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Podcast RX entrevista Jonas Sertório, consultor de Inovação do Ministério da Saúde 

 

Jonas Sertório, consultor de Inovação do Ministério da Saúde (MS), foi o convidado, no dia 18 de fevereiro de 2022, do Podcast RX – Por dentro da sua próxima receita médica!,  em que relatou como a sua experiência em farmacologia e ciências contribuiu para que sua bagagem estivesse preparada para o desafio de levar inovação para pauta do MS. Essa entrevista abordou do micro ao macro, cujo principal foco é o acesso a saúde e tecnologias.  

Na visão de Sertório, é fundamental que a comunidade acadêmica, o governo, e não somente Federal, mas o SUS como um todo, que inclui Estados e Municípios, tenham como princípio levar respostas para questões como: qual é a melhor forma de precificar uma tecnologia? O que é possível melhorar no processo de incorporação e disponibilização a esses pacientes? em paralelo, como devem ser feitos esses cuidados?  

Outro ponto importante é, por exemplo, a incorporação e a possível avaliação futura de tecnologias digitais em saúde. Sempre pensamos nos medicamentos, mas técnicas digitais estão chegando e precisamos estar abertos para isso”, afirma o oftalmologista Paulo Schor, contando que Sertório começou como funcionário do Banco do Brasil, posteriormente fez farmácia e bioquímica em Ribeirão Preto, passou pela Unicamp, fez estágio de pós-doc em Pittsburgh, além de participar da MIT Technology Review. A seguir, leia na íntegra a entrevista com o consultor do Ministério da Saúde. 

 

Paulo Schor: Hoje eu tenho o prazer enorme de conversar com um amigo de curta duração e longa intensidade, que é o Jonas Sertório, que tem formações locais parecidas com as minhas e, principalmente, de interesse público muitíssimo parecido com o que temos aqui. Uma das coincidências é ter feito faculdade em Ribeirão Preto (SP), que é um local muito interessante no Brasil de produção de políticas públicas por cientistas.  

Depois você se envolveu com saúde de verdade, foi para o Ministério da Saúde (MS), e está lá um ano e cinco meses como consultor de inovação, tocando um milhão de projetos. Pelas suas credenciais, é óbvio que eu queria conversar com você sobre acesso, como e para quem disponibilizar as próximas receitas ou as próximas drogas na saúde? Jonas, é um prazer receber você aqui. 

Jonas Sertório: Paulo, o prazer é todo meu, fico muito feliz de conversar com você. Na verdade, eu tenho a impressão de que estou começando a minha carreira depois de estudar muito, e acho que nunca estudei tanto na minha vida. Mas é fantástico, porque a inovação é o grande catalisador de transformação na saúde. Imaginar como saímos da medicina na antiguidade até os dias atuais, quando estamos falando sobre terapias avançadas, que incluem terapias gênicas e celulares, engenharia tecidual, implantação de aparelhos, como um device no cérebro, podendo até controlar uma série de outros aparelhos. Então, estamos vivendo um momento sem precedentes e que gira ao redor de dados. É o centro de tudo isso que permite uma grande aceleração da própria evolução da ciência. 

Contando um pouco da minha história, de fato eu prestei o concurso do Banco do Brasil muito tempo atrás, para o interior de São Paulo e, coincidentemente, passei em uma boa posição. Eu tinha 18 anos, ainda não tinha entrado na faculdade, e aí surgiu essa oportunidade. Daí eu fui para Ribeirão Preto e acabei prestando USP, que tem uma série de campus, e eu tive muita sorte de ir pra Ribeirão Preto, que é uma cidade fantástica, muito receptiva, e no mesmo ano comecei a faculdade de farmácia e bioquímica. Trabalhei por mais ou menos uns dois anos e meio no banco, mas o curso de farmácia exige muito, como em qualquer curso de saúde, é uma carga pesada de matérias, que exige muita dedicação, então decidi sair do banco, achei que era o momento. Juntei a oportunidade de começar um estágio na Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, que tem excelentes pesquisadores na área médica, especialmente o Departamento de Farmacologia, e foi aí que eu comecei a minha carreira científica.  

