumento de gerenciamento que ajuda as organizações a avaliarem seus processos, medirem seus resultados e sua atuação enquanto instituições de saúde. “Nada mais é do que um processo contínuo de educação de toda a equipe, pois mesmo depois de acreditada, a instituição precisa aprimorar constantemente seu atendimento e gestão, identificar fragilidades e desenvolver soluções para sanar falhas e evitar que aconteçam novamente”, pontua Cruz.
Desafios enfrentados pelas instituições que aderem ao processo de Acreditação:
- Falta de apoio, comprometimento e envolvimento da Direção, lideranças e corpo clínico.
- Falta de comunicação com toda a equipe de maneira clara e objetiva.
- Falta de flexibilidade na cultura institucional, dificultando as mudanças.
- Falta de conhecimento técnico sobre o processo de acreditação, bem como de conceitos, sistemáticas e ferramentas de gestão da qualidade.
- Investimentos necessários na melhoria da infraestrutura e processos.
Fonte: Hospital de Olhos Sadalla Amin Ghanem
Visão macro, resultado ampliado
Implantar um programa de gestão da qualidade numa instituição de saúde significa trazer para o campo estratégico amplo conhecimento de todos os processos da organização. Além disso, outro fator extremamente relevante é o poder de oferta aos pacientes, de um serviço com alto nível de segurança, com diminuição considerável dos riscos inerentes à atividade. “Temos hoje no país cerca de 40 serviços de oftalmologia com algum nível de Acreditação atestado pela ONA. Desses, apenas 13 são acreditados em nível máximo”, afirma o diretor comercial do CBV Hospital de Olhos.
“Um exemplo claro do ganho que existe para o médico e o paciente é quando podemos encontrar todos os processos assistenciais mapeados, organizados e sendo executados com segurança. As chances de haver erro da parte técnica são diminuídas num alto grau”, explica Carvalho. “Essa diminuição, por sua vez, refletirá no baixo índice de complicação cirúrgica e consequente diminuição de reoperações, índices esses que são mensurados por qualquer organização de saúde acreditada”, pondera. “Além de vários outros benefícios, temos ainda a previsibilidade de remuneração diferenciada, com critérios estabelecidos pela Agência Nacional de Saúde Suplementar ANS, para médicos e hospitais com algum nível de qualificação”, complementa.
Na opinião de Carvalho, entre as principais barreiras e desafios durante o processo de Acreditação estão as relacionadas ao trabalho da informação, da orientação e da condução dessa proposta, junto à equipe médica, que deve ser realizado antecipadamente, de preferência por um gestor médico ou até mesmo pelo próprio diretor técnico. “Dificilmente teremos um corpo clínico totalmente comprometido com o sistema de gestão da qualidade, mas se a organização conseguir trazer para essa nova realidade a maioria dos médicos, certamente as dificuldades na implantação do novo sistema serão minimizadas”, diz.
Outro fator diz respeito à cultura organizacional, que deve ser algo que já esteja intrínseco às atividades desempenhadas no cotidiano de qualquer empresa. Modificá-la requer um alto esforço, inclusive das lideranças táticas e operacionais. “Alterar processos que sempre foram desempenhados daquela mesma maneira, mensurar atividades que sempre foram executadas e nunca avaliadas e até mesmo apresentar resultados financeiros de uma área assistencial, não será tarefa fácil, caso todo o seu corpo funcional não esteja orientado com o foco no resultado”, ressalta o executivo do CBV Hospital de Olhos.
Já sobre os benefícios obtidos por Carvalho em sua instituição, o profissional cita que passaram a conhecer com detalhes todos os processos do hospital que até então eram de domínio apenas do gestor da área, que por vezes não partilhava de suas angústias rotineiras.
Com o modelo de gestão da qualidade implantado e “rodando” PDCA em todas as áreas, passaram a levantar sugestões com foco na melhoria contínua, dessa vez com observações de quem está ausente do processo, portanto, sem pré-conceitos. “Assim, conseguimos discutir novas ideias, que foram implantadas como práticas diárias, e hoje os gestores de fato conduzem suas áreas com maior autonomia, podendo contar com o apoio da direção inclusive nos microprocessos, sempre com o foco no resultado final da área”, conclui.
Programas de Acreditação que vêm ganhando força nos serviços de saúde do Brasil:
ONA (Organização Nacional de Acreditação): Sendo a principal instituição brasileira que avalia a qualidade dos serviços de saúde no país, tendo como base seu próprio manual de acreditação, foca no gerenciamento da rotina hospitalar e na melhoria contínua dos processos internos, seguindo inclusive padrões internacionais de segurança do paciente. Nesse programa encontramos três níveis de Acreditação: Nível 1 Acreditado / Nível 2 Acreditado Pleno / Nível 3 Acreditado com Excelência.
JCI (Joint Commission International): Criada há mais de 20 anos, tem alto foco na segurança do paciente, adotando indicadores internacionais para garantir acesso e tratamento continuado. É também considerado por alguns gestores hospitalares o programa de melhor aceitação pelo corpo clínico.
Qmentum/ACI (Accreditation Canada Internacional): Verifica e monitora padrões de alta performace, adotando também padrões e critérios internacionais de assistência à saúde, com foco no atendimento humanitário do paciente.
HIMSS (Healthcare Information and Management Systems Society): Associação internacional focada no uso da Tecnologia da Informação (TI) para extrair uma alta performace das melhores práticas assistenciais. Entre os modelos desenvolvidos pela HIMSS, podemos citar o EMRAM – Electronic Medical Record Adoption Model, adotado para avaliação de hospitais e que pode ser considerado como um processo de Acreditação hospitalar, onde encontraremos oito estágios de avaliação. Assim, uma instituição em (estágio 0) terá apenas sistemas setoriais avulsos, sem comunicação integrada e off-line e, em seu último estágio (estágio 7) poderemos encontrar uma unidade hospitalar com um completo prontuário eletrônico, informações clínicas integradas e completamente sedimentadas, além de alta qualidade de business intelligence (BI), podendo ser tratado como um hospital digital.
Fonte: Leonardo Carvalho, do CBV Hospital de Olhos
Fonte: Universo Visual