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O Podcast Rx – Por dentro da sua próxima receita médica!, com o pesquisador Ricardo di Lazzaro Filho, que é farmacêutico, médico, empreendedor e inovador, levou a uma reflexão a respeito da importância da tecnologia na medicina, abordando a futura necessidade do conhecimento básico em programação por parte dos profissionais da área da saúde. Di Lazzaro ressaltou também em sua entrevista ao oftalmologista Paulo Schor que as ferramentas computacionais alinhadas ao sequenciamento do DNA possibilitarão uma hiperpersonalização de medicamentos.   

Foi uma conversa muito interessante e bastante abrangente que eu tive com o Ricardo. Ele abordou inúmeras questões que desconhecíamos e que provavelmente utilizaremos no futuro”, apontou Schor, ressaltando que, talvez, algumas coisas ditas no passado, como a máxima “é importante ler, escrever e codificar”, estejam fazendo muito mais sentido na atualidade. Algumas fichas estão caindo agora, no sentido de que as pessoas no futuro precisarão ter na própria graduação de medicina, farmácia e todas as outras áreas ligadas à saúde, um pouco de programação, para poder montar alguns esquemas terapêuticos, suas próprias receitas, moléculas e medicamentos”, afirma.  

O médico diz que essa discussão volta um pouco ao questionamento do por que o nome Rx, que é a prescrição médica. É uma mistura, uma fórmula, um caldeirão de coisas misteriosas que são colocadas dentro e que fazem bem para uma determinada pessoa”, revela o especialista, salientando que hoje o desenho digital disso pode ser feito e que di Lazzaro coloca como sendo algo acessível, não só do ponto de vista de ferramentas em relação ao know how das pessoas aprenderem a programar e codificar mas também do ponto de vista monetário. Segundo o Ricardo, atualmente conseguimos fazer a codificação do DNA, o seu sequenciamento, por mil dólares, e isso já foi muito mais caro e tende a ser muito mais barato nos dias de hoje”, acrescenta.  

Schor enfatiza que a partir do sequenciamento do DNA e das ferramentas computacionais, será possível, de fato, realizar a denominada biologia sintética ou o que algumas pessoas chamadas de biohackers tentam fazer, que são modos de oferecer e experimentar novas terapias e novas drogas para si mesmas. E o que eu provoco no bate-papo com o Ricardo, e que eu gostaria de repercutir aqui, é como que nós vamos regular essa questão. Se é que precisamos regulamentar issoe se essa regulação é algo que precisa ser da Anvisa ou órgãos governamentais ou se cada pessoa deve ser responsável pelo que ingerir”, questiona.  

O médico lembra, contudo, que pode haver coisas que terão repercussões em outras pessoas diretamente, como álcool e drogas, por exemplo, os quais podem ser prejudiciais para o organismo do indivíduo e seu comportamento social. Ele chama a atenção, ainda, para outras drogas, no sentido genérico, que podem também interferir no organismo da pessoa e que haverá um preço por isso. “Não necessariamente o mal social ou o custo social será direto, mas ele pode ser indireto através do preço que teremos de pagar por uma escolha que um indivíduo fez. Esse individual versus o social continua sempre presente na discussão sobre a saúde da população”, aponta.  

De acordo com o oftalmologista, quando se fala em montar a própria molécula, fazendo uma análise do próprio DNA e utilizando ferramentas computacionais, trata-se de algo chamado de hiperpersonalização, e que já está acontecendo sob o ponto de vista tecnológico, mas sempre aconteceu do lado da relação médico-paciente. “Do lado tecnológico, podemos citar a psiquiatria ou a oncologia, por exemplo; na psiquiatria acontece muito frequentemente. É possível pedir uma avaliação para saber se no perfil genético daquele paciente, ele irá responder melhor para uma ou outra droga e até mesmo para verificar a dosagem dessas drogas”, esclarece.  

Ele afirma que isso é bastante interessante em drogas que mexem com o comportamento humano e que demoram muito tempo para fazer efeito. “Se não fizermos dessa forma, vamos demorar muito tempo até termos o resultado e poder mudar a dose ou o tipo da droga, portanto essa tecnologia ajuda bastante”, avalia. E falando da personalização, que já é realizada há muitas décadas na relação médicopaciente, Schor menciona um filme que assistiu (Netflix), chamado Lulli, com Larissa Manoela no elenco, no qual a atriz faz uma estudante de medicina. “Sem querer fazer spoiler, mas já fazendo, a personagem sofre um acidente e passa a ler o pensamento das pessoas, consegue ouvir o que as pessoas pensam quando encosta nelas”, conta.  

Na opinião do oftalmologista, o filme é uma fábula muito bem escrita e produzida. A personagem, que era uma estudante com bastante dificuldade em ouvir as pessoas, o que acabou implicando nos relacionamentos que ela teve, acaba se tornando uma médica extraordinária, porque ela ouvia o que as outras pessoas não ouviam, escutava o paciente e o via de um jeito que as outras pessoas não viam”, comenta. Para ele, mesmo o filme sendo uma ficção, um fundo de realidade nessa brincadeira. Quando ouvimos profundamente os pacientes e conseguimos identificar suas particularidades, detalhes específicos e pessoais de sua vida, o nosso tratamento é completamente diferente e, principalmente, o nosso caminho para chegar no tratamento é muito mais curto e, provavelmente, muito mais barato”, destaca  

Ele ressalta que quando o médico não escuta o paciente e o trata de modo genérico, de forma protocolar, é como apontar o mesmo caminho para todos os pacientes, e isso é péssimo não somente para o paciente, mas também para a economia do sistema. Esse não é o melhor caminho. Talvez tenha que haver uma mistura para que exista um certo balizamento nos tratamentos a serem oferecidos. Precisamos treinar cada vez melhor nossos estudantes e requalificar os médicos para que eles ouçam e, a partir da escuta, consigam fazer um exame físico no consultório ou importar esse exame físico, para depois pedir algum exame subsidiário, se necessário, sabendo o que vai vir ou tendo uma certa dúvida bem embasada do que virá nesse exame”, pondera.  

Um tema abordado também na conversa com di Lazzaro foi sobre a atuação dos biohackers e, conforme ressalta Schor, hacker é uma palavra que já foi muito confundida com criminalidade, como sendo algo ilegal, mas que há décadas já caiu por terra. Hoje a gente tem no conceito hacker pessoas que resolvem problemas de modo não convencional, não tradicional.  O conceito de criminoso vai muito para o lado de cracker, que são as pessoas que invadem sistemas e que modificam senhas, e que não devem ser confundidas com os hackers”, explica, salientando que é bastante importante essa diferenciação porque o biohacker, na verdade, é um movimento, uma filosofia. Estas pessoas não são foras da lei, elas navegam em um local que é pouco regulamentado, um espaço relativamente cinza”, completa Schor.  

Para ele, a questão do biohacker cai na mesma situação sobre desenhar drogas próprias, para a qual ainda não existe uma regulação, um pouco pela ação do que elas irão provocar no organismo do indivíduo e na sociedade. “Mesmo que a pessoa tenha total autonomia para fazer o que ela quer com o seu corpo, isso pode ter uma repercussão social e a regulamentação disso é complicada”, alerta. Mas o médico acha interessante essa conversa sobre modernidade, lembrando que existem aspectos conservadores, tradicionais e clássicos que já são utilizados e funcionam muito bem. “O que nós precisamos também é modernizar a nossa conversa para o que nós, médicos, iremos oferecer às pessoas”, conclui. 

 

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