Programa Rx traz repercussão da entrevista com Otávio Cintra, Diretor Médico de Vacinas da GSK Brasil
A entrevista do oftalmologista Paulo Schor no Podcast RX – Por dentro da sua próxima receita médica! com o médico pediatra e pesquisador Otávio Cintra, diretor médico de Vacinas da GSK Brasil, promoveu uma reflexão sobre o cuidado individual versus o cuidado coletivo, na qual se concluiu que não se pode optar por um em detrimento do outro, uma vez que o melhor caminho é encontrar meios para atuação efetiva em ambos os casos.
Schor ressaltou que Cintra traz inúmeras reflexões a respeito do que ele faz da vida e que podem ampliar bastante a percepção das pessoas sobre o que está acontecendo. O pediatra começou falando sobre a paixão que ele teve e tem pelo estudo dos vírus. “Em um certo momento da conversa, ele comenta que as pessoas duvidavam que o vírus existisse, mesmo dentro de um ambiente acadêmico, que elas falavam me mostra o vírus que eu vou acreditar nele”, pontua o oftalmologista.
O médico comenta que tinha uma ideia, não muito tempo atrás, nos anos 1990, de que o vírus era uma abertura de porta para a ocorrência de uma infecção bacteriana. “E agora, na Covid-19, vimos bastante isso também e não sei se as pessoas entenderam profundamente esse conceito de que a azitromicina, por exemplo, que é um antibiótico, é dado não para combater o vírus, mas para combater a infecção, que pode se instalar a partir de um quadro inflamatório”, explica o especialista. Ele diz que nesse quadro inflamatório há muita saída de líquidos de dentro dos vasos, um mau funcionamento dos órgãos, que passam a ter dificuldade de chegada de glóbulos brancos de defesa, e muito acúmulo de secreção.
“Portanto, é um lugar onde as bactérias gostam de ficar e não conseguimos que os nossos órgãos, como os pulmões por exemplo, se autolimpem dessa secreção e se protejam da infecção bacteriana; dessa maneira, o vírus acaba sendo algo que inicia um processo inflamatório e que ajuda na instalação de um processo infeccioso bacteriano“, continua o especialista, ressaltando que o vírus em si faz um estrago muito grande no sistema circulatório do corpo humano. “E hoje sabemos que atinge também o sistema nervoso central periférico. Especificamente o SARS-CoV-2 atua em inúmeros órgãos e sistemas, e traz a ideia de que precisamos conhecer profundamente o comportamento desses vírus, que até algum tempo atrás eram tidos como duvidosos do ponto de vista se são seres vivos ou não”, completa.
De acordo com Schor, havia a ideia de que ser vivo é algo que mantém a vida sozinho, mas o vírus precisa de alguma célula, de um mecanismo, um hospedeiro para se reproduzir. “Hoje não tem mais esse questionamento, o vírus é algo que tem sim uma vida e uma cadeia que pode ser quebrada, e é possível atingi-lo em diversos estágios”, avalia. O médico diz que na conversa com Otávio, em que lembraram do tempo em que eram estudantes, os dois participaram de um projeto de monitoramento (tipo fase quatro dos estudos clínicos, em que se propõe medicamentos para verificar como se comportam). “No caso específico, não era bem um medicamento o que foi proposto, estávamos atrás de uma epidemia, porque tínhamos vários casos de uma conjuntivite hemorrágica e que foi identificada como sendo Haemophilus Influenzae, que é uma bactéria”, relembra.
E o que eles fizeram foi tentar mapear os contactantes, isto é, as pessoas que tiveram contato com quem teve a doença. “Nós começamos o mapeamento do fim, ou seja, não do conhecimento específico da bactéria, mas de quem teve contato com ela para poder cercar essas pessoas e impedir a disseminação da infecção”, conta, ressaltando que isso é denominado de epidemiologia e tem a ver com o cuidar do coletivo. “E aí a nossa conversa provocou uma segunda reflexão, que é sobre o cuidar de uma pessoa versus o cuidar de muitas pessoas, e esse versus me incomoda bastante, porque não acredito que tenhamos o direito de escolher cuidar de uma pessoa ou cuidar de todas”, analisa.
Na opinião do médico, não é possível cuidar bem de um sem prestar atenção ao todo, e não é possível cuidar do todo se não souber cuidar de um, pois os dois cuidados se interligam. Ele diz que na discussão sobre antiviral ou vacina, o pediatra deixou claro que não se trata de investir em uma droga que seja antiviral e que combata o vírus ou investir em uma medicação que impeça a proliferação e diminua a virulência na entrada do vírus, que é a vacina. “As duas coisas são importantes e deve-se investir em ambas. Em algum momento será mais importante usar o antiviral e em outro será mais importante utilizar a vacina e abranger toda uma população. Essa contínua busca pelas ferramentas adequadas para serem usadas no tempo adequado é o que chamamos de Just in Case”, aponta Schor.
O especialista revela que ao se conhecer várias ferramentas, aplica-se o conceito do Just in Time, que é o momento de escolher entre usar uma ou outra ferramenta. “Eu não vou escolher de antemão, porque tudo pode dar errado”, afirma. Também nesta situação, o oftalmologista comenta que Cintra faz referência do conhecimento e uso de plataformas de vacinas que foram muito faladas durante a pandemia, incluindo as mais avançadas, que atuam no RNA mensageiro (mRNA). “Mas por outro lado, ele ressaltou que não necessariamente essa seria a melhor estratégia, pois há outras que se mostraram muito efetivas também, em que não se entra no código genético das células, como o que já temos há muito tempo em outras doenças e que usamos até hoje”, observa.
