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O Podcast RX – Por dentro da sua próxima receita médica!, do dia 10 de janeiro de 2022, teve como convidado o pesquisador Ricardo di Lazzaro Filho, fundador e CEO da Genera, empresa de atuação internacional, e MIT Innovator Under 35. Formado em Medicina e Farmácia-bioquímica pela Universidade de São Paulo (USP), mestre em Aconselhamento Genético e Genômica Humana, di Lazzaro é também cofundador e investidor em mais de dez empresas, principalmente nas áreas de tecnologia, saúde/biotecnologia e educação.  

Com uma visão empreendedora e inovadora da medicina, o pesquisador aborda nesta entrevista diversas questões, como o movimento biohacker, como o avanço tecnológico interfere no processo evolutivo da farmacologia e a importância da programação na formação acadêmica de áreas correlatas da saúde, que possibilitam a individualização do tratamento através da análise do DNA, elevando a probabilidade de hiperpersonalização dos medicamentos. Pouquíssimas são as pessoas apontadas pelo MIT como profissionais de carreira muito promissora, e o Ricardo é uma delas , ressaltou o oftalmologista Paulo Schor.  

 

Paulo Schor: Hoje a nossa conversa é com uma pessoa bastante jovem e que eu admiro há muito tempo. O Ricardo di Lazzaro Filho é MIT Innovator Under 35 e fundador da empresa Genera, que é um laboratório de referência. Ricardo, eu queria primeiro te agradecer e pedir para explicitar um pouco às pessoas o que podemos esperar do futuro. O que vai chegar na ponta e como você acha que isso chegará até nós? 

Ricardo di Lazzaro Filho:  Paulo, obrigado pelo convite, é um prazer participar do seu programa e poder falar de temas que eu gosto tanto. Pensando no futuro da saúde, até os maiores especialistas quando tentam prever isso, não são bem sucedidos, pois não é algo fácil de se fazer. Entretanto, há algumas tendências que podemos observar e que devem acontecer. Por exemplo, a hiperpersonalização de tratamentos é algo que vem acontecendo cada vez mais. Utilizando, por exemplo, a parte genômica, e usando dados de farmacogenética, que basicamente analisa o DNA de um indivíduo para dizer quais medicamentos proporcionarão um tratamento mais eficaz, com menos efeito colateral, uma dose ótima, para algumas áreas, como a oncologia, já é feito com muito sucesso.  

Em outras áreas, como a psiquiatria, isso está começando, e acredito que acabará por se estender para vários outros campos, chegando, de fato, a hiperpersonalização, no sentido do desenvolvimento de um medicamento feito especialmente para um indivíduo. Hoje em dia já tivemos alguns exemplos de medicamentos baseados em terapia gênica, oligonucleotídeos que irão, por exemplo, modular a expressão de algum gene e que foram desenvolvidos para uma única pessoa. Claro que isso ainda tem um perfil mais acadêmico, mas é um paciente com uma doença a qual não muitos outros pacientes com essa mesma patologia, e conseguiram desenvolver um tratamento único, exclusivo para ele. Isso irá se estender em diferentes níveis, para doenças que atingem uma população de 100, mil, 10 mil, um milhão, e cada vez mais personalizado. Podemos citar como exemplo a depressão, que é, na verdade, um conjunto de fatores que possui vias diferentes e, cada vez mais, o entendimento dessa doença propiciará um tratamento mais eficaz e mais personalizado.  

 

Schor: Mas e o custo Ricardo? Porque quando falamos de individualizar o tratamento, sempre esse receio do custo. Quando estamos envolvidos na inovação, escala é algo que diminui sobremaneira o custo, tanto que, por exemplo, o telefone celular, se conversássemos sobre isso trinta anos atrás, cada aparelho poderia custar uma Mercedes. Será possível isso?  

di Lazzaro: Eu acredito que sim, na verdade as curvas de custo de novas tecnologias tendem a ter um padrão semelhante. Você mencionou o celular, mas isso funciona com passagem aérea, com veículos, inclusive com medicamentos. O sequenciamento do DNA talvez seja um dos maiores exemplos. Há cerca de 20 anos foi realizado o primeiro rascunho do genoma humano, que custou três bilhões de dólares para ser feito; o segundo custou 100 milhões e hoje o custo de sequenciar é menos de mil dólares. Tem empresa nos Estados Unidos fazendo sequenciamento de genoma completo a algumas centenas de dólares. Portanto, acredito que irá funcionar sim de uma maneira mais global para a saúde. 

E, ao meu ver, as tecnologias digitais também têm um papel fundamental nessa redução de custo, porque, por exemplo, quem atua em drug discovery, atualmente existem várias startups que trabalham com drug discovery, é uma tendência, temos aqui no Brasil a NAIAD, uma empresa a qual investi e que consegue fazer com custo muito melhor a triagem pelo computador utilizando algoritmos de inteligência artificial, rede neural, quando comparamos com o custo de fazer isso na vida real, de pegar a molécula, testar nas células, mesmo que de maneira escalável. Assim como as tecnologias digitais também para acompanhamento de pacientes, acredito que hoje muita gente já usa as pulseiras eletrônicas, relógios que fazem o acompanhamento, uma monitoração, e isso deve ficar cada vez mais preciso por um custo muito menor do que, por exemplo, alguém que está com o ECG ligado o tempo todo. Mas é claro, o início dos tratamentos tende a ser mais alto.  

