No quinto episódio do Podcast RX Off Label – descobrindo outros usos, benefícios e riscos – sobre o mês sabático do oftalmologista Paulo Schor na Inglaterra (Reino Unido), ele convida os ouvintes a conhecerem um pouco da gastronomia de Londres e a curtir imagens cheias de cores, sabores, aromas, histórias, sorrisos, alguns drinks e muito mais. Entre restaurantes, mercados e pubs londrinos, o médico relata sua experiência de gostos, cheiros e misturas inusitadas.
Ele conta que há mais de 20 anos combinou com um amigo, Lincoln de Freitas, um exímio cirurgião de catarata, que quando fosse a sua vez de dar uma conferência magna no Departamento de Oftalmologia da Escola Paulista de Medicina, ele falaria sobre comida e não de oftalmologia. “Eu não tive coragem, mas o assunto me persegue. Marcel Proust, em 1913, falava da sensação corporal que acontece ao sentirmos gostos e cheiros. E a revista Nature publicou esta semana um artigo relembrando e adicionando conhecimento sobre o assunto”, informa o médico, comentando que o artigo começa dizendo que o cérebro não tem estação entre os receptores de odor e ele mesmo, o que pode explicar a efetividade desse mecanismo de conexão e os efeitos cerebrais centrais.
O cirurgião explica que existem mais de 400 tipos de receptores de odores e que há uma sincronia entre o hipocampo, que é o centro responsável pela memória, e centros cerebrais de olfato. “E aí nós começamos a entender e a cunhar o termo ‘memória olfativa’”, observa. O especialista relata que o artigo fala também de um grupo de Portugal que reconheceu que os mesmos neurônios ativados por localização espacial também são responsáveis por sensação de odor, ligando essas duas sensações. “E aí vai uma especulação de que na navegação de longas distâncias, antigamente, a percepção de odor do mar e do deserto ajudou muito, porque visão e audição são locais. E, então, começamos a juntar local com sensação de odor”, afirma, salientando que descrições de laboratório reafirmam a importância da comida, bebida e cheiros na nossa existência, nosso passado e nosso presente, como se pode verificar em pesquisas científicas importantes.
“E aqui não poderia ter sido diferente. Muitas horas de lembranças com pessoas e espaços dos quais nos lembramos e nos lembraremos depois”, continua o cirurgião, contando que já no início da viagem recebeu seu sobrinho Nicolas, que é vegano convicto desde os 12 anos de idade (ele agora tem 16 anos). “O que nos fez abrir ainda mais o horizonte e conhecer gostos e texturas de restaurantes. E os veganos aqui são bastante populares e mesmo os não veganos mantêm alguns pratos para quem não come o que tem relação com animais, incluindo leite e mel, isso já é verdade em vários lugares”, declara, apontando que no Brasil também começa a ter um aumento de oferta de alimentos nos supermercados que não têm origem animal e existem várias linhas já industrializadas. “E não sei se isso será uma tendência importante, mas uma das teorias do próprio Nicolas é que se o mundo virar vegano, nós teremos uma sustentabilidade maior. Vamos ver”, completa.
Em um dos passeios, o grupo foi para Oxford e encontrou o último diretor científico da FAPESP, Carlos de Brito Cruz, a quem Nicolas expôs sua teoria do mundo se tornar vegano. “E o Brito achou essa questão muito pertinente”, menciona, revelando que, em seguida, ao voltar para Londres, eles visitaram o mercado de rua mais antigo da cidade, uma dica da Cristina, grande amiga advogada de Schor, que já foi uma das gestoras de inovação da UNIFESP. “Ela falou muito do Borough Market e que saiu carregada de lá, levando muitas coisas para o Brasil. E realmente a qualidade e a variedade do que se oferece no Borough Market impressiona mesmo”, destaca o especialista. Para ele, mesmo quem mora em São Paulo e já viajou bastante, fica muito tocado pelo que tem lá. “Ostras de mais de um palmo, trufas, queijos de todos os lugares, temperos e muitos cheiros”, acrescenta.
Ele diz que na cidade as referências são as mais criativas e variadas em volta. No metrô, uma exposição usa o fundo de um limão para dar cor e imaginação, e na frente da galeria nacional há um merengue com uma cereja (uma mosca com um drone junto). “Claro, humor britânico. Essas referências todas de comida acompanham muito a gente em viagens e eu não acho que é só por nós sermos brasileiros, mas por sermos humanos, daí a gente fica procurando isso o tempo todo. Várias conversas nossas, não por acaso, foram em pubs e cafés. E a companhia da cerveja apazigou os 40 graus”, reflete o médico. Ele revela que a influência indiana está com ele há muito tempo, desde que tropeçou com a cozinha dentro de uma pensão onde morou em 1985 em Londres. “A sensação melhorou muito, porque quando você não está acostumado com o cheiro de curry e da comida indiana, é algo que impacta muito”, avalia.
