Programa Rx: Paulo Schor e seu mês sabático – parte 3
No terceiro episódio do Podcast RX Off Label – descobrindo outros usos, benefícios e riscos – sobre o mês sabático do oftalmologista Paulo Schor na Inglaterra (Reino Unido), houve uma mistura de programas, iniciando com uma visita ao Museu do Design, passando pela City, University of London, entre outras atividades, como as conversas que teve com uma professora da Universidade da Cidade de Londres e com uma economista e uma advogada da Universidade de Havana (Cuba).
Na primeira parte da programação, Schor foi ao Museu do Design, que é um lugar onde são mostradas várias peças que foram pensadas antes de serem produzidas e que, como ele mesmo diz, acabam sendo um pouco da ideia do design, em que se vê uma necessidade, fazendo com que seja utilizado por muita gente e não por uma pessoa só. “Esse é o conceito de design universal, no qual existem características novas de desejo das pessoas e uma estética não só no sentido da peça ser bonita, mas dela ser bastante desejável pelas pessoas, e não apenas no aspecto de compra, mas de uso também”, explica o médico, ressaltando que, nesse sentido, há inúmeros produtos já conhecidos, desde o espremedor de laranjas, de Philippe Starck, até todos os aparelhos da Apple, incluindo, além disso, roupas.
Nesse aspecto, o cirurgião afirma que uma das partes mais interessantes é o design de roupa cirúrgica, que surgiu através de várias pessoas que se juntaram durante a pandemia e resolveram confeccionar roupas mais aceleradamente com características interessantes. “Como um tamanho só que servia para muitas pessoas, tecidos que eram mais adequados para poderem ser utilizados por muito tempo e por aí vai”, exemplifica o oftalmologista. Ele comenta que um pouco antes disso, teve uma conversa bem diferente sobre design com um amigo, Bruno Casaes, que, embora graduado em Farmácia e Bioquímica pela Universidade de São Paulo, é epidemiologista, tendo passado pela Harvard (EUA) e por algumas empresas, como a Janssen, e também pela Organização das Nações Unidas (ONU). “O Bruno é um brasileiro que está em Londres já há algum tempo e trabalha com uma coisa muito interessante que se chama evidência do mundo real, que significa ver os dados que já existem e estão disponíveis para se trabalhar com eles”, esclarece.
Segundo Schor, esse tipo de pesquisa é denominado de pesquisa observacional e difere muito de outro tipo de pesquisa que os médicos estão acostumados, que trabalha com dados que são programados para serem recolhidos das pessoas. “Nas meta-análises, há vários trabalhos muito bem definidos, com um seguimento grande, sem o que chamamos de vieses, em que as pessoas são escolhidas de propósito (isso é um viés); os trabalhos que vão para as meta-análises não têm esses vieses, por isso eles têm uma qualidade muito grande, diferente do outro tipo de pesquisa. As meta-análises são mais demoradas, com eventualmente menos pacientes, em que são feitas perguntas muito específicas”, enfatiza, salientando que em um trabalho clássico as perguntas são feitas antes de desenhá-lo. “E talvez isso tenha a ver com aquilo que eu falei antes sobre design, de pensar antes de construir algo”, completa.
Conforme explica o especialista, isso é porque todas as perguntas que queremos fazer são para responder alguma coisa que imaginamos que seja importante. “E aí nossa liberdade é enorme, nossa autonomia é muito grande, temos muitos dados e, eventualmente, não vamos nem conseguir usar todos esses dados, mas eles são muito puros e muito caros para serem obtidos,” informa o cirurgião. Ele revela que na pesquisa baseada em evidência de mundo real, não se pode fazer qualquer pergunta que se queira, porque não estão todos os dados disponíveis e nem todos aqueles disponíveis são isentos de vieses. “Mas os dados que não têm vieses e que estão disponíveis vêm em grande quantidade. Portanto, é uma pesquisa que vem para somar e não para substituir, e a qual devemos conhecer”, diz.
Schor pontua que essa questão nos leva a pensar no quanto os cientistas precisam saber mais de programação. “Tem uma carreira nisso, uma expertise, e vemos algumas faculdades fora do Brasil, em cursos como biologia e epidemiologia (mais ainda), insistindo no ensino de programação. Não sei se vocês já ouviram falar, mas existe uma linguagem chamada R, que é muito usada no meio científico, tem pacotes, ou seja, rotinas pré-programadas que podem ser acopladas, podem ser absorvidas e utilizadas para quase tudo que se imagina em relação a dados e ainda mais em dados de saúde”, comenta o médico. Ele observa que isso é uma coisa importante para se ficar de olho, pois é algo que será bastante utilizado no futuro e já é usado no presente.