Trabalhei com o professor José Eduardo Tanus dos Santos, que era um professor novo na faculdade, com muitas ideias. Na época, discutíamos, principalmente, área de farmacogenômica. E ali foi onde eu comecei, trabalhava muito no laboratório e era muito prazeroso poder chegar cedo, discutir algumas ideias, ter planejamento, executar os experimentos. E o melhor de tudo é poder transformar uma ideia em algo físico, algo real; dessa forma, foi um tempo interessante, deu para aproveitar bastante o campus, fazer uma série de outras disciplinas. Em 2008, mais ou menos, eu tranquei a faculdade, achei que era o momento de dar um tempo, e comecei a trabalhar em um banco suíço. Tudo o que eu ganhava, gastava em viagem e aprendendo bastante inglês. Voltei para o Brasil e já retornei para o mesmo laboratório e foi nessa época que eu precisei literalmente a acelerar a minha carreira. A colaboração com meus colegas foi fundamental, inclusive para as publicações.  

Durante aquele período trabalhamos muito e, ao final da graduação desse período, surgiu a oportunidade de fazer pós-graduação e o professor propôs um doutorado direto. Esse é um caminho que eu acho que vale a pena compartilhar, porque quem realmente quer atuar no meio acadêmico, e tem isso desde cedo, vale a pena investir em energia em que a gente economiza tempo. E doutorado direto, dependendo do lugar, pode-se fazer em até quatro anos. Inclusive a FAPESP (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo) tem bolsas para isso, e eu tive sorte de me matricular na Faculdade de Medicina da Unicamp, onde fiz as disciplinas, e os experimentos em Ribeirão Preto, junto com os parceiros no Hospital das Clínicas, também em Ribeirão Preto, que tinha um projeto clínico interessante. Nós trabalhamos com pré-eclâmpsia, com mulheres grávidas que desenvolvem hipertensão.  

 

Schor:  Agora, tem um pouco dessa discussão sobre como que é desenvolvida a droga versus como ela é entregue. A farmacologia de Ribeirão Preto é super famosa, tem um grupo muito forte no descobrimento e na transferência disso para o mercado, mas te chamou a atenção fazer isso para mais gente, quando? 

Sertório: Durante a pós na Unicamp, foi muito importante a questão de desenvolver os pré-requisitos básicos para desenvolver pesquisa pré-clínica, principalmente, até para entender o funcionamento de uma pesquisa, coletando, especialmente biomarcadores para compreender a fisiopatologia em uma série de doenças. Mas foi nos Estados Unidos que vieram as primeiras grandes propostas em termos de risco de projetos. E esse é um perfil diferente, eu acho que a pesquisa brasileira está par a par em termos de risco. Mas os americanos, às vezes, arriscam um pouco mais nos projetos; às vezes no Brasil, a gente pensa sempre no artigo, que tem que sair, até como forma de justificativa, principalmente para os que são aprovados para pesquisa. Eu tive oportunidade de trabalhar com um grupo de doenças raras, em que a ideia era desenvolver peptídeos para o tratamento de talassemias. Foi um projeto bem interessante.  

Daí passei três anos em Pittsburgh, voltei pro Brasil e foi nesse momento que eu me atentei para a forma como eu gosto de chegar à saúde. Eu passei muito tempo com foco máximo no micro, ou seja, como as moléculas interagem, como eu posso trazer a melhor solução para aquela fisiopatologia. Mas eu percebi que, como meta de vida, eu poderia ter um impacto muito maior e muito mais acentuado trabalhando com estratégias em políticas públicas para saúde. Tive oportunidade de fazer uma entrevista para discutir isso, no Ministério da Saúde temos sete secretarias, agora com a Covid, oito, e no final do governo Temer, eu já estava aqui em Brasília. Foi interessante, porque foi minha primeira oportunidade de entender e acompanhar a transição de governo. A gente não nota, muitas vezes, essas transições e como isso pode impactar lá na ponta, principalmente com o sistema de inovação.   