“Mas quando eu fui para a Índia, já algumas vezes, aprendi, incorporei e entendi como se come a comida indiana, e aqui, claro, pela colonização da Inglaterra na Índia, e pela enorme quantidade de indianos morando aqui, a gente tem comida indiana em todos os cantos”, informa o especialista, salientando que são temperos inimagináveis e uma mistura impossível de se repetir, que parece loja de perfume, trazendo notas e tons variados. E há vinhos e queijos junto com doces que casam com eles. “Quando eu era um pouco menor, vamos dizer assim, mais jovem, eu era muito purista. Não sei se isso vem com a idade, mas hoje para mim as misturas fazem muito sentido; quando você consegue fazer uma receita, o que tem muito a ver com o RX, com o tema que a gente está falando no podcast, isso é algo que vira mágica e nos toca muito fundo”, opina.
Mas, segundo o oftalmologista, Londres sem chá não está completa. “E aí tem uma outra mistura e a gente descobre a razão de uma grande amiga, Janine Schirmer, dizer que mesmo os chás de saquinho aqui são diferentes. E no Mercato Mayfair, no centro de Londres, onde fomos algumas vezes, experimentamos vários cheiros de chás que, assim com os vinhos, trazem as tais das notas de cravo, canela, anis e por aí vai”, relembra o médico. Uma outra dica de visitação, de acordo com o especialista, é a Broadway Market, outro mercado de rua muito parecido com as feiras brasileiras, mas que tem muitas descobertas. “Assim como as feiras brasileiras, há descobertas incríveis, como ovos dentro de bolinhos, peixes teatralizados, bagels coloridos, azeitonas e aliche, para quem adora sal e ostras (eu adoro!)”, revela o cirurgião.
Schor ressalta que descobriu, por influência de seu primo José Gomes, uma cerveja chamada Souer. “E eu procuro muito por ela e aqui está fácil de achar. Vale a pena experimentar um dia, mas lembrando que é amar ou odiar”, avisa, destacando outras experiências pelas quais o grupo passou por lá, como o consumo de Rollmops: “Eu não sei se vocês sabem o que é, mas quem frequenta bar de interior de rodoviária com certeza sabe, são sardinhas enroladas em cebola, conservadas no vinagre. Pois é, eu entendi que aqui elas têm uma cara muito mais chique e bonitinha, chama bandeirilhas e são peixes menores, anchovas que ficam em volta de pimentão ou das próprias azeitonas pequenininhas”, explica, pontuando que com o tempo começou não só a gostar das misturas, mas a pedir para ver o cardápio de sobremesa.
Ele diz que, atualmente, pede um prato para dois sempre que possível. “Eu nem pergunto mais se o prato é para uma pessoa, porque a gente sabe a resposta, é sempre para uma pessoa, pelo menos é assim que os restaurantes colocam, mas para mim e para minha esposa um prato dá para dois e eu provo os doces depois”, afirma, comentando que cometeram um erro em um restaurante chamado Ottolenghi, de um chefe israelense, que foi dica de sua prima Lidia Goldenstein, “Isso porque nós comemos a comida que estava incrível e nos esbaldamos, mas na saída os doces acenaram para nós e não conseguimos responder ao chamado, diferente de um outro local, também dica da Lidia, chamado Barbari, que é comida do norte da África, onde nós provamos um dos melhores cabritos da vida e aí pedimos sobremesa”, relembra.
Voltando para as conexões, o cirurgião esclarece que o amigo Ayush Bhandari, matemático do Imperial College London, chamou sua atenção para o que ele acredita ser a melhor pizza de Londres, no restaurante Da Mario, local onde a princesa Diana costumava comer. “Nós fomos lá e a pizza é boa mesmo, massa fina e crocante”, diz, comentando que encontrou os amigos Cadu e Sônia em um pub de 300 anos. “Cadu, oftalmologista brilhante, que está em Londres há 30 anos, trabalhando em um grande centro oftalmologia, assim como alguns outros brasileiros médicos que encontramos aqui, me contou que pub vem da palavra público (óbvio!)”, diz, destacando que, além disso, lá era um lugar onde as pessoas liam. “Então, nesse pub de 300 anos, vimos um monte de livros. E o que estão fazendo esses livros aqui? Estão lá porque as pessoas liam. Interessantíssimo!”, exclama o especialista.
O médico conta que lá eles comeram Moules-frites, uma especialidade belga muito consumida na Inglaterra, que são mariscos e batata frita. E um lugar para ficar de olho, segundo Schor, é a região de Greenwich. “É longe. Mas se for bem escolhido, ele fica na linha de transporte e é bem movimentado. É algo para se ter em mente, para poder até passar um tempo”, recomenda, comentando que lá tem bairros novos nascendo e modernidades culinárias também. Tem, ainda, rodas de champanhe, queijo diferente, cerveja Souer artesanal e gente aprendendo com os filhos. “A Marina, minha filha, me apresentou ao Espresso Martini, que é um pecado mortal para os puristas, mas muito gostoso para variar, é um café frio com Martini”, explica.
