Na entrevista do Podcast Rx – Por dentro da sua próxima receita médica! com o consultor de Inovação do Ministério da Saúde, Jonas Sertório, reiterou-se a necessidade de profissionais especialistas em ciência, conhecedores de metodologia científica para auxiliar na construção de políticas públicas de saúde em Brasília. O oftalmologista Paulo Schor abordou uma pesquisa importante sobre inteligência artificial na saúde, na qual, infelizmente, o Brasil teve uma nota muito baixa, sendo possível perceber como resultado disso um gargalo importante no desenvolvimento digital e tecnológico, dificultando a entrega de uma saúde mais bem pensada, mais barata e mais acessível.
Schor comenta que durante a conversa com Sertório foi muito discutido o acesso à saúde, uma temática que o próprio oftalmologista já mencionou algumas vezes em seu podcast. “A próxima receita médica precisa vir de algum jeito. Não é só o que, mas é como ela vai chegar. E em um país do nosso tamanho, é muito complicado levarmos as coisas para onde as pessoas estão. E querer que elas venham até os grandes centros é uma ilusão, pois não existe nem via de acesso com rapidez e muito menos com viabilidade econômica para trazer todas as pessoas e, além disso, nem existe possibilidade de tratamento para todo mundo nos grandes centros”, revela o médico. Para ele, é necessário fazer uso do Sistema Único de Saúde (SUS), que já está instalado há muito tempo.
A conversa também girou em torno da importância das políticas públicas de saúde. “Estar em Brasília, auxiliando a construção de políticas públicas, é fundamental; ter pessoas que são especialistas em ciência e conheçam metodologia científica é um alívio; ouvir o Jonas falar que ciência é probabilidade é uma delícia, porque, de verdade, quem trabalha com ciência sabe que nada é matemático e nada é absoluto; a ciência é uma verdade até que se prove o contrário!, avalia o especialista, esclarecendo que os profissionais trabalham com ciência exatamente para isso, para descobrir coisas novas que ainda não foram descobertas. “E o Jonas fala bastante sobre invenção, que é exatamente essa toada. Vamos descobrir pela curiosidade as novidades”, acrescenta.
Na opinião de Schor, o governo precisa investir em quem, efetivamente, incentiva a descoberta no Brasil, incentiva a invenção, através do financiamento da ciência básica. “Sem a descoberta, sem o conhecimento profundo, só iremos repetir o processo, não vamos criar processos novos, portanto, financiamento governamental é essencial”, diz, salientando que inovação é um processo diferente, no qual Sertório coloca como processo de valor agregado. “A invenção por si só não é inovação, inovação não é novidade inventiva, inovação é valor, é uso, alguém precisa achar valor naquilo e usar”, comenta, apontando, mais uma vez, que a função governamental no país, que tem uma inovação baixa, é fazer com que haja incentivo à descoberta.
O oftalmologista explica que a digitalização é um caminho interessante para que se possa escalar competências, fazer com que mais indivíduos consigam ser atingidos por produtos mais interessantes, úteis, relevantes e que resolvam os seus problemas. “Não é simples digitalizar processos, mas ele traz um retorno muito importante”, declara, contando que um estudo publicado no The New England Journal of Medicine, de um grupo de oftalmologistas da Escola Paulista de Medicina, da qual é docente, capitaneado por Pedro Ferrari e tendo como último autor Flavio Eduardo Hirai, mostra que em um intervalo curto de tempo há a possibilidade de redução de custo em 27% de uma clínica oftalmológica com organização, digitalização e otimização dos processos.
Conforme explica Schor, nesse estudo eles mostram um dado muito interessante, que o médico, em geral, ganha pelo que produz e quanto mais o médico pede exames de alta complexidade, alto custo, mais ele ganha; quanto mais ele opera procedimentos de alto custo, mais ele ganha. “Essa lógica é perversa, porque se distancia o médico que ganha mais da equipe, que possui uma função tão ou mais importante do que o médico, que pode ganhar mais porque naquele momento o procedimento que ele está fazendo é mais bem remunerado”, analisa o especialista, informando que no caso do experimento que fizeram em uma clínica de Campinas (SP), mudaram o modelo de remuneração do médico: médicos cirurgiões que “ganhavam mais“, passaram a ganhar uma parte fixa parecida com todo mundo e uma variável.
