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A enxaqueca ocular (ou enxaqueca oftálmica) é o conjunto de alterações visuais mono ou binoculares, também conhecido como aura, de causa neurológica, usualmente seguido de forte dor de cabeça, enjoos, mal-estar, além de sensibilidade à claridade e ao som. Estes sintomas visuais podem variar bastante, porém, geralmente, são descritos como perda transitória de campo visual, aparecimento de pontos cintilantes, escurecimento da visão e distorção da imagem, sempre de caráter transitório e de regressão completa.
Conforme explica Marcia Lucia da Silva Fagundes Marques, médica neuro-oftalmologista do IMO – Instituto de Moléstias Oculares/SP, em alguns casos podem ocorrer a caída da pálpebra (ptose) e até mesmo alteração no tamanho da pupila e estrabismo, também de caráter transitório. “Nessas condições, classificamos a enxaqueca como sendo oftalmoplégica”, revela a especialista. De acordo com Renato Neves, mestre e doutor em Oftalmologia pela Unifesp e diretor presidente do Eye Care Hospital de Olhos, a enxaqueca ocular afeta, em média, um em cada 200 pacientes que sofrem de enxaqueca comum. “Uma questão importante é que na ocorrência da enxaqueca ocular os problemas visuais, os pontos cegos, problemas no campo da visão ou mesmo a falta de visão temporária irão afetar apenas um olho e durar de alguns minutos a cerca de 30 minutos dentro do período total de enxaqueca, que perdura de quatro a 72 horas”, destaca.
Ou seja, segundo o especialista, se a pessoa tiver esses problemas de campo de visão, de falta de visão, de pontos cegos nos dois olhos, isso já demonstra para o oftalmologista que não se trata de enxaqueca ocular e sim de outros problemas oculares ou outras doenças que podem ser até mais graves. Outro ponto importante, conforme salienta Neves, é que durante o exame o médico deverá checar os sintomas com o paciente e examinar os dois olhos. “Se o paciente tiver dificuldade em relatar se sente o mesmo problema em um olho só ou em ambos os olhos, o oftalmologista deve tapar um dos olhos e examinar cada olho individualmente para averiguar se os sintomas persistem”, orienta.
Causas possíveis
Segundo o oftalmologista Marcelo Jordão L. da Silva, diretor administrativo do Hospital Oftalmocenter de Ribeirão Preto/SP, os sintomas da enxaqueca oftálmica variam de acordo com o surgimento, sendo que, geralmente, relata-se um ponto cego ou escotoma, que pode expandir e muitas vezes é acompanhado por flashes. “Cerca de 3% a 5% das pessoas que sofrem de enxaqueca apresentam esse tipo de aura visual. A dor pode ser latejante ou em peso ou pressão, e sua intensidade varia de muito leve a muito forte”, relata o especialista, salientando que embora pareça grave, a enxaqueca oftálmica é geralmente inofensiva e desaparece por conta própria dentro de 20 a 30 minutos, sem qualquer intervenção médica.
O oftalmologista esclarece que além dos distúrbios visuais, a enxaqueca ocular também pode interferir na fala. “O portador de enxaqueca ocular também pode sentir formigamento, fraqueza ou dormência nas mãos e pernas, distorções relacionadas a tamanho ou espaço, ou ainda ficar atordoado”, enfatiza, ressaltando que não há causas específicas que possam estar relacionadas exclusivamente à enxaqueca ocular. “Os motivos são os mesmos, embora a enxaqueca se manifeste de forma distinta de uma pessoa para outra”, diz.
Marcelo Jordão relata que há estudos indicando mutações genéticas no cérebro que causariam anormalidades neurológicas, as quais, por sua vez, levariam à enxaqueca. “Acredita-se fortemente que deficiências de magnésio, desequilíbrios de serotonina (neurotransmissor responsável por manter o equilíbrio do humor) e problemas nos canais celulares que transportam íons elétricos, como os de cálcio, causariam a enxaqueca”, afirma, enfatizando que outra causa possível para a enxaqueca seriam anormalidades na serotonina contraindo os vasos sanguíneos e, consequentemente, reduzindo o suprimento de sangue para o cérebro. “A redução do sangue diminui a quantidade de oxigênio no cérebro, o que causaria a enxaqueca”, completa.