Dentro dessas sete secretarias, temos a Secretaria de Ciência, Tecnologia, Inovação e Insumos Estratégicos. Na secretaria temos três departamentos e também outras coordenações que trabalham com programas de pesquisa. São políticas públicas com o objetivo de trazer fomento para inovação. Um dele é o PROADISUS (Programa de Apoio ao Desenvolvimento Institucional do SUS), no qual hospitais de excelência podem utilizar alguns recursos como incentivo fiscal, para investimento em assistência, mas também em inovação. São projetos muito robustos, que, em geral, trazem não somente soluções para o SUS, mas também grandes conhecimentos acadêmicos. Alguns dos artigos desses projetos são publicados no New England Journal of Medicine e Nature e, além disso, existe uma proximidade muito grande com as demandas do SUS. 

Nós pesquisadores, temos um raciocínio muito linear em termos de construção, de como o quebra-cabeça científico se encaixa, porém, eu tenho notado que no Brasil é fundamental olhar para as reais demandas do SUS, e aqui eu posso fazer uma diferença e trazer a diferença. Uma explicação simples, mas muito importante para quem quer trabalhar com inovação, é a diferenciação entre invenção e inovação. A invenção vem carregada da necessidade de criar algo novo, que exige realmente muito trabalho acadêmico, enquanto a inovação traz um aspecto de valor para o consumidor, que pode ser o paciente, então pode ser desde um kit diagnóstico ou mesmo outras tecnologias que agreguem valor para a pessoa que utilizar.  

Esse valor pode ser financeiro, pode ser também valor em termos, mais uma vez, da visão de quem está utilizando. Portanto, inovação e invenção são totalmente diferentes. No nosso meio acadêmico, temos por natureza histórica sermos excelentes inventores. Mas a inovação é uma perspectiva nova. Nós temos muitas startups surgindo que trazem essa perspectiva de inovação, como um produto que irá receber um investimento para ser criado ou modificado. Muitas vezes inovação é pegar algo que já existe e transformar, melhorar aquilo. Vou citar um exemplo; eu gosto muito da economista Mariana Mazzucato, professora na University College London, que traz a perspectiva de antes do iPhone existir, que o próprio governo investiu muito na invenção, peças e mecanismos e estudos.  

E o Steve Jobs, naquele momento, pegou aquelas peças, a ideia, colocou tudo em um lugar só e agregou valor no produto. Primeiro ponto é diferenciação da inovação versus dimensão, e o segundo reforça a importância do governo como acelerador, catalisador desses processos. Dessa maneira, o governo pode atuar de duas formas, uma atuando em projetos maiores, que tragam respostas, principalmente em ciências clássicas, física, química, ciências de materiais, mas também fomentando a inovação. O governo pode trabalhar assim, bem como a iniciativa privada, com os Estados trazendo valor para quem irá utilizar aquela tecnologia.  

 

Schor: Isso do governo fomentar, direcionar e ter uma estratégia me parece fundamental e eu sei que você concorda com isso, principalmente em lugares nos quais não haverá investimento privado; talvez doença negligenciada, doença nossa, mas como a gente faz esse balanço entre a criatividade, livre arbítrio, necessidade real e direcionamento, já que o imposto, teoricamente, deveria ir para quem pagou, como você vê isso? 

