Na repercussão da entrevista realizada no Podcast Rx – Por dentro da sua próxima receita médica! com o empreendedor digital Pedro Dias, que fundou a empresa Nexodata, Paulo Schor ressaltou a importância de escalar competências que podem ser desenvolvidas muito mais rápido utilizando tecnologia, o que, consequentemente, melhora a entrega do produto humano para outros seres humanos.
Porém, como fazer para que o consumidor final receba um produto de alta qualidade independentemente de onde ele esteja? Como garantir que o paciente seja orientado e ganhe confiança no processo como um todo, para que ele utilize a receita prescrita da melhor forma? Existe um acompanhamento de pós-consulta para garantir um melhor resultado final? Esses e outros questionamentos foram discutidos durante a entrevista.
Em sua conversa com Pedro Dias, Schor destacou que ficou muito clara a importância da digitalização e da tecnologia da informação nos cuidados de saúde. “O Pedro é o fundador da Nexodata, que é uma empresa de receita digital que tem como missão fazer com que as prescrições cheguem às mãos das pessoas de forma legíveis e que exista uma rastreabilidade dos dados e privacidade”, comenta o médico, ressaltando que isso o fez lembrar de uma história vivida há muitas décadas, nos anos 1990. “Foi quando eu e mais algumas pessoas decidimos implementar um sistema de prontuário digital em uma clínica que eu ajudei a fundar com colegas e, naquela época, estava começando a era dos prontuários eletrônicos e a clínica ainda funcionava com papel”, relembra.
Ele conta que o grupo (dois casais e uma amiga) decidiu pesquisar alguns prontuários eletrônicos, mas nenhum deles era satisfatório, todos tinham seus “bugs” e não existia nada em rede e em nuvem. “A rede era interna e precisava ser cabeada e não existia também ponto a ponto Wi-Fi. Era um trabalho grande que nós acabamos fazendo; nós internalizamos e a TI éramos nós, os médicos oftalmologistas, passando cabo na parede e comprando placa de modem para que existisse comunicação ponto a ponto”, relata, explicando que eles aprenderam a instalar o programa no servidor e a mexer no programa, fazendo a configuração e ficando relativamente próximos dos desenvolvedores.
“Eu e meu colega Wallace Chamon ficamos muito entusiasmados com a economia de tempo que isso ia nos dar e também uma melhoria de performance. Daí isso foi para frente e o que fizemos naquele momento, na clínica, foi um movimento relativamente brusco para tentar emplacar essa nova forma de atender os pacientes”, afirma o oftalmologista, salientando que o movimento brusco foi resolver parar de comprar papel. “E claro que houve uma revolta, um motim de todo mundo versus eu e o Wallace, mas mantivemos a não compra de papel até que a clínica migrou para o prontuário eletrônico em 1996 ou 97, se não me engano, e por incrível que pareça eu continuo com a mesma empresa de prontuário eletrônico até hoje”, revela o especialista.
Schor explica que os médicos não são desenvolvedores de TI, portanto, não conseguem ter a melhor solução para si mesmos. “Mas eu mantenho essa solução comigo até o momento e sei que o Wallace também mantém a mesma solução, embora existam outras muito melhores em rede, na nuvem, com prescrição acoplada etc.”, observa o especialista, pontuando que essa história serve mais para exemplificar como funciona essa transição e a dificuldade da mudança para o digital. “E isso é abordado bastante na conversa que eu tive com o Pedro, como é que a gente consegue fazer essa transição, ou seja, como traduzir isso para a prática e não ficar apenas no discurso teórico”, acrescenta.
O médico comenta que há alguns anos visitou o Johns Hopkins, que é uma universidade americana bastante prestigiosa, na qual sua filha está fazendo mestrado atualmente, para conhecer a faculdade de medicina e conversar com o vice-reitor de pesquisa do local. E então perguntou a ele como é que funcionava a parte de tecnologia da informação na universidade. “E ele me apontou um prédio em frente que era maior do que o prédio que eu estava, que era de pesquisa, e ele falou esse prédio é do departamento de defesa americana, que o mantém para fazer pesquisa em áreas estratégicas para eles e que possui o maior centro de informática que poderíamos ter. A gente não faz a informática aqui, a gente faz nesse local e o orçamento deles é maior do que o nosso”, conta o oftalmologista.
“Isso para dar uma ideia da importância da tecnologia da informação, já percebida há muito tempo, fora do Brasil. Dentro do Brasil, também percebemos essa importância, mas ainda não fizemos a transformação digital”, continua o oftalmologista, enfatizando que ainda não existem grandes departamentos de tecnologia da informação competentes, financiados e de longo prazo, dentro das instituições. “A TI ainda é um setor muito baseado em infraestrutura; tem que passar cabo, fazer rede e dar manutenção dos equipamentos que estão lá. Ela se desenvolve muito pouco , analisa. Na opinião de Schor, a inteligência artificial no país está bastante atrasada. “Mesmo prospecção de eventos sem inteligência artificial, mas com dados estruturados, é muito pouco utilizada por aqui”, completa.