Além disso, o especialista revela que oscilações de estrógeno e progesterona parecem aumentar o risco e a gravidade da enxaqueca em muitas mulheres. “As alterações hormonais no decorrer da gravidez, menstruação e menopausa, além de medicações anticoncepcionais, podem causar enxaquecas. Alergias e intolerâncias alimentares, em particular aqueles com intolerância ao glúten (doença celíaca), têm uma chance dez vezes superior ao normal”, destaca, informando que os alimentos que contêm glutamato monossódico, tiramina, nitratos, aspartame e álcool favorecem o aparecimento da doença. “A tiramina é um aminoácido presente no vinho tinto, nozes, queijos, fígado, levedura, peixe conservado, chocolate, bananas, abacates, ameixas, tomate, berinjela, repolho, etc. O glutamato está contido principalmente nos cubos de caldo de carne. Os nitratos são os principais conservantes de salames e salsichas. E o aspartame é um adoçante artificial contido em todos os produtos sem açúcar”, explica.
Diagnóstico
Conforme salienta Marcia, o diagnóstico da enxaqueca ocular é realizado clinicamente. “O paciente relata os episódios de alterações visuais quase sempre seguidos de cefaleia de caráter moderado a intenso, que podem ter duração de quatro a 72 horas, com piora da dor à movimentação ocular, sonolência e irritabilidade à claridade e ao som”, esclarece. Ela diz que como os sintomas visuais podem ocorrer mesmo quando o paciente não relata dor, muitas vezes o primeiro profissional a ser procurado é o oftalmologista. “O exame oftalmológico mostra-se sem alterações e daí, então, segue-se o encaminhamento para o neurologista. A não identificação dos sintomas visuais como parte do quadro de enxaqueca pode atrasar o diagnóstico da doença”, alerta, informando que a enxaqueca foi considerada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) a quarta doença mais incapacitante existente, afetando cerca de nove milhões de pessoas no Brasil.
Para Marcelo Jordão, o diagnóstico da enxaqueca ocular é complexo: “Existem centros especializados para o diagnóstico e o tratamento de dores de cabeça. Uma anamnese detalhada é primordial para a busca do diagnóstico, que pode ser confirmado com análises clínicas que excluem doenças com sintomas semelhantes”, declara. No caso da enxaqueca oftálmica, o médico salienta que é necessário realizar exame oftalmológico completo, constando de refração, tonometria de aplanação e mapeamento de retina, para descartar doenças oculares, tais como distúrbios de acomodação, glaucoma e alterações retinianas.
O oftalmologista afirma que além de executar exames clínicos, como angiografia, para investigar o funcionamento dos vasos sanguíneos intracranianos, deve-se realizar ultrassonografia das carótidas para visualizar qualquer estenose, ultrassonografia craniana para investigar presença de microtrombos associados com a patologia do forame oval patente, ressonância magnética do SNC para visualizar o estado dos tecidos e excluir quaisquer tumores, além de eletroencefalograma. Na opinião de Neves, é importante que o diagnóstico seja feito com bastante acurácia, porque algumas outras doenças também podem levar a uma perda de visão temporária, como por exemplo uma falta de fluxo sanguíneo na região ocular. “Também podem ocorrer problemas de espasmos na artéria que leva o sangue para a retina. Ou, ainda, inflamações nos vasos sanguíneos que podem levar a problemas de visão ou cegueira”, complementa.
Além disso, ele diz que pode haver a ocorrência de doenças autoimunes, que também podem acarretar esses problemas, assim como abuso na ingestão de bebidas alcoólicas e outras doenças. “Por isso é importante checar se o paciente está sentindo esses sintomas em um olho só e se ele é um indivíduo que já sofre de enxaqueca comum”, recomenda, enfatizando que por se tratar de uma doença desencadeada pela enxaqueca comum, a enxaqueca ocular tem como fatores desencadeantes os mesmos experimentados pela pessoa que já sofre de enxaqueca comum.
O especialista explica que há indivíduos que sofrem de enxaqueca tensional, outros que sofrem de enxaquecas desencadeadas por alimentos, odores, aromas, etc. E há também os fatores hormonais. “Enfim, cada caso de enxaqueca é um caso. Há poucos estudos já realizados no mundo todo sobre enxaqueca ocular. Sendo assim, os médicos ainda não sabem muito bem o que desencadeia a enxaqueca ocular. O que se sabe é que ela dura entre três e 30 minutos e que o paciente precisa descansar fechar os olhos para recuperar a visão perfeitamente na sequência”, acrescenta.