“E eu inventei de chamar o podcast de Off Label, porque falei para vocês que fora dos protocolos e em viagens, me interessa falar de coisas que as pessoas em geral não veem, são mais receitas personalizadas do que algo encontrado de modo industrial”, revela, enfatizando que o mesmo acontece com medicamentos que são usados Off Label. “Por exemplo, na oftalmologia um deles é o Avastin, medicação utilizada para Degeneração Macular Relacionada à Idade (DMRI), uma doença que até pouco tempo não tinha cura nem tratamento algum, não tinha nada”, afirma. Entretanto, ele explica que hoje já se trata a DMRI com o fracionamento desse medicamento, com o aval da Anvisa, uma vez que, originariamente, o Avastin era para tratamento de câncer.
Ele explica que nesse pub tem Macallan 16 anos e vários outros uísques muito reconhecidos, fracionados para as pessoas poderem tomar só um pouquinho. “Eu achei fantástico isso. Off Label casa muito bem com este lugar”, opina, ressaltando que tudo foi visto em uma fronteira que ele chamou de tríplice, entre Soho, Chinatown e West End, que é um local de teatros muito movimentado. “Depois disso, demos mais um pulo no mesmo Borough Market com direito a uma paella que tem a maior fila do mercado e uma placa campeã que diz assim ‘você está esperando a paella na fila? Pega uma cerveja aqui’. E eu já estou acabando essa novela culinária, mas acho que o melhor ficou para o final”, analisa.
Ele lembra que há alguns dias, foram ao Billy’s Gate, lugar onde os Londrinos, donos de restaurantes, compram peixes e camarões, e os preços são metade dos preços dos supermercados. “Só que lá acabamos inutilizando nossos sapatos. Mercado de peixe tem muita água e quem não vai de bota, pode depois jogar o sapato fora, como vocês também, talvez, tenham inutilizado alguns se foram ao Ceasa em São Paulo, muito cedo da manhã, para comprar peixe”, avalia, enfatizando que voltaram com sacolas para dois dias de banquete. “No primeiro dia, fizemos um camarão rei que parecia uma lagosta. Que me desculpem os veganos, mas estava delicioso. No segundo, fizemos um coquetel de camarão, receita da minha avó. E é uma receita muito complicada e eu vou compartilhar com vocês, é metade ketchup e metade maionese. Aham, só isso! E fica muito bom o coquetel. Depois coloca vários pedacinhos de camarão dentro e alguns maiores em volta para enfeitar e pitadas de temperos para incrementar”, ensina.
No penúltimo dia da viagem, havia um chá marcado em Londres, em um restaurante “que só o site já vale a pena”, diz o médico. “Ele se chama Sketch e possui três ambientes e mais um outro, e nós tomamos um chá da tarde lá. Estava marcado para meio-dia e saímos às duas e meia de lá, porque fomos convidados a nos retirar, talvez porque a média de permanência lá fosse uma hora e meia/duas horas, e já estávamos lá há duas horas e meia. E o maitre falou ‘posso embalar o bolinho de vocês para levarem?’”, conta Schor, esclarecendo que lá as novidades começam com um ovo servido em uma louça com formato de casca de ovo, com uma colherzinha de caviar bem pequenininha e um palitinho de pão. E o maitre explicou para eles como se consumia a iguaria.
“Claro que é muito caro. Claro que é para fazer uma vez na vida, uma vez na morte, mas o menu foi maravilhoso”, destaca o médico. “Mas o que eu quis dizer com ‘mais um outro’ (ambiente) é o banheiro do restaurante. O banheiro é um desses locais que são premiadíssimos, são vários casulos, como se estivéssemos entrando mesmo em uma nave espacial; cada casulo é um banheiro, com uma leve indicação de onde é o de homem e onde é o de mulher”, explica, ressaltando que, além disso, dentro do próprio banheiro, que é enorme, tem um bar com muitos títulos de uísque e de vinho, e esse bar pode ser usado às cinco horas da tarde. “Vale uma visita, porque lá, provavelmente, a gente não precisa ‘deixar um rim’”, comenta. Para finalizar, o grupo foi a um restaurante finlandês em Islington, que é um bairro nascente e já bastante procurado no nordeste de Londres.
O restaurante se chama Scal, que é como se fosse saúde em finlandês, ou como se fosse uma daquelas jarras nas quais as pessoas se servem e distribuem a bebida alcoólica para outras pessoas”, diz. Eles acharam o lugar por acaso e foi um dos melhores achados que tiveram. “Nós experimentamos as entradas com o prato principal regado a Acquavit, que eu já conhecia do Brasil e é uma infusão de ervas e especiarias dentro de destilados, como a própria Vodka. E de novo, isso dá cheiro, gosto, de anis, de pimenta e por aí vai”, observa, pontuando que a bebida, que não tem muito gosto nem muito cheiro, parece que foi feita para ser tomada desse jeito, experimentando. “A viagem pelos sentidos, que é única e inesquecível, sempre vale a pena. Experimentar e aumentar o repertório, mas compartilhar, convidar mais gente para ter esse prazer, não tem preço”, finaliza Schor.