 

Schor: Isso que você está falando dá a impressão de que a juventude já percebeu, porque a gente começa a ver olimpíada de biologia sintética, produção de moléculas novas, e com custo superacessível por ser digital. E eu acho que isso deve ser incorporado rapidamente nas graduações de medicina, para fazer com que os jovens continuem estimulados por isso. Mas falando um pouco da sua história de vida, Ricardo, você começou com farmáciabioquímica e depois foi para medicina, e eu tenho curiosidade em saber por que você foi para medicina? O que que um médico adiciona nesse sistema?  

di Lazzaro: Eu adorei o curso de farmácia, é um curso que dá uma base muito grande em química e biologia, mas eu fui muito mais por uma questão profissional. Cheguei a estagiar em indústria farmacêutica, mas não me encaixei, e eu queria trabalhar com pesquisa, porém, a perspectiva de depender de bolsa era complexa, e daí fui fazer uma iniciação científica na Faculdade de Medicina da USP e vi que tinham médicos que atuavam em pesquisa e, ao mesmo tempo, trabalhavam em hospital e consultórios, faziam as duas coisas, e não necessariamente dependiam de bolsa de pós-graduação, então foi mais por isso que eu resolvi prestar medicina. E observei que, muitas vezes, as pesquisas eram mais aplicadas, algo que me interessa, talvez, um pouco mais.  

 

Schor: Você acha que o médico vai continuar dando receita no futuro?  

di Lazzaro: É uma questão difícil. Na verdade, tem muita coisa que acaba sendo mais uma questão política estrutural do que propriamente algo prático. A telemedicina é um ótimo exemplo disso, uma vez que ela já poderia ter sido usada décadas, mas por questões políticas ou sociais, ela não era aprovada no Brasil e a pandemia forçou essa velocidade na sua utilização. Apesar de ser formado, não pratico a medicina clínica, de atendimento, mas muitos falam que grande parte das consultas estão conseguindo fazer por telemedicina, e fazendo de uma forma muito eficaz 

Agora, se o médico vai continuar fazendo a prescrição? Eu acredito que existem questões mais complexas, tem coisas que eu imagino que passando os sintomas, que são básicos, que não são de emergência, talvez algoritmos consigam fazer diagnósticos de maneira simples e seria interessante isso. Existem discussões de, por exemplo, se farmacêutico pode prescrever medicamentos Over the Counter (OTC), qual é essa linha de corte? Tem risco maior com os OTC em comparação aos não OTC? Então, não é uma questão trivial, na verdade, a sociedade e os conselhos acabarão definindo isso e não necessariamente será o melhor ou mais objetivo ou mais prático. 

 

Schor: Concordo 100% com a sua avaliação e é importante termos essa crítica, porque não é necessariamente a parte técnica que domina o tempo todo. Eu não sei nem se o paciente poderá desenhar sua própria droga, eventualmente, porque com essa proposta, de repente eles podem ir para o computador e desenhar a molécula, assumindo a responsabilidade. Não sei, essa é uma boa discussão para a Anvisa.  

di Lazzaro: E tem todo esse movimento de biohackers, nos Estados Unidos, principalmente, mas aqui no Brasil também conheci biohackers, iniciativas nesse sentido. Não estou defendendo essa questão, mas durante a pandemia alguns biohackers transmitiram por vídeo e copiaram um artigo científico para fazer a vacina contra a Covid-19 para si próprios, nas suas residências, mas talvez tenha sido um pouco complexo nesse nível; de qualquer maneira, penso que existe um avanço nessas áreas e que será muito interessante de acompanhar. 

 

Schor: Ricardo, fala um pouco para nós da proteína G, a NAIAD trabalha muito com essa via. Como é que você consegue explicar para as pessoas um pouco disso, porque ela atua desde possibilidades como Alzheimer até em outras áreas. O que é a proteína G, por que você se interessou por isso e onde que isso vai parar?  

di Lazzaro: Legal. Eu não sou o maior especialista disso, mas basicamente os receptores acoplados à proteína G hoje são mais de 40, alguns artigos falam em 50 dos medicamentos existentes atualmente que agem nessa via, que é a da proteína G. Dessa forma, existem receptores que são acoplados à proteína G e quando um medicamento ou mesmo uma via fisiológica ativa liga nesse receptor ou bloqueia acontece internamente uma sinalização intracelular. E o interessante é que não muito tempo atrás foi descoberta que essa sinalização intracelular pode agir de algumas maneiras, seja via G, seja betaarrestinas; basicamente tem o receptor ali, que pode ser um receptor de opioide ou um receptor de ocitocina, enfim, há vários tipos. Então, liga ali um medicamento ou uma molécula natural do organismo e dentro da célula terá um efeito. 