Tratamento
De acordo com Marcia, a enxaqueca oftálmica é uma forma particular de alteração vascular de vasos intracranianos no córtex cerebral. Trata-se de uma alteração no tônus destes vasos, levando a uma baixa perfusão sanguínea de algumas regiões, resultando assim no quadro visual e na dor. “Sendo assim, algumas mudanças no estilo de vida são fundamentais para a prevenção das crises, uma vez que têm um papel comprovado na alteração deste tônus vascular sistêmico”, avalia, destacando que medidas como sono regular, evitar picos de estresse, exercício físico e identificar e retirar da dieta possíveis alimentos que desencadeiam as crises devem ser adotadas. “Alimentos como chocolate, café, enlatados, embutidos, álcool e frituras são conhecidos como possíveis desencadeantes”, aponta a médica.
Segundo a neuro-oftalmologista, o tratamento medicamentoso é usado para tratar os sintomas da crise ou para evitar que elas se repitam. “Uma ampla gama de medicamentos é usada, como as aspirinas, anti-inflamatórios não hormonais e até mesmo antidepressivos, os quais têm se mostrado bastante eficazes. É muito importante iniciar o tratamento logo no começo da crise, pois esperar que a dor se intensifique exigirá doses maiores de medicação e mais tempo para aliviá-la”, esclarece. Para Neves, muitos pacientes não irão necessitar de tratamento específico para a enxaqueca ocular. “Entretanto, se esses sintomas da enxaqueca ocular forem persistentes, é importante consultar um oftalmologista para acompanhamento e aprofundamento dos exames”, destaca.
Ele ressalta que os médicos, geralmente, indicam como prevenção os próprios medicamentos indicados para o início da enxaqueca comum. “Dependendo do caso do paciente, podem ir desde uma simples aspirina até o uso de antidepressivos, medicamentos para tratar de epilepsia, além de outros”, revela. A principal dica que ele dá para o paciente que sofre de enxaqueca e começa a apresentar esses sintomas de pontos cegos na visão é que ele perceba se é apenas em um olho ou em ambos os olhos. “Ou seja, é preciso avaliar se se trata de uma derivação da enxaqueca, como enxaqueca ocular, ou de outra doença que também precisa ser investigada e tratada”, analisa o especialista.
Em resumo, ele afirma que, em se tratando de enxaqueca ocular, é esperado que esses problemas visuais atinjam apenas um olho e sejam temporários, durando de três a 30 minutos, em média, enquanto persistir a enxaqueca do paciente. “Outra dica, por fim, é que assim que começarem esses primeiros sintomas de enxaqueca, o paciente deve procurar um lugar reservado para descansar e ficar longe de odores de alimentos. Ele deve procurar apenas descansar, relaxar, tirar a ansiedade e permanecer de olhos fechados, para que esses sintomas passem logo e ele recupere a visão, ainda que a enxaqueca perdure por algumas horas ou dias”, finaliza Neves.
Acompanhamento multiprofissional
Na opinião da neuro-oftalmologista do IMO, Marcia Lucia da Silva Fagundes Marques, o papel do oftalmologista na enxaqueca ocular é muito importante no atendimento destes pacientes. “Isso porque o oftalmologista é, muitas vezes, o primeiro profissional a ser procurado”, aponta a médica. Ela afirma que após a realização do exame oftalmológico completo e constatada a normalidade do exame, identificar os sintomas visuais como uma possível enxaqueca oftálmica e encaminhar corretamente o paciente permite um diagnóstico e tratamento mais rápidos.
Conforme ressalta a especialista, em alguns casos o quadro visual pode se prolongar, como uma perda por mais tempo do campo visual ou uma demora maior em seu restabelecimento. “Nestes casos, a avaliação do neuro-oftalmologista é fundamental, pois ele pode acompanhar mais detalhadamente com exames complementares e ainda diagnosticar ou excluir outras doenças neurológicas que afetam a visão”, revela, enfatizando que alguns problemas, como aneurismas, tumores e acidentes vasculares podem mimetizar um quadro enxaquecoso e, assim, trazer complicações maiores ao indivíduo. “O acompanhamento conjunto do neurologista com o neuro-oftalmogista nestes casos é essencial”, conclui Marcia.

 

Fonte: Universo Visual

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