Sertório:  Inovar em saúde, especialmente, é caro, não é algo trivial, porém o governo tem uma inteligência que eu acho fantástica. E mais uma vez eu posso dividir, primeiro dividir invenção de inovação e agora eu gostaria de dividir a invenção, que eu vejo como duas grandes oportunidades. A primeira é olhar para o futuro, quais são as tecnologias que estão sendo patenteadas, como que elas se relacionam, como que o mercado está inovando, ou seja, as tecnologias estão recebendo o aporte do mercado? Isto é, inovação como uma perspectiva futura, criando o futuro. Por outro lado, é muito importante também inovarmos no sentido de rastrear, monitorar, trazer e proteger o nosso complexo industrial de saúde. Portanto, são duas perspectivas, uma é quase como os jogadores jogando no ataque, trazendo o que é novo e tendo que marcar o gol, mas por outro lado, a gente precisa da defesa.  

E isso é inovação, em que precisamos ter um monitoramento constante de tudo o que está acontecendo no nosso SUS, que é um gigante, para que possamos protegê-lo. A pandemia escancarou, e isso não só no Brasil, mas no mundo inteiro, o quanto existem lacunas que precisam ser protegidas, monitoradas, para que a população seja acompanhada e protegida, para que não faltem insumos estratégicos. São formas de inovar, porque trazemos valor de ambos os lados, sendo um pensando, talvez, no futuro, de maior risco, e outro, tentando proteger um pouco mais o sistema existente.  

 

Schor: Gostaria de pedir para você falar um pouquinho do MIT Technology Review, que é uma paixão que eu tenho desde que eu fiquei lá como professor visitante, mantive a assinatura dela e realmente acompanho, acho excelente, principalmente pela junção de curiosidade com tradução passível de entendimento. Você acha que esse é o meu entendimento ou realmente dá para entender?  

Sertório: para entender sim, eu acho que a MIT Technology Review já existe há mais de 120 anos, pessoas importantes já foram colunistas e eu tive o prazer de ser convidado e foi algo que aconteceu de muito bom na minha vida. Começou, na verdade, com uma entrevista que eu dei para eles para a segunda edição aqui no país, que foi justamente a de medicina, uma edição sensacional. Teve uma entrevista inteira com o Gustavo Mendes, da Anvisa, que é uma pessoa fantástica e eu participei dessa entrevista e, em seguida, evoluiu para um convite para participar dos podcasts. Os nossos podcasts são baseados em matérias que são elaboradas tanto no Brasil como nos Estados Unidos, revistas de diferentes países compartilham matérias, e isso é bom porque traz um grau de dinâmica excelente, e ao mesmo tempo um linguajar um pouco mais fácil.  

Para grandes tomadores de decisão é uma fonte excelente de notícia porque é confiável, e ler um artigo científico nem sempre é fácil, exige muita energia. Mas ela traz isso de modo bastante fácil e de muita credibilidade em diversos pontos. Hoje eu trabalho com a Laura e com a Camila. Nós gravamos os podcasts que são publicados semanalmente e é um grupo fantástico. É um canal gratuito e precisamos de mais canais assim, com grande credibilidade, trazendo à luz aquilo que é elaborado com tanto suor no meio acadêmico, nos hospitais. Uma frase que eu carrego comigo é que a ciência é autocorretiva. Nós nunca vamos saber tudo, porque a ciência está sempre melhorando, e é muito importante que o público, de modo geral, entenda que a ciência está sempre melhorando, mas é um aprendizado.  

Portanto, a paciência é um bom parceiro nessa jornada da saúde, para o pesquisador, mas principalmente para o médico, pois muitas vezes ele quer fazer o melhor pelo paciente, mas o conhecimento tem um limite, ele precisa de tempo para maturar, para que os estudos sejam feitos. Hoje falamos muito de ensaios clínicos, evidências do mundo real, que é uma coleta muito mais sistematizada de grandes volumes de dados que possam trazer melhores respostas, ou seja, melhorando a estatística e a compreensão de doenças e de como os tratamentos funcionam. Dessa forma, pouco a pouco a gente vai melhorando e o maior beneficiário de tudo isso é o paciente.  