Mas, segundo Schor, existe a possibilidade de utilizar a tecnologia de RNA mensageiro, por exemplo, para doenças emergentes, as quais provavelmente irão se beneficiar muito das plataformas em que se consegue mais rapidamente chegar a alguma combinação que irá atacar a doença sem muita demora e fazer tantos testes in vivo como no passado. “Portanto, de novo, não é uma coisa só, é uma junção de coisas e precisamos conhecer todas elas”, enfatiza o especialista, esclarecendo que também lhe chamou muito a atenção o conceito de imunomoduladores, em que futuramente poderá haver vacinas terapêuticas para doenças eventualmente já estabelecidas e que precisarão ser tratadas e ao mesmo tempo diminuir um pouco a proliferação do próprio vírus no corpo humano.
“E aí o Otávio cita como exemplo a hepatite, que uma vez instalada não é possível ser revertida, mas podem existir medicamentos que fazem essas duas coisas, diminuem a virulência e a proliferação do vírus e melhoram o estado imunológico da pessoa”, continua o especialista, esclarecendo que imunologia é algo para se prestar muita atenção, pois é uma porta aberta de múltiplos fatores influenciando tanto dentro do corpo humano como fora dele. “E falamos um pouco da história do herpes, que é uma outra dúvida importante que temos no consultório, em oftalmologia, e então o Otávio fala da vacina do herpes–zóster, que é um tipo específico de herpes, e eu menciono os antivirais, como aciclovir e valaciclovir, que utilizamos bastante e sabemos que os antivirais não acabam com o herpes, mas diminuem a intensidade da infecção e espaçam um pouco mais as crises de infecção herpética.”
Para o especialista, esses antivirais são muito úteis, porém não curam o herpes, e a vacina, provavelmente, diminui também a carga viral dele e a transmissibilidade, mas é muito provável que também não cure a doença. Ele ressalta que, do mesmo jeito, parece que não haverá uma cura completa da Covid-19, a erradicação total desse agente etiológico. “Podemos acabar com o vírus nos humanos, mas ele continuará nos animais e nós poderemos nos reinfectar. E o vírus é mutante, então é algo, portanto, para se conviver e continuar aprendendo”, diz. E um outro ponto que Schor considera importante é sobre o tema inovação, e inovação como sendo a transferência do conhecimento para a sociedade. “Inovação é uso, eu repito isso e Otávio também frisou bastante”, destaca.
Para o oftalmologista, há um conceito de que não se deve sentar em cima da inovação e fazer o my precious (referência ao filme “O Senhor dos Anéis”), “isso é meu e eu não vou dar para ninguém, não vou mostrar para ninguém, é só meu!”. “Esse egoísmo me parece algo maléfico, mas do ponto de vista social é mais ainda, pois é novamente o individual versus o coletivo”, pontua, informando que na conversa com Cintra, eles colocaram a colaboração como a chave para o desenvolvimento. “Começamos com a colaboração dentro do grupo de pesquisa, que descobre alguma coisa, mas se o grupo sentar em cima e falar isso é meu, ninguém mais toca aqui e eu vou fazer uma patente disso e não vou contar para ninguém, a chance de isso ir a mercado diminui muito”, pondera.
Por outo lado, ressalta o médico, se o pesquisador começa a fazer correlações com empresas que possam desenvolver o seu produto e se a empresa começa a fazer correlações com outras, a chance de desenvolver o produto e fazer com que ele chegue ao mercado melhora muito. “Colaboração e não esconder a sua descoberta, essa é a ideia, patentes relacionadas às vacinas, palavras de novo do Otávio, existem de dez a 30, não é uma patente que vai fazer com que um pesquisador fique rico e nem que descubra a cura de alguma doença”, afirma.
Schor esclarece que, provavelmente, as próximas receitas médicas vêm e já estão vindo de colaborações, de conhecimentos antigos aplicados na atualidade em cenários diferentes. “Elas vêm de grupos que possivelmente nem se imaginava que pudessem colaborar e vêm bastante da iniciativa da sociedade junto com a academia. Essa junção é fundamental, e o Otávio para mim é um exemplo disso. É um acadêmico, pesquisador, que ficou na universidade por muitos anos, achou que era interessante ir para a iniciativa privada, que ia ficar lá só um ano, mas ficou 13 e está lá até hoje, como um diretor importante da GSK”, enfatiza.
Ele comenta que o pediatra possui a visão de que há na academia um desenvolvimento científico e um campo de experimentação, que existem hospitais universitários que podem testar essas ideias e com as empresas junto nessa empreitada. “No cenário europeu, e eu puxei um pouco a história para a Holanda enquanto o Otávio voltou um pouco para a Bélgica, temos empresas dentro dos campos acadêmicos e aqui, pelo marco legal de ciência, tecnologia e inovação, queremos isso também”, declara Schor, concluindo que o ideal é que as empresas estejam presentes perto da academia e de preferência perto de um hospital também para que se consiga testar e levar isso ao usuário o mais rapidamente possível.
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