Dependendo de como liga a molécula, pode ter uma ativação maior de uma das vias, mas esse é o ponto interessante, poder selecionar só uma das duas vias. O caso dos opioides é um grande exemplo, em que uma das vias é a que causa analgesia e a outra é a que causa tolerância, porque internaliza o receptor para justamente não ficar tendo analgesia eterna. Assim, ele vai internalizando, só que isso leva à tolerância, ou seja, cada vez mais o usuário precisará de mais opioide para diminuir a dor. E se ele conseguir ter analgesia sem causar tolerância é o melhor dos cenários 

Temos também exemplos na cardiologia, de contração de células do coração e também danificação, reestruturação, mas, de novo, não é a minha especialidade, mas é algo bastante interessante. O que a NAIAD está desenvolvendo é justamente isso. Primeiro existe uma triagem de moléculas que conseguem ligar nesse receptor e ativar uma dessas duas vias, seja uma, seja outra. Dependendo de cada condição clínica, podemos ter interesse em ativar uma ou a outra, ou as duas, e o mais legal disso é que é feito uma triagem pelo computador. O custo de cada ensaio desses é de milhares de dólares, portanto, não dá para fazer isso com milhões de moléculas. A NAIAD chega a fazer triagem com bilhões de moléculas, então fica impossível fazer isso na realidade. Eles fazem essa triagem no computador, selecionam as que têm resultado e aí sim vai para o ensaio in vitro 

 

Schor: E como é que podemos ver o resultado da triagem em computador?  

di Lazzaro: São resultados matemáticos, como que a molécula liga ou não, e tem vários resultados, até tem análises que a equipe usa química quântica para saber qual é o átomo da molécula da nova droga que está se ligando, em qual aminoácido, se é um aminoácido ativo, se não é, qual é o tipo de interação entre essas coisas depois que fazemos a triagem. Isso também é interessante, ser parte de modelos de receptores, que às vezes são modelos já feitos ou por vezes tentamos simular um modelo e, a partir disso, vamos entendendo e tendo resultados de força, de interação entre cada aminoácido etc. Ele estima também esses resultados das vias intracelulares, se é mais propenso de estar fazendo essa movimentação da proteína ativando o G ou uma outra movimentação. É mais ou menos isso, são dados numéricos que o time vai filtrando depois. 

 

Schor: Essa história da tecnologia digital é fantástica, isso responde um monte de coisa né? custo, complexidade, e há uma democratização da descoberta, porque coloca a gente no jogo. E quanto à Genera, eu sempre tenho uma dúvida de quanto conseguimos tirar de valor dos testes identificadores gênicos e quanto causamos de confusão. Você está propondo não causar confusão, você na verdade é muito específico. 

di Lazzaro: Sim, a gente faz uma análise de milhares de pontos de DNA, então são dezenas ou centenas de milhares de pontos e, a partir daí, olhamos algumas coisas que têm mais relação com dados da literatura, e o resultado final tem mais de 100 análises específicas de condições de risco da doença etc. Assim, tentamos não causar confusão ao máximo. Acredito que esse é um ponto importante, porque é algo novo falar de DNA, de risco, temos todo o cuidado e temos um time específico de redação que toma cuidado com isso, para não dizer que a genética é o único fator do desenvolvimento de cada condição, porque não é.  

Estamos olhando muitas vezes um marcador genético que tem um peso, e as análises de risco à doença que fazemos é bem interessante, porque a Genera hoje foi parcialmente adquirida pelo grupo DASA, então são duas empresas do mesmo grupo e a DASA é a maior empresa de medicina diagnóstica e saúde integrada do Brasil. A gente consegue usar esses modelos e fazer validações junto com os dados clínicos da DASA e conseguimos realmente confirmar que o usuário que a gente viu que tinha um maior risco para diabetes, realmente tem resultado de glicemia aumentado. Isso é superinteressante. Feito com todo cuidado em relação aos dados, de maneira anônima etc., é muito interessante conseguir ter uma validação nesse sentido. Só que o modelo explica 10% do seu risco a diabetes. Tem mais 20-30% de componente genético que não estamos vendo, seja porque a ciência não vê, seja porque a quantidade de marcadores genéticos é menor, e tem ali mais 70% de fator ambiental, que é o que se pode modificar. Dessa maneira, o exame tem muito esse objetivo de ser algo que incentiva o cuidado, mas que não é determinante. 

 

Schor: Ricardo, você está no melhor dos mundos, eu acho que essa junção de ciência básica, entendimento da aplicação, proximidade com empresas, é um lugar de extrema relevância e que bom que você está lá. Te agradeço muitíssimo pela conversa, foi um prazer, você sabe que eu sou teu fã e torço por todas as suas iniciativas, e sei que todas elas terão sucesso.  

di Lazzaro: É recíproco, Paulo, o que você também está fazendo, seja na Universidade, seja na FAPESP e em outras iniciativas próprias, como o podcast mesmo, é superimportante para o ecossistema. Fico muito feliz em participar e fico à disposição para conversas futuras. Nem tudo o que estamos tentando fazer, como grupo, vai dar certo, pessoas muito boas na equipe, mas são coisas muito difíceis e sabemos que muitas delas não irão funcionar, mas tudo bem, o importante é tentar. 

 

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