“Essa variável tinha a ver com a produção do cirurgião, mas uma parte grande da produção dele ia para o caixa da clínica, que era depois redistribuído entre todos os médicos. Isso melhora muito a vontade de trabalhar, o ânimo dos profissionais”, comenta o oftalmologista, esclarecendo que houve nesse estudo uma taxa de satisfação de paciente altíssima (KPS = 94, que é um índice de satisfação muito elevado para esse tipo de atendimento em uma clínica). “Portanto, vemos que um dos modos de oferecer acesso para mais pessoas, talvez seja, sim, a digitalização, com algumas outras coisas inclusas, dentre as quais o pagamento por performance e a organização do sistema como um todo. Acredito que isso é algo que faz bastante coro com o que conversamos, com o que o Jonas coloca como prioridade”, completa.
Uma outra questão abordada bastante na entrevista e que, segundo Schor, parece pouco explorada, é a monitorização de drogas na vida real. E também tem se falado muito em ensaios clínicos em rede ou ensaios clínicos na vida real. Mas o que seria isso? Ele explica que para testar uma droga, é preciso fazer uma triagem, uma seleção de indivíduos que têm indicação para receber aquela determinada droga. “São indivíduos com fatores de inclusão que chamamos de muito bem delimitados, então, para entrar no estudo, é necessário ter, por exemplo, entre 30 e 45 anos, e diversos outros fatores de inclusão e de exclusão. E testamos essas drogas em condições altamente artificiais e chegamos a conclusões que poderiam ser também artificiais”, observa. O médico destaca que o que se discute hoje é: quando essas drogas forem ao mercado, será que as mesmas condições inicialmente previstas serão mantidas e a droga, portanto, se manterá com a mesma efetividade ou não?
“Ou será que as pessoas não tomam o medicamento porque é amargo? ou elas esquecem de tomar porque a pílula é muito pequena ou não tomam porque a pílula é muito grande? Como é isso na vida real?”, questiona o oftalmologista. Ele pontua que se forem inclusos mais centros nos estudos multicêntricos, começa-se a diluir um pouco esses fatores, e se houver monitorização do que está acontecendo com as pessoas em termos de efeitos colaterais, uso do medicamento e outras alternativas que aconteceram a essas mesmas drogas durante o tratamento dos pacientes, consegue-se, eventualmente, outras informações e um retorno do que precisa ser feito muito mais rápido do que realizar uma outra pesquisa clínica, que é muito demorada e cara. Para o especialista, isso também é algo que está sendo pensado em nível governamental, estrutural e de planejamento.
“Uma coisa que preocupa bastante e que junta um pouco de dados que temos, tanto do monitoramento que produz muito dado, como da digitalização, que também produz muito dado, é uma pesquisa que saiu recentemente e que foi financiada pela Novartis, mas está no site do Instituto Tellus”, comenta Schor, ressaltando que a pesquisa fala sobre a qualidade, sobre como funciona a inteligência artificial na saúde – denominada de Relatório Nacional de Avaliação da Maturidade da Inteligência Artificial no Brasil. “E aí ele faz um monte de análises com vários subitens, entre os quais que existem as dimensões das pessoas e forças de trabalho disponíveis para atuar com inteligência artificial, dados e tecnologia”, informa.
O médico esclarece que são os dados reais produzidos e a tecnologia que existe ou não para obtenção desses dados, governança e regulamentação (e hoje existe a LGPD – Lei Geral de Proteção de Dados), designer e processos, parcerias e partes interessadas e modelos de negócio. “E a nossa nota ficou muito ruim nesse cenário. A nota geral do Brasil é 2.9 em 10, e nós tiramos notas de 2.7, 3.7, 2.5, que são muito baixas. E a gente vê que existe, efetivamente, um gargalo importante no nosso desenvolvimento digital, tecnológico e de entrega para a população de uma saúde mais bem pensada, que seja mais barata, mais acessível e tudo isso de novo volta ao acesso”, enfatiza, salientando que não é possível um desenvolvimento em um país continental e tão desigual sem uma política governamental de longo prazo, consistente, consolidada, pactuada e financiada.
Para o oftalmologista, se não houver essa política governamental, a saúde irá “capengar”. Ele relata que por mais que tenhamos o Sistema Único de Saúde, e houve uma resposta muito interessante na vacina contra o coronavírus, por exemplo, em que se conseguiu uma taxa de vacinação enorme, tendo uma população relativamente educada, já faz bastante tempo que o SUS nasceu e estamos dentro desse sistema há muitos anos. “Portanto, precisa existir uma continuidade dessas políticas de entrega de saúde, entrega de valor, ou seja, inovação, principalmente com base em dados digitais, que é onde a gente consegue fazer maior escala e consegue, eventualmente, economizar recursos, entregando um produto com alto valor agregado”, conclui Schor.
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