A segunda visita do cirurgião também foi composta de duas partes e começou na City, University of London. “E ela tem uma característica de ser bastante incluída no cotidiano da cidade, pelo que o nome já diz. Toda parte governamental dá suporte para essa universidade, ela é cobrada, de um jeito ou de outro, a produzir soluções para os problemas daqui, mas também pela internacionalização que interessa para os londrinos”, conta, lembrando que chegou a essa universidade por acaso, passando por uma incubadora da universidade e perguntando para as pessoas. “Isso, aliás, é algo que eu incentivo todo mundo que viaja a fazer. Saber o que as universidades fazem, qual a interação delas com a sociedade. Essa é uma preocupação que eu tenho no Brasil, pois as universidades, cada vez mais, têm, principalmente as públicas, de fazer um diálogo com a população”, opina.
O oftalmologista comenta que essa incubadora faz esse diálogo, estando em lugares mais próximos da comunidade e, devagar, vai chegando nos líderes da comunidade, mantendo a universidade como algo que dá um polimento para as soluções que vêm da comunidade. “É uma coisa bastante interessante e me atraiu muito, chamamos isso de inovação social e eu acabei conseguindo conversar com uma das professoras de lá, que se chama Sarah Jones. Ela é responsável por um curso transversal em inovação, criatividade e liderança”, informa o especialista, enfatizando que o curso é dentro da escola de economia da City, University of London. “E, por acaso, ela estava recebendo mais duas pessoas muito interessantes, uma delas uma cubana economista, chamada Marian Cabrera, que vem da incubadora da Universidade de Havana, Cuba, que tem tido a preocupação de colocar as incubadoras dentro das universidades e conta que as incubadoras são pautadas pela demanda social.”
O médico destaca que outra pessoa, uma advogada, que cuida de propriedade intelectual, teve com ele uma conversa bastante interessante. “Ficamos umas duas horas conversando sobre isso, com várias coisas parecidas com o que temos no Brasil, outras diferentes. E me chamou muito a atenção que existe uma Fundação de Apoio à Pesquisa, que é da Universidade de Havana, e elas dizem que sem essa fundação é muito difícil ter autonomia para realizar pesquisas sem o limitante burocrático do governo”, conta o cirurgião. A segunda parte da conversa, na opinião do especialista, foi ainda mais interessante, que foi com uma jovem senhora, chamada Bola Olamise, CEO de uma organização social chamada Global Win, voltada para mulheres.
“E ela coloca muito enfaticamente que essas mulheres são inventoras e não inovadoras, dizendo que as mulheres têm, naturalmente, infelizmente, tradicionalmente, machistamente, pouca voz na invenção e que isso precisa ser mudado. E esse fato é muito patente no discurso dela, fazendo essa junção e tentando aumentar bastante a importância e aumentar a autoestima e a valorização das mulheres inventoras, que, no fim das contas, têm toda a parte do uso por elas mesmas”, continua o especialista, ponderando que existe toda uma gama de necessidades que são das mulheres, que vêm das mulheres e tem que voltar para elas, e que a participação delas pelo desenho societário, machista, tradicional, é muito pequena. “A importância social e numérica é igual ou maior do que a importância dos homens, portanto ela cuida bastante disso”, acrescenta.
A segunda parte dessa nova experiência vem da biblioteca de Londres. O médico esclarece que a biblioteca britânica possui uma coleção enorme de livros históricos, além de documentos curiosos, como algumas letras dos Beatles, manuscritas por John Lennon e Paul McCartney. Há, ainda, Bíblias – Velho Testamento, Novo Testamento, Hinduísmo, Islamismo, Judaísmo -, tudo reunido num lugar só. “E eles colocam o espaço de livros como um espaço acolhedor, mas o que é mais interessante é que as pessoas estão na biblioteca trabalhando nos seus computadores com uma chamada grande, dizendo ‘estamos online vinte e quatro horas’”, comenta, observando que essa ligação da tradição do local onde as coisas aconteceram, de ter experiência imersiva da localização, mas usar diferentes ferramentas, e que eventualmente são digitais, é algo que tem chamado muito a atenção. “A gente já sabe que Londres vem há muito tempo do moderno e do tradicional, é algo que é relativamente bem pensado e faz com que a gente hoje tenha essa ficha do híbrido muito presente”, complementa.
Ele diz que o hibrido vai ficar por muito tempo, vamos trabalhar em um lugar ora presencialmente e ora virtualmente. Mas quais são as vantagens de ter conhecido um lugar e depois trabalhar virtualmente nesse lugar? “São muitas, com certeza a gente se sente muito mais acolhido, fazendo parte daquele cenário, se algum dia já estivemos nesse cenário, que é muito o que acontece aqui e o que aconteceu na biblioteca. Claro que as ferramentas virtuais ajudam muito, mas elas são como as consultas virtuais que fazemos com os pacientes, em que não dá para fazer uma primeira consulta virtual”, afirma. Ele avalia que até consegue fazer algumas consultas virtuais com o paciente depois de ter feito uma real. “Ainda acho que na relação humana, podemos adicionar algumas ferramentas, mas ter tido convívio físico, presencial, em um lugar que é conhecido, isso fica estampado na cabeça da gente. Então eu queria trazer essa reflexão aqui para essas quatro experiências que eu tive e todas elas têm mais ou menos isso em comum”, conclui Schor.