 

Schor: Eu acredito que a parte de divulgação científica é nossa missão, e eu concordo muito com você. Vocês não poderiam estar fazendo de um jeito melhor e sem subestimar as pessoas. E hoje eu estava numa tese na Unicamp, que é uma universidade que acabou se especializando nas engenharias, e a tese deles hoje era muito interessante, do uso de um colírio que é feito para usar fora dos olhos, e dentro do olho depois de cirurgia de catarata, fazendo uma diminuição importante das infecções, que são raras, mas que quando elas acontecem, são graves. Isso é uma evidência por enquanto ainda em um trabalho clínico, embora tenha sido feito com três mil pacientes, é algo que a gente precisa divulgar, para que as pessoas fiquem sabendo e, eventualmente, a empresa tem interesse em registrar esse produto para esse uso aqui no país também.  

Mas o que você fala de evidência de mundo real é uma coisa que eu acho que as pessoas não entenderam ainda, e me parece muito importante, que as fases das pesquisas se deem num controle rigorosíssimo, mas na vida real não é nada disso, as pessoas tomam remédios, não tomam, esquecem, fazem mistura de dois ou três remédios, e o que que vai dar ninguém sabe. E eu sei que você é um entusiasta disso, de monitorar na vida real e acho que isso é uma tendência, para que a gente realmente consiga fazer com que a nossa população real, não aquela população do estudo, tenha benefícios de alguma coisa que a gente efetivamente vai dar para eles. Isso está andando? Você continua entusiasta dessa ideia? 

Sertório: Com certeza, Paulo, sou muito entusiasta disso sim. Decisões devem ser baseadas em dados, na medida do possível, porque sabemos que existe uma limitação em ter os dados no momento que você precisa tomar uma decisão. Imagina um cirurgião que precisa de uma informação, ele pode não ter naquele momento. Porém, à medida que os métodos de coleta de informações tragam dados mais robustos, até no contexto de big data, vamos poder nos conhecer melhor. O governo federal tem grandes pesquisadores, grandes gestores de políticas públicas no Ministério da Tecnologia e no Ministério da Saúde, que têm trabalhado para desenvolver políticas e financiamento também que permitam o desenvolvimento de métodos, instrumentos e programas para o desenvolvimento de uma série de processos, software, hardware etc., que possibilitem um monitoramento constante de dados clínicos.  

O Brasil em breve irá se equiparar, eu acho, a grandes potências nesse sentido e quem se beneficia, mais uma vez, são os pacientes. Esses dados serão analisados e poderão trazer uma melhor segurança para que os clínicos, médicos, pesquisadores tomem melhores decisões. Assim, à medida que conhecemos melhor os dados, conheceremos também melhor os pacientes e, automaticamente, pode se direcionar melhor o desenvolvimento de novas moléculas, novas terapias, que sejam mais precisas, mais seguras, que causem menos efeitos colaterais e que tragam o melhor custo-benefício para a sociedade; é um conjunto de fatores e eu acho que a grande beleza da saúde está na sua complexidade. 

 

Schor: Jonas, eu gostaria que você falasse sobre acesso à saúde, que eu sei que essa é tua paixão, sua especialidade e é uma coisa que no Brasil, do tamanho que a gente tem e nas condições que a gente tem, com tanta desigualdade, um gargalo enorme. As pessoas precisam ter um maior acesso à saúde. Como é isso? 

Sertório: Fantástico, Paulo. A ideia também é de fomentar doenças negligenciadas dos nossos gestores. Nós temos um edital recentemente e é justamente nesse sentido de melhorar o acesso a tecnologias. Quando a gente fala tecnologia em saúde, pode ser um medicamento, um procedimento, e como funciona o acesso a uma tecnologia no Brasil? Em geral começa lá atrás, com a pesquisa, então temos a pesquisa clínica e uma vez que essa tecnologia foi aprovada, foi desenvolvida, ela é submetida para os órgãos de regulação, como a Anvisa, que tem feito um trabalho fantástico, priorizando a segurança da população.  Após a aprovação da Anvisa, no caso de medicamentos eles são submetidos para precificação na CMED (Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos). Uma vez que o preço foi definido, existem pelo menos três caminhos, de modo bem geral, um deles é venda nessa tecnologia direto no mercado privado.  

