Uma ferramenta matemática, desenvolvida no Instituto de Ciências Matemáticas e de Computação (ICMC) da USP, promete auxiliar médicos e profissionais da área a melhor interpretar imagens nos exames de fundoscopia, também conhecida como exame de fundo de olho. Batizado de VOTUS (Teoria do Transporte Ótimo Aplicado ao Registro de Imagens de Retina, em tradução livre), o modelo computacional de alta performance mostrou-se eficaz no tratamento de pares de imagens com alta contaminação por ruído, diferenças bruscas de contraste visual e mudanças de difícil percepção por parte de um observador humano.
Atualmente, todas as imagens de um exame passam por tratamento digital já que, a cada captura, há diferenças de escala, rotação e falta de foco, por exemplo. Para se fechar um diagnóstico, os oftalmologistas observam as várias fotos do olho de um mesmo paciente. As análises são feitas manualmente, na tentativa de identificar e acompanhar a evolução das patologias. “Além disso, as inspeções exigem bastante tempo e experiência de médicos e assistentes”, relata Danilo Motta, autor do estudo.
Para conceber o VOTUS, Motta, em seu doutorado, utilizou a Teoria do Transporte Ótimo. É uma metodologia já conhecida por profissionais da área e empregada em diferentes linhas de pesquisa, tais como detecção de câncer, aprendizado de máquinas, além de planejamento urbano e de tráfego. “Ela é o motor do VOTUS”, explica Afonso Paiva, professor do ICMC e orientador de Danilo Motta. “No nosso trabalho, essa teoria foi utilizada para estabelecer a relação entre dois grafos. Cada um representa o emaranhado de veias de um olho capturadas em momentos distintos.”
A construção da ferramenta
Tudo começou com a definição de uma representação matemática das imagens de retina. Depois, Motta estabeleceu as relações de alinhamento para duas fotos. Em seguida, foram feitas remoções dos traços incongruentes e o cálculo do melhor modelo geométrico para realizar a tarefa de registro, quer dizer, a sobreposição de imagens. “Assim, apresentamos uma solução matemática definitiva para o problema de ajuste dessas veias”, explica Wallace Casaca, matemático da Universidade Estadual Paulista e participante do estudo.
Para validar a pesquisa, Motta realizou vários testes experimentais. O objetivo era comprovar se a ferramenta seria capaz de identificar as alterações no olho. “Nessa etapa final, fizemos a análise sistemática utilizando três bases de dados”, descreve Motta. “Também demonstramos que o VOTUS é estatisticamente mais eficiente que os outros dez métodos de referência comparados em nosso estudo.”
Avaliação de fora
Oftalmologistas foram convidados a testar o VOTUS. O primeiro especialista avaliou a utilidade da ferramenta na rotina médica. “Em oftalmologia, trabalhamos com parâmetros que variam de milímetros a micrômetros, portanto, qualquer ferramenta que ajude na precisão da medição e na localização das patologias pode ser extremamente útil no sucesso terapêutico”, disse o médico, identificado no estudo como “oftalmologista 1”.
O outro especialista, chamado de “oftalmologista 2”, destacou a exatidão das análises. “O software permite um monitoramento muito mais preciso dos exames subsequentes, possibilitando uma comparação entre tamanho e progressão das lesões e patologias, proporcionando maior confiabilidade para a indicação de tratamentos.”
Segundo o oftalmologista Luis Belfort, da Unifesp, a ferramenta é inovadora. “Ela mostra um caminho muito importante. Aliás, o caminho que a medicina brasileira, junto com a engenharia e outras áreas da ciência, precisa fazer para ajudar no avanço da medicina.”
Doenças oculares
Mais de um bilhão de pessoas em todo o mundo vivem com deficiência visual, de acordo com o primeiro relatório mundial sobre visão publicado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) em outubro. Já no Brasil, a catarata, o glaucoma, a degeneração macular e a retinopatia diabética são algumas das doenças oculares responsáveis pela maior parte dos atendimentos feitos por oftalmologistas.
A investigação do fundo de olho é obrigatória em todos os pacientes a partir de 60 anos. Em pacientes com diabete e outras doenças crônicas metabólicas, a investigação deve ser feita ainda mais cedo.
Fonte: Jornal da USP