Ele destaca que em 2017 conseguiu-se substituir a letra do médico por prescrições digitalizadas. “Mas o segredo que eu vou contar é que mesmo nas prescrições digitais, ainda usamos termos que as pessoas não irão entender, como abreviaturas, diminuição de palavras, e o médico acaba fugindo de uma padronização”, revela, esclarecendo que isso se deve, principalmente, a não ergonomia da colocação dos dados em um teclado e uma tela. “Isso é muito pouco ergonômico, nós deveríamos, de fato, ter algo muito mais natural e existem trabalhos e tentativas nesse sentido , diz, esclarecendo que a Amazon americana oferece uma ferramenta na qual o médico, teoricamente, vai falando com o paciente e essa ferramenta vai separando os pedaços da conversa em antecedentes pessoais do paciente, ou seja, o que já aconteceu com ele no passado.
“E também os antecedentes familiares, isto é, o que tem de repetido na família desse paciente e que é importante, e assim a ferramenta vai pegando trechos e palavras do médico e vai estruturando a conversa sem que ele precise ficar digitando, que é muito chato. Nós evoluímos em muitas coisas, mas não evoluímos na digitação”, opina. O médico observa que muito da dificuldade da digitalização vem dessa falta da ergonomia que as pessoas têm nos ambientes de trabalho. “A dificuldade de prescrição dentro dos hospitais é imensa ainda hoje. Pouquíssimo tempo atrás eu fui fazer um procedimento que era extremamente pontual em um paciente e deve ter demorado uns vinte minutos, mas eu fiquei duas horas para dar alta ao paciente no sistema do hospital, que eu não dominava”, lembra ele.
Schor afirma que possui familiaridade com tecnologia, porém o domínio daquela interface para ele era zero. “E eu precisei chamar alguém do helpdesk que cuida da manutenção do sistema para me ajudar a preencher a alta do paciente. E se eu tivesse feito à mão, ia ser muito mais rápido. Portanto, dá para entender, vendo por esse ângulo, o motivo da resistência dos médicos em entrar nesse mundo digital”, avalia o especialista, afirmando que não se trata de algo intuitivo, de apertar um botão só, é muito mais complicado do que parece. “O que o Pedro fala de TI o tempo todo e cita a parte de escalar competências como algo que pode ser feito muito mais rapidamente com o uso da tecnologia da informação, utilizando a digitalização, é certeira”, complementa.
Não à toa, observa ele, que a empresa de Dias cresceu muito e que outras empresas que têm dificuldade de escalar (competências, como colocou Dias) são as que trabalham com áreas mais para o lado da ciência básica, biotecnologia, desenvolvimento de drogas. “E aí tem um desenvolvimento muito mais lento e que chega muito menos gente. Não é à toa que os unicórnios que existem são, fundamentalmente, empresas de logística, que são aquelas de muitos dados, com uma escalabilidade, um poder de multiplicação, enorme, e isso resolve uma parte importante do problema”, informa, comentando que isso já foi abordado em outros podcasts. “Acesso passa por digitalização, essa parte de prescrição, diminuição de erros, a repetibilidade, que somos péssimos em repetir a mesma tarefa sem errar e o computador funciona muito melhor”, complementa.
Mas, segundo o especialista, não é apenas isso que precisa escalar, é necessário também melhorar um pouco a entrega do produto humano para outros seres humanos também. E isso é um grande questionamento: como se escala humanidade? como é que se repete um bom atendimento para outras pessoas fazerem também um bom atendimento? “E aí volta uma frase que o Pedro cita (da Stone), que é o cliente é a razão, o cliente não tem razão, ele é a razão. E eu concordo, como é que a gente faz para que esse consumidor final receba um produto de altíssima qualidade, independentemente do local em que ele esteja?”, questiona, declarando que existem canais muito bem traçados, como a internet, o celular do paciente, a receita digital etc. “Muito bom, mas esse paciente foi orientado? Ele está confiando?”
Para ele, confiança é uma outra palavra que surgiu muito no podcast e ele gostou bastante dessa leitura, porque a confiança gera adesão tanto dos operadores do sistema quanto dos gestores de hospitais e planos de saúde. “No caso, estávamos falando de prontuário eletrônico, de receita digital e do paciente,” enfatiza, ressaltando que se o paciente confiou, se ele fez o vínculo com o profissional, irá seguir o que está escrito na receita. “Não adianta a gente só dar a receita, temos que fazer com que ela seja utilizada pelo paciente na forma, eventualmente, de medicamento, e depois acompanhar para ver se ela continua sendo utilizada e tentar ajudar o paciente com um preço mais razoável, que é possível na digitalização”, afirma.
Ele diz que toda essa formatação do digital que não dá conta de tudo, mas ajuda bastante, precisa casar com a parte mais refinada, um pouco mais “artística”, um pouco mais eixo Z, que é a profundidade. “Nós temos eixo X e Y, que são o que a gente viveu na pandemia, nas telas, no plano. E agora estamos voltando a ter o eixo Z, de profundidade, terceira dimensão, pessoas físicas, concretas, objetos que se movimentam no espaço e que a gente consegue tocar. Isso cria confiança”, aponta. Ele destaca que houve ganhos na pandemia, entretanto perdas muito maiores de vidas. “Ganhamos em relação ao eixo X e ao eixo Y e agora estamos revendo o eixo Z, que é fundamental em cuidados humanos para que as pessoas se envolvam no processo e, de verdade, melhorem nas suas funções frente ao que elas querem fazer e ao que elas podem fazer”, finaliza Schor.
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