Uma outra é incorporação no sistema de saúde suplementar, via ANS, e outra é a incorporação via Conitec (Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias do SUS), que atua dentro do Ministério da Saúde, constituída por 13 membros, são sete secretarias e outros seis órgãos, incluindo o Conselho Federal de Medicina, Anvisa e outros. E esse momento de incorporação é muito importante porque determina quem enxerga aquela tecnologia como algo promissor, que pode ser efetiva para a população, que é custoefetivo. Essa tecnologia passa por uma análise que inclui avaliações econômicas, mas também revisões sistemáticas, reforçando a segurança, a eficácia e utilidade daquela tecnologia. Esse é o fluxo de acesso de um modo resumido. Vou terminar sua pergunta com uma outra. Como prover acesso a tecnologias cada vez mais disruptivas, como a terapia gênica, terapias celulares, que custam muito para serem desenvolvidas?  

Prover isso para uma população cada vez maior, cada vez mais velha, não é fácil. Tenho muito orgulho de trabalhar no SUS que tem como meta prover saúde para toda a população de modo gratuito. Mas essas questões estão despontando, e não só no Brasil. As tecnologias são caras, as populações muitas vezes dos estudos são reduzidas, como por exemplo em oncologia ou doenças raras; há um número reduzido também de pacientes, muitas vezes dispersos em vários Estados e isso cria uma dificuldade muito grande da sustentabilidade de todo o sistema. Algumas perguntas que estão em aberto e é fundamental que a comunidade acadêmica, o governo, não somente Federal, mas SUS como um todo, que inclui os Estados e Municípios, tragam algumas respostas. Existem questões como, qual é a melhor forma de precificar uma tecnologia? O que podemos melhorar no processo de incorporação e disponibilização para esses pacientes? Em paralelo, como devem ser feitos esses cuidados?  

O acesso à saúde é primordial, principalmente pela dignidade humana. A base do nosso direito são princípios, dignidade humana é um princípio, e essa dignidade é a base de métodos, processos como esse que mencionei de acesso à saúde. E aqui para as pessoas que gostam, principalmente de tecnologia, um ponto importante é, por exemplo, a incorporação e a possível avaliação futura de tecnologias digitais em saúde. Sempre pensamos nos medicamentos, mas técnicas digitais estão chegando e eu sou um adepto e você pode ter um simples relógio da Apple ou smartwatch é um exemplo que já tem aplicativos nos Estados Unidos e, inclusive, algumas tecnologias digitais, incluindo videogames, já foram aprovados pelo FDA para uma série de doenças, principalmente doenças do cérebro, como déficit de atenção etc. Portanto, a grande questão é como essas tecnologias podem ser avaliadas para trazerem o melhor benefício possível para os nossos pacientes. 

 

Schor:  Jonas, é excelente ouvir você falar desse modo tão claro, que desnuda como as coisas acontecem, porque parece que tem uma coisa totalmente nebulosa de que o medicamento chega nas pessoas e não tem todo esse caminho e é um caminho que faz sentido. Eu acho que a sustentabilidade é fundamental para esse entendimento. Ou é para um ou é para todos? Não, não tem essa escolha, temos que fazer ser sustentável. E a tua frase de que ciência é probabilidade, para mim, é o fechamento de ouro dessa história toda. Os cientistas sabem que serão “vencidos em algum tempo, então ele tem que topar ser atualizado. A gente tem sempre uma versão nova do que a gente acabou de pesquisar. De vez em quando é a gente que chega nessa versão, de vez em quando é uma outra pessoa e ficamos felizes também quando isso acontece. Eu acho que é parte da natureza mutante da gente. Jonas, muito obrigado pela conversa. 

 

 

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