No Podcast RX – Por dentro da sua próxima receita médica! do dia 10 de junho de 2022, o oftalmologista Paulo Schor conversou com Rodrigo Bressan, psiquiatra da Escola Paulista de Medicina/Unifesp e presidente do Instituto Ame sua Mente, e depois teve a oportunidade de continuar o bate papo com o amigo, em que Bressan chamou a atenção para a elevada incidência de doença mental na população como um todo, apontando que um quarto da população mundial tem algum tipo de doença mental.
“Isso significa que se não tivermos alguma estratégia para lidar com essa questão de modo preventivo e precoce, teremos que lidar com ela de modo curativo e, provavelmente, com consequências muito maiores”, destaca Schor, enfatizando que isso ficou bastante claro nas duas conversas que teve com o psiquiatra. O médico ressalta que, em relação ao diagnóstico anterior à manifestação da doença, eventualmente na infância, ele pode ser feito, uma vez que já existem várias linhas de cuidados que dão conta desse diagnóstico precoce, desde doenças como TDAH ou dislexia. “Porém, temos um intervalo de tempo bastante órfão, que é o da adolescência, indivíduos que acabam ficando sem uma categorização”, diz.
Para o especialista, não é preciso nem existir essa categorização, entretanto, o adolescente fica sem ter um cuidado em uma época em que o cérebro é bastante modificável, muito plástico. Ele destaca que as características das manifestações mudam e não se dá a devida atenção para isso. “Creio que a primeira grande lição que eu aprendi nessa conversa foi prestar atenção e ter um investimento importante nas manifestações dos adolescentes”, afirma. Segundo o especialista, a adolescência é uma fase em que é preciso ter um olhar específico para ela, uma intervenção muito cuidadosa, pois existem fragilidades importantes que se mostram nesse período e que necessitam de um acolhimento e entendimento.
Ele explica que Bressan é um pesquisador muito devotado à ciência, se atendo sempre a sólidas evidências. “E ele fala bastante de um outro aspecto que eu gostaria de repercutir aqui, que é a moda e o quanto ela atrapalha o andamento da ciência. E pior, moda é algo altamente escalável”, observa o cirurgião, salientando que quando uma moda é lançada, muita gente faz uso desse modismo e é difícil querer que veículos de comunicação de massa não utilizem dessa escalabilidade como uma vantagem. De acordo com o médico, é comum ocorrer um burburinho a respeito do uso de canabidiol, por exemplo, ou do Santo Daime, o que acaba atrapalhando o andamento de pesquisas mais profundas. “Para piorar, as pesquisas mais profundas, muitas vezes, são difíceis de entendermos e quem faz pesquisa mais profunda tem, de vez em quando, dificuldade em se expressar. Não é o caso em absoluto do Rodrigo, queria até que vocês escutassem novamente o podcast, e se não ouviram que ouçam, porque tem informações relativamente fáceis de digerir e muito impactantes”, analisa.
Ele comenta que Bressan também falou um pouco sobre o acolhimento dos portadores de doenças mentais, sobretudo a esquizofrenia. “Principalmente os estudantes de medicina devem pensar bastante sobre o assunto. Quando passamos na psiquiatria, durante a graduação, todos fomos expostos a esses pacientes e eles tiveram que nos aturar. E entendemos que, além da dissociação que existe entre realidade e a ideia dos pacientes, há uma pessoa por trás da doença que precisa ser ouvida”, avalia, esclarecendo que simplesmente negar e colocar essas pessoas alijadas da sociedade, que é o que se fazia na época dos hospitais psiquiátricos, não soluciona o problema. “Houve um movimento importante de desospitalização desses pacientes, porque o hospital não resolvia a situação. Deixar essas pessoas invisíveis resolve o nosso problema, não o problema delas“, acrescenta.
Para Schor, as pessoas que moram na rua, que estão em uma situação de desigualdade social, na qual muitas vezes deixam de ser vistas – as pessoas colocam muro alto, vão morar longe, ficam ilhadas em condomínios –, isso não faz o problema desaparecer. “Isso só faz com que fiquemos mais alijados dessa situação, mais distantes, eventualmente, para que a nossa culpa ou a nossa responsabilidade diminua. As ações, os efeitos que as intervenções podem dar, isso talvez ajude, com certeza ajudam essas pessoas, pois muitas vezes elas não escolheram estar nesse lugar”, informa, enfatizando que os portadores de doença mental têm isso como uma característica genética/ambiental, uma doença, que vale também para alcoolismo e drogadição, e que por vezes não há o que fazer.
No entanto, conforme ressalta o oftalmologista, mesmo quando não há muito o que se fazer por essas pessoas, é preciso, pelo menos, entender e reconhecer essa situação ao invés de se colocar contra e negar a existência do problema. “Nós entramos em contato com muitas drogas durante a nossa prática médica, tanto que esse podcast chama RX por dentro da sua receita médica, e as medicações que mexem com o estado de humor, com o emocional, não estão fora dessas drogas.” “O que aconteceu durante muito tempo foi que esses medicamentos eram prescritos por profissionais muito específicos, até porque eles eram mais limitados, com efeitos colaterais maiores e com efeitos também maiores”, complementa o especialista.
Ele revela que essas drogas iam afetando as atividades diárias, físicas, provocando uma mudança de comportamento importante, e que os médicos gerais tentavam ficar um pouco mais afastados dessas medicações, enquanto os psiquiatras eram mais afeitos às mesmas. “Isso mudou muito e também muda pela característica, como falamos anteriormente, da escala. As empresas começam a fabricar drogas que podem ser usadas por mais pessoas, têm menos efeitos colaterais e são um pouco mais previsíveis”, informa, apontando que se começa agora a ver uma multiplicação de prescritores. “Até o oftalmologista prescreve medicamento que muda o humor, assim como o ginecologista, clínico geral, dermatologista; há muitos profissionais cuidando da saúde mental das pessoas, não só os psiquiatras”, observa.
Para o médico, isso cai um pouco num limite muito tênue entre moda e profundidade, em que por vezes os profissionais ficam muito seletivos e acabam não abarcando mais pessoas. “É um equilíbrio muito tênue, que precisa ser entendido e discutido. Meu pai, que é cirurgião plástico, discutia na mesa do jantar quem deveria fazer cirurgia de pálpebra. E aí a gente falava o oftalmologista? E ele respondia pode ser o cirurgião plástico também. E no final a discussão sempre terminava na seguinte conclusão: a pálpebra é de quem a conhece, independentemente de ser cirurgião plástico, oftalmologista ou o que quer que seja. Aqui é a mesma coisa, o cuidado com a saúde mental dos pacientes é de quem a conhece.” Ele afirma que os médicos têm o dever de conhecer as características tanto dos pacientes como das medicações psiquiátricas e, principalmente, têm o dever de conhecer os efeitos colaterais dessas drogas.
O cirurgião comenta, por fim, que tem havido um aumento no consumo de anestésicos utilizados em animais por jovens em festas, e que tem sido notícia atualmente, e essa questão no Brasil não tem legislação da Anvisa que preveja, uma vez que vem contrabandeado, geralmente. “E é muito importante que nós, comunidade médica, e mesmo as pessoas que em volta lidam com saúde dos outros ou com o cuidado dos outros, saibam exatamente os efeitos colaterais dessas medicações”, alerta, citando como exemplos a morte de Michael Jackson e os vários dopings no esporte do uso mal controlado dessas drogas. “Volto, portanto, àquela frase célebre: remédio e veneno só muda a dose. Dessa forma, dependendo de quanto você der de um remédio, vira veneno, ou o quanto você der de veneno, vira remédio. Vamos em frente com essa consciência crítica que é o que a gente tem de mais importante na vida”, finaliza Schor.
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