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Um dos pontos de grande repercussão da entrevista realizada no Programa RX – Por dentro da sua próxima receita médica! com a infectologista Luana Araújo foi o conjunto que compõe a saúde pública, setores como educação, economia, segurança, entre outros. Ela ressaltou que entender o papel de cada um de nós e de cada setor da sociedade na saúde pública é também identificar nossa responsabilidade como cidadão, possibilitando, assim, que toda a cadeia seja mais efetiva para o paciente e todos os profissionais envolvidos.  

Paulo Schor diz que Luana é uma grande ativista das causas da saúde pública, enfatizando que a entrevista com a médica infectologista e mestre em saúde pública foi muito ilustrativa em relação ao momento atual e, provavelmente, indicativa do que ainda está por vir. “Algumas partes, especificamente, me tocaram mais durante a conversa e acredito que a primeira questão tem a ver com o conceito de que precisamos, necessariamente, levar em consideração as outras pessoas em relação àquilo que queremos. Dessa maneira, podemos fazer o que quisermos, desde que não coloquemos os outros em risco, principalmente risco de morte”, afirma o especialista.  

O médico conta que estava lendo um artigo em uma revista a respeito de uma empresa chamada Roblox, que começou a fazer metaverso há pouco mais de uma década, e um dos fundadores pontua que o equilíbrio entre liberdade e civilidade, que está relacionado ao convívio em comunidade e respeito ao próximo, é o mantra nesse tipo de lugar, que é provavelmente o próximo local onde iremos viver ou já estamos vivendo. Isso é algo importante para se pensar na saúde pública também. Parece que durante a pandemia, de um jeito ou de outro, houve uma guerra e que acabou descambando no mundo todo, mas muito no nosso país, para aspectos políticos e ideológicos, com muitas perdas humanas e também uma outra perda, que foi a ciência”, analisa Schor. 

Diz-se que na guerra a verdade é a primeira perda e eu tenho a impressão de que na pandemia a ciência foi uma grande perda”, reflete o oftalmologista, observando que a população acompanhou o desenvolvimento dos imunizantes e todos se tornaram especialistas em vacinas, vacinas de RNA mensageiro, vacinas inoculadas em ovos, participaram das discussões da Anvisa, parecendo um verdadeiro Big Brother. “Só que não, não era uma coisa montada, era algo que iria interferir na vida das pessoas diretamente e que não acontecia antes”, aponta, destacando que no passado não se perguntava se a vacina da gripe, da pólio ou do sarampo vinha da Pfizer ou da Johnson, e se tinha sido testada por um, dois ou dez anos. Nunca se perguntou nada disso e, agora, com a politização, isso acabou levando a ciência a um lugar de instabilidade e não de fortalecimento”, desabafa.  

O médico diz a que participação das pessoas em uma discussão científica é muito boa, porque é uma chance de se informar e de organizar informação para a população, mas não foi o que aconteceu durante a pandemia. Ele destaca que no Brasil deveria ter sido feito como em outros países, em que alguns cientistas de peso foram colocados à frente da política e conduziram o combate à pandemia de uma forma técnica. Isso também se vê em organização governamental e eu falei um pouco com a Luana sobre o papel do Estado na saúde pública, e ela diz que a saúde pública é feita para e pelos cidadãos e que ao governo cabe organizar, distribuir e coordenar os aspectos de gerenciamento da saúde pública. E vale a pena pensar que isso também é uma atividade técnica e altamente complexa”, afirma o médico. 

“Não é uma decisão política nem uma decisão de executivo; não é uma decisão de quatro anos, mas de longo prazo”, continua o oftalmologista, observando ser imprescindível estabelecer programas de saúde pública que devem ter o cidadão como mote final, tema também discutido no podcast. “O paciente, o seu bem-estar e a sua funcionalidade devem ser os objetivos finais de um protocolo de saúde pública, mas que seja permanente em relação às atitudes pontuais de governo”, relata Schor, enfatizando que não existe um remédio igual para todo mundo e existem doenças que não têm cura e para outras não têm remédio. E tem doenças cujo medicamento não é exatamente o que o paciente precisa, não é algo sustentável a longo prazo. Não é nem a falta de doença e nem o remédio que definem a saúde, mas o bem-estar do paciente”, avalia.  

Um outro aspecto que chamou a atenção do médico é sobre a definição de saúde pública. “Saúde pública não significa posto de saúde e nem apenas cuidar de aspectos médicos e de enfermagem, fisioterapia, fonoaudiologia, psicologia. Também isso faz parte da saúde pública, mas educação é parte da saúde pública, segurança é parte da saúde pública”, revela. Ele esclarece que esses aspectos relacionais também precisam ser tratados do mesmo modo, longitudinalmente, com metas centradas no usuário final. “Como tudo o que falamos até agora, o design tem que ser pensado no usuário, centrado no usuário, não adianta centrar a ação na ferramenta que nós temos em mãos, primeiro porque nem sempre temos as melhores ferramentas e depois porque elas nem sempre são utilizadas da melhor maneira”, acrescenta.  

Na opinião do oftalmologista, não adianta falar que um determinado protocolo tem que ser implementado em todas as cidades do país enquanto não houver as mesmas condições em todos os lugares. “Precisamos, em primeiro lugar, fazer uma certa homogeneização do sistema, digitalização e gasto em informatização de todo o sistema de saúde, isso é fundamental, urgente, já devia ter sido feito há muito tempo. E não estamos sozinhos, os outros países também correm atrás disso, e é uma corrida que não acaba”, pontua, observando que quando se consegue informatizar grande parte de um Estado, muda o sistema ou começam a complicações com os computadores ou pessoas precisam ser retreinadas.  

É uma continuação, um motoperpétuo, que enlouquece os gestores que precisam financiar isso continuamente, entretanto, sem essas ferramentas não é possível avançar. Não conseguimos fazer esse plano de longo prazo, com metas definidas no usuário, para e com o usuário”, informa o especialista, apontando que é necessário haver um desenho e um desenvolvimento em conjunto com o usuário desse sistema como um todo e não uma política de cima para baixo, na qual a opinião pessoal o “eu acho” não tem evidência científica nenhuma. “Mas não tem problema nenhum a gente achar, contanto que a gente fale para as pessoas que isso é um achismo e achismo não é ruim em alguns momentos, em certas situações é a única ferramenta que temos e de vez em quando funciona bem”, opina. 

Contudo, ele declara que na saúde populacional, excluindo as doenças raras e condições que são desconhecidas, o achismo” tende a ser uma falta de evidência. “Deveríamos oferecer para as pessoas algo que pudesse ser quantificado, que pudesse responder as perguntas dos pacientes: doutor, eu vou ficar bom? Qual é a chance que eu tenho de melhorar? Qual é a chance que eu tenho de estar vivo daqui a dez anos?”, destaca, afirmando que as evidências significam números que podem ser mostrados ao paciente e que podem ajudá-lo também em suas decisões. “Podemos sim, com a consciência total dos pacientes, sem fazer mal para os outros, deixar várias escolhas nas mãos dos pacientes, sem politizar, sem correr o risco de colocar outros vieses nessa discussão, que é técnica. Depois da decisão, isso é algo que fica para a sociedade, com sua ética e com a cultura do momento”, finaliza Schor